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É o fim de uma era na maior rede social do mundo com a saída da poderosa Sheryl Sandberg, o braço direito de Mark Zuckerberg nos últimos 14 anos. É impossível separar a história do Facebook da de Sheryl Sandberg, aquela que foi a segunda executiva mais importante da companhia e a arquiteta da galinha dos ovos de ouro da empresa – o modelo de anúncios. Dos 18 anos da empresa, comemorados em fevereiro, 14 já tiveram Sandberg ao leme das operações, a desempenhar funções enquanto COO (chief operating officer, na sigla em inglês).
No primeiro dia de junho, a extensa carta de despedida da executiva, pincelada aqui e ali com episódios da história de uma das empresas que mudou o mundo, agitou as águas e surpreendeu a indústria. “Ao fim de 14 anos, estou de saída da Meta”, escreveu, usando já o novo nome da empresa, depois de Zuckerberg ter rebatizado a empresa em outubro de 2021 para refletir a vontade de embarcar no metaverso – a “next big thing” na ótica de um dos homens mais ricos do setor tecnológico.
E, de certa forma, o crescimento da empresa ao longo dos últimos anos tem as impressões digitais de Sandberg. Já com um pé na porta, a empresa que deixa é hoje muito diferente da que encontrou em 2008, ano em que embarcou no outrora “The Facebook”. A própria escala da companhia, que controla quatro das aplicações sociais mais descarregadas do mundo, é o ponto que mais salta à vista – mas não é o único. Dona do Facebook, do Instagram, do WhatsApp e ainda do Messenger, a companhia integra hoje o grupo das “big tech”, ao lado de nomes como a Google, Amazon, Apple e a Microsoft.
Se, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, o grau de escrutínio e atenção dada a todos os movimentos da Meta/Facebook é hoje bem diferente de 2008, acompanhando a expansão da empresa. O desencantamento com as promessas de Silicon Valley não é um exclusivo do Facebook, mas o surgimento de um escândalo ligado à forma como são recolhidos e usados os dados pessoais dos utilizadores de redes sociais, no âmbito do caso Cambridge Analytica, deixou a empresa na berlinda.
Sandberg reconheceu esta mudança de ótica na carta de despedida. “O debate em torno das redes sociais mudou de forma significativa face aos dias iniciais. Dizer que foi sempre tudo fácil é um eufemismo. Mas é suposto ser difícil.” Neste campo de dificuldades, não deixou de lado a “responsabilidade” associada aos próprios produtos feitos pela empresa, que “têm um enorme impacto”, portanto é necessária “responsabilidade” na hora de criação para “proteger a privacidade e manter as pessoas seguras”.
A pergunta-chave, o porquê da saída, teve resposta pela própria Sheryl Sandberg: quer dedicar-se a atividades de filantropia. “É um trabalho que adoro, mas que é de 24 horas, sete dias por semana”, reconheceu a executiva, de 52 anos, numa entrevista recente à cadeia de televisão norte-americana CNBC. “Não é um trabalho que se possa fazer e que também dê para fazer outras coisas.”
Neste novo capítulo da vida, conforme descreveu, deixa a porta aberta à incerteza e a uma investigação por parte da própria Meta, mas diz que pretende pelo menos focar-se na fundação que criou, a Sheryl Sandberg & Dave Goldberg Family Foundation, em 2013. “Não tenho a completa certeza sobre o que é que o futuro me vai trazer – aprendi que nunca ninguém tem. Mas sei que vai incluir um maior foco na minha fundação e em trabalho filantrópico (…)”. O futuro a curto prazo de Sandberg inclui ainda um casamento, no verão, e a gestão de uma família numerosa vindo dessa união, com cinco filhos.
O corte de “cordão umbilical” entre a executiva e o Facebook/Meta não será total, já que continuará a ter um lugar no conselho de administração da companhia norte-americana, ainda que esta esteja a investigar a alegada utilização de recursos por parte da gestora. Será esse o plano “por agora”, disse ao site norte-americano The Verge, quando questionada sobre quanto tempo é que poderá ficar com este lugar.
Da Google até aos “inúmeros jantares” para embarcar no Facebook
Os cinco anos que Sheryl Sandberg esperava passar no Facebook transformaram-se numa estadia quase três vezes maior. E é o próprio Zuckerberg a reconhecer a peculiaridade de uma aliança tão longa quanto esta. “É invulgar uma parceria de negócios como a nossa durar tanto tempo. Acho que a nossa durou porque a Sheryl é uma pessoa, líder, parceira e amiga incrível”, escreveu o CEO do Facebook, na carta que escreveu para comentar a despedida de Sandberg.
A carta dá o devido crédito a Sandberg pelo trabalho feito ao longo da última década. “Quando a Sheryl se juntou a mim em 2008, eu tinha apenas 23 anos e não sabia praticamente nada sobre como gerir uma empresa. Criámos um grande produto – o site do Facebook – mas não tínhamos ainda um negócio que desse lucro e estávamos a ter dificuldade em fazer a transição de uma pequena empresa para uma organização real. A Sheryl arquitetou o nosso negócio de anúncios, contratou excelentes pessoas, forjou a nossa cultura de gestão e mostrou-me como gerir uma empresa”, reconheceu Zuckerberg.
