A maior coleção do mundo de gravuras de Rembrandt terá sido descoberta no depósito da Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, em Águeda. As gravuras terão sido compradas por Dionísio Pinheiro, empresário do setor têxtil que fez fortuna no Porto, nos anos 50. Estas gravuras fizeram parte da coleção Conde do Ameal – que as adquiriu à Biblioteca Nacional de Paris. 14 das 282 gravuras vão agora ser expostas ao público em Águeda, mas já estão a gerar polémica.
As gravuras terão sido descobertas há cerca de dois anos no depósito da Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, em Águeda, mas só agora é que a instituição divulgou a presença das 282 gravuras de Rembrandt – pintor holandês, expoente da escola flamenga, que viveu entre 1606 e 1669 – no seu espólio. Nestes anos, a Fundação tem contactado vários especialistas internacionais para ter a certeza da autenticidade e proveniência das obras, já que Dionísio Pinheiro mantinha as obras fechadas numa caixa forte e não estavam devidamente catalogadas.
Miguel Vieira Duque, atual conservador da Fundação disse ao Observador que a descoberta foi “surreal”. “Assim que cheguei à fundação, há três anos, comecei a abrir caixas. Na altura, apenas um terço do que consta atualmente da exposição aberta ao público estava no museu. Quando abri a caixa forte dos Rembrandt foi surreal. Fiquei três dias sem ir a casa”, conta o responsável ao Observador, explicando que nestes anos tem procedido à classificação das obras.
Vieira Duque, que dirige a coleção da Fundação criada pelo testamento de Dionísio Pinheiro, crê que este seja o maior conjunto de gravuras de Rembrandt do mundo porque o Rijksmuseum (Museu da Holanda) tem 260 gravuras e Casa Museu de Rembrandt tem menos de uma centena. A instituição tem estado em contacto com estes dois museus, especializados na obra de Rembrandt, de modo a autentificar o trabalho do artista.
Antiga conservadora desvaloriza descoberta
A notícia da descoberta do espólio de Rembrandt, confirmada por Vieira Duque ao Observador, foi avançada este sábado pela agência Lusa mas entretanto já foi questionada. Maria José Goulão Machado, historiadora de arte e Professora Auxiliar da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto conta, em mensagem enviada ao Observador, que a coleção não foi descoberta agora, tendo estado “identificada, inventariada e classificada” desde a altura em que trabalhou como conservadora daquela Fundação – Maria Jousé Goulão foi a primeira conservadora da Fundação Dionísio Pinheiro, em 1985. A historiadora diz ainda que a coleção não é composta por gravuras feitas à mão mas sim por “reproduções do lote original de águas-fortes de Rembrandt feitas em Franca no séc.XIX”.
“São tão convincentes que são frequentemente postas à venda por leiloeiros como tiragens das matrizes originais de Rembrandt, mas de facto são tudo menos águas-fortes atribuíveis ao pintor”, alerta a historiadora. O Observador tentou contactar a historiadora, mas sem sucesso.
O atual conservador da Fundação Dionísio Pinheiro foi notícia em fevereiro por ter sido o responsável pelo restauro de 13 esculturas de uma recriação da Última Ceia, no Santuário da Nossa Senhora das Preces, em Oliveira do Hospital. Este restauro de esculturas, todas elas do século XIX, de tamanho natural, foi alvo de duras críticas pela comunidade de restauradores, com o trabalho final, desenvolvido pelo conservador com a colaboração dos alunos da Universidade Sénior de Coimbra, a ser acusado de ter violado várias regras do restauro.
Exposição com 14 obras
A fundação decidiu divulgou a descoberta das gravuras a tempo do dia dos Museus que se comemora a 18 de maio. Desde essa data está aberta ao público, no Museu da Fundação Dionísio Pinheiro, uma exposição com 14 das 282 obras. Esta primeira exposição é constituída por uma seleção de apenas 14 gravuras devido a limitações de espaço e razões de segurança e, segundo a Fundação, visa fazer com que estudantes de arte se interessem pelas gravuras e desenvolvam teses baseadas nas obras.
As gravuras dividem-se em seis temáticas: religião com cenas bíblicas, retrato, representação de indigentes, paisagem, auto-retrato e retratos de família. Entre estas gravuras, há muitos estudos para quadros bem conhecidos deste pintor, como o quadro A Noiva Judia. A Fundação diz também já ter apresentado uma parte do espólio ao Museu Nacional de Arte Antiga que se mostrou muito “entusiasmado” com a descoberta.
Surpresas no depósito da Fundação
Outra raridade que a Fundação Dionísio Pinheiro possui são dois esmaltes de Limoges do séc. XVI, de um conjunto que retrata a Lenda de Eneias e de que existem outras peças na Europa, nomeadamente em Paris, que estavam dados como “desaparecidos” para a História.
“Têm identificação das personagens retratadas, mas não havia a informação que permitisse perceber a sua raridade. Quando surgiu a suspeita de que seriam os dois esmaltes que estariam perdidos, houve um contacto feito por uma universidade francesa que os identificou e comunicou a espetacularidade da descoberta e foi bom perceber que, afinal, não haviam sido destruídos”, comentou Luís Arruda, o administrador da Fundação.
As gravuras de Rembrandt e os esmaltes de Limoges são as algumas das mais recentes surpresas do “tesouro” de Dionísio Pinheiro, que pode ser visitado em Águeda e inclui uma coleção variada de pintura portuguesa do séc. XIX, mas também prataria portuguesa, mobiliário francês do séc. XVIII, porcelana e estatuária chinesa, ou marfim indo-português e cingalês. A Fundação foi um dos primeiros museus portugueses a ser convidado pelo projeto Art Project da Google para apresentar as suas peças na galeria online do gigante da internet e conta com tantas obras como o Metropolitan Museum of Art.
A maior parte dos visitantes deste museu são franceses, alemães e holandeses que vão não só ver a coleção de pintura flamenga, mas também conhecer os mestres da pintura portuguesa e, por exemplo, ver um dos maiores Cristos em marfim (mede 87 cm).
Quanto a apoios estatais, Vieira Duque esclarece que Fundação é gerida apenas através de fundos próprios e que não tem havido interesse por parte da secretaria de Estado da Cultura nestas descobertas. “Não tivemos qualquer feedback. Inaugurámos a exposição no dia 18 e não tivemos ninguém da secretaria de Estado presente. Não tivemos qualquer representante do Governo. A cultura não dá votos”, apontou o conservador.
Um benemérito que queria educar para a cidadania
A Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro é financiada através de fundos privados – herança do casal – e gerida por um conselho de administração. Para além de ter a seu cargo o museu, financia bolsas de estudo a académicos e atribui prémios escolares. Vieira Duque disse ao Observador que a fundação mantém a missão do seu patrono: “Educar através da arte e educar para a cidadania”.
Dionísio Pinheiro viveu entre 1891 e 1968, foi aos 11 anos trabalhar para o Porto como marçano nos Armazéns Cunha e frequentava à noite a Escola Industrial. Haveria de fundar a fábrica de tecidos em Rebordões, Santo Tirso. Fez fortuna e rodeou-se de críticos de arte, galeristas e leiloeiros, construindo sob influência da esposa, Alice Cardoso Pinheiro, uma coleção de arte que por sua vontade, após a morte, teria como destino uma fundação a criar em Águeda, sua terra natal.