Se, por magia, alguém estalasse os dedos e este caneco se transformasse em homem, viria acompanhado por uma barba. Não seria longa, à feiticeiro, nem curta, como se tivesse passado por uma lâmina há dois ou três dias. Chegava apenas para tapar a pele da cara porque a Supertaça Cândido de Oliveira só cá anda desde 1979/1980. Essa foi a primeira época em que os vencedores do campeonato e da Taça de Portugal combinaram um encontro para descobrirem quem, afinal, mandava nisto tudo. Já lá vão 36 anos e, mesmo com tanta temporada no meio, as agendas de Sporting e Benfica apenas se atinaram duas vezes.

Aconteceu em 1980 e 1987. E sim, é mesmo verdade. Com tantos títulos que cada clube tem guardados no museu, só houve duas épocas em que os rivais lisboetas conseguiram dividir entre si as duas principais competições em Portugal. Na primeira vez, o leão chegou a rugir à Supertaça, feito campeão nacional, mas de lá saiu domesticado pelos encarnados, que foram empatar a Alvalade (2-2) para depois resolverem tudo na Luz (2-1) — a prova foi discutida a duas mãos até 2001. Aí ganhou a equipa de Lajos Baróti, o penúltimo de uma dinastia de seis húngaros que treinou o Benfica.

À segunda vez que se defrontaram foi o Sporting, vencedor da Taça de Portugal, a levar o caneco para casa. Fê-lo com duas vitórias, um 3-0 na visita ao rival seguido de um 1-0 em casa. O treinador era o inglês Keith Burkinshaw. Agora vamos à conclusão óbvia: nas duas ocasiões em que leões e encarnados colidiram na prova, nunca foi o campeão nacional da época anterior a ganhar. Porquê? Poder-se-ia olhar para as formas que traziam da pré-época, mas não serviria de nada porque ambas as edições se decidiram para lá de setembro. Ainda não estávamos no tempo em que a Supertaça servia de primeiro jogo oficial da temporada e para avisar que, a partir dali, já era tudo a doer.

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Em 1980 apenas se conheceu o vencedor a 29 de outubro e em 1987 a Supertaça jogou-se em dezembro, quando a época já ia com pernas longas. Agora é diferente. Olha-se para as pré-épocas como barómetro da forma com que as equipas podem chegar à decisão da prova que inaugura a temporada. Se dependesse apenas disso, seria o Sporting a chegar melhor ao Estádio de Algarve, onde no domingo se realiza pela terceira vez a final (as anteriores foram em 2005 e 2008). Os leões fecharam a pré-temporada com cinco jogos feitos, três vitórias, nenhuma derrota e uma fartura de golos marcados: 14, contra três sofridos.

Jorge Jesus, o protagonista do golpe do verão, saiu da Luz para ir morar para Alvalade. Moldou a equipa como quis, deu-lhe a sua pegada, mais rotação e maior intensidade. Diz que a Supertaça “é importante”, mas “não define a temporada”. Confessou à RTP que está “surpreendido” com a quantidade de coisas que pediu e viu a equipa fazer em “cinco semanas de trabalho”.

Os jogadores reagem, as diferenças notam-se e JJ, ao que parece, gosta do que vê. E pelos vistos também esteve de olho no que o Benfica andou a fazer na pré-época. “Uma coisa é tu chegares a um clube, tens uma ideia de jogo e mudas tudo. É isso que temos estado a fazer. Outra coisa é chegares a um clube e não mudas nada. A vantagem está no detentor do título, que é o Benfica, que tem uma ideia de jogo que manteve, nada foi mudado. As ideias que estão lá são todas minhas, vou jogar contra uma equipa com as minhas ideias. Não mudou nada, zero. Foi tudo criado por mim. O cérebro daquilo não está lá“, desabafou, usando as palavras como agulhas para picar o treinador rival.

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Jorge Jesus e Rui Vitória já se defrontaram uma vez para verem quem levava um caneco para casa: foi em 2013, na final da Taça de Portugal.

Não foi combinado, mas podia ter sido, já que, logo a seguir à RTP mostrar a entrevista ao ex-técnico do Benfica e atual do Sporting, quem hoje manda nos encarnados disse que “não é preciso que ninguém assobie aos ouvidos” para o clube ir trabalhando. Na pré-época, os quase 20 dias de digressão pelos EUA valeram a Rui Vitória três derrotas e dois empates, sem qualquer encontro feito em Portugal. “Sabíamos o que tínhamos de percorrer. O Benfica é um clube de repercussão mundial. O Benfica tem de correr este tipo de competições porque faz parte da dimensão do clube, as grandes equipas fazem isto”, justificou. Não passaram de jogos-treino, mas nunca o Benfica tinha resultados assim em pré-épocas realizadas neste século. “Nenhum treinador pode dizer que daqui a três semanas, a um mês, que a equipa está como idealiza. Acho que as coisas vão melhorando. O caminho está traçado”, sublinhou, voz carregada de convicção.

Jesus disse o que pensou e Vitória pensou bem no que disse. Antes de dizerem o que disseram, nenhum sabia o que o outro tinha dito. Mas tanto Jesus como Vitória sabem o que é ter a Supertaça à vista e vê-la ir embora nos braços de adversários — ambos contra o FC Porto, em 2010 e 2013. Só JJ, porém, é que sabe o que é ganhá-la: conseguiu-o na temporada passada, quando foi a Leiria bater o Rio Ave. Agora disse que “não [ia] ser hipócrita” e recusou-se a “dizer que se ganhar não [irá] festejar”. Conhece bem os jogadores que vai enfrentar, talvez melhor até que o treinador que hoje os ordena, porque até Rui Vitória lembrou que não há técnico no mundo que “em três semanas ou mês” possa dizer que “a equipa está como idealiza”. Mas, esteja a seu gosto ou não, tem de sentir que há ali matéria para conquistar uma Supertaça, porque é para isso mesmo que o Sporting e o Benfica vão ao Algarve.