Mas convencer alguém com o currículo de Sheryl Sandberg a integrar uma empresa aparentemente promissora mas ainda a dar os primeiros passos não foi tarefa fácil. Formada em Harvard College, onde recebeu o John H. Williams Prize na área de economia, distinção atribuída aos alunos com o melhor registo académico, foi lá que conheceu o professor Lawrence Summers, que mais tarde se tornou seu mentor e um dos nomes mais importantes para o seu percurso profissional. Foi através de Summers que chegou o convite para ser assistente de investigação no Banco Mundial, onde trabalhou durante quase um ano em projetos ligados à saúde na Índia.
Depois dessa experiência, passou pela Harvard Business School, prestigiada instituição na área da economia e gestão, onde mais uma vez voltou a receber uma distinção pelo melhor desempenho. No arranque da segunda metade da década de 90, acabada de sair da Business School, experimentou a consultoria, com uma curta passagem pela McKinsey.
O caminho de Sandberg acabaria por se cruzar novamente com o de Lawrence Summers, que em 1996 desempenhava funções na administração Clinton, enquanto secretário do Tesouro. A executiva voltou a trabalhar para Summers, transformando-se na sua chefe de gabinete, função que manteve até 2001.
Só nesse ano é que viria a trocar o mundo financeiro e a experiência governamental por uma carreira no setor da tecnologia, que na altura ainda estava a recuperar da bolha das “dotcom”. Rumando à Califórnia, Sheryl Sandberg juntou-se à Google, também numa fase inicial da história desta empresa, com o título oficial a apontar para responsável pelo negócio de vendas de publicidade da empresa. É no reinado de Sandberg nesta área que a Google faz prosperar dois dos produtos mais importantes para o negócio de anúncios da companhia: o AdWords e o AdSense. Na prática, o sistema AdWords permite que os anunciantes compitam por um espaço no topo dos resultados de pesquisa, indicando o preço que estão dispostos a pagar de cada vez que um utilizador clicar no respetivo anúncio. O AdSense, por sua vez, tenta fazer um “match” entre os anúncios apresentados num site e o tipo de perfil e interesse de quem por lá passa.
Os dados estavam lançados e a Google prosperou no negócio da publicidade online. De acordo com os dados da Bloomberg, as receitas anuais vindas do negócio de publicidade passaram de 86 milhões de dólares em 2001, o equivalente a 75,6 milhões de euros à atual conversão, para os 16 mil milhões de dólares em 2007 (14,9 mil milhões de euros), o último ano completo em que Sandberg esteve na Google. Feitas as contas, representa um salto de 18.504% nestas receitas em cerca de seis anos.
A façanha da gestão de Sandberg ajudou não só Larry Page e Sergey Brin, os fundadores da Google, a ficarem mais ricos, mas também despertou o interesse de outros nomes da indústria, nomeadamente do jovem Mark Zuckerberg. Mas como é que se convence alguém que não está propriamente à procura de emprego? A visão do criador do Facebook para uma internet onde as pessoas podem comunicar ao mundo as suas opiniões e vontades, partilhada numa festa onde Zuckerberg e Sandberg travaram conhecimento, ajudava mas não era ainda suficiente.
“Muitos meses depois e após inúmeros – e digo mesmo inúmeros jantares e conversas com o Mark – ele ofereceu-me este trabalho”, relembrou Sandberg na carta de despedida, não esquecendo o ponto de que, numa fase inicial, trabalhar no Facebook era “caótico”. Em parte, devido à diferença de cultura laboral entre a área de engenharia e a da gestão. “Marcava uma reunião com um engenheiro para as nove da manhã e ele não aparecia. Assumiam que estava a falar de uma reunião às nove da noite, porque como é que alguém iria trabalhar às nove da manhã?”, mencionou Sandberg.
Além disso, o negócio de anúncios do Facebook estava longe de ser o gigante que hoje é. “Tínhamos alguns anúncios, mas não estavam a ter um bom desempenho e a maioria dos anunciantes com que tinha reuniões queria dominar a nossa página principal como o Incrível Hulk fazia no MySpace”. Mas usar a mesma fórmula de anúncios do MySpace, que em 2008 era a rede social estrela, não estava em linha com a visão de Zuckerberg para a sua criação.
Era preciso outra receita. E foi a isso que Sandberg se dedicou nesses primeiros anos no Facebook – não só aos anúncios, mas também a outros campos. Aos 38 anos, a executiva tinha não só mais experiência empresarial do que Zuckerberg, mas também ligações de relevo, que ajudaram a atrair capital. Ao reportar diretamente a um CEO de 23 anos, Sandberg gozou de uma autonomia na tecnológica que é rara de encontrar noutras empresas, chamando a si temas como as comunicações, “lobby”, “policy” e outras áreas não ligadas à engenharia. Ou seja, tudo o que, à partida, não faria palpitar o coração de Zuckerberg.
Esta “divisão” de tarefas entre os dois principais nomes do Facebook tornou-se célebre na indústria. Zuckerberg podia ter o cargo de CEO, mas vários nomes da estrutura organizacional da empresa reportavam diretamente a Sandberg, que por sua vez prestava contas ao fundador da companhia. A autonomia de Sandberg sempre saltou à vista, mas em entrevista à Wired, Zuckerberg chegou a reconhecer que isso era uma necessidade, devido à sua falta de experiência – tanto a nível pessoal como profissional.
Um pé em Washington e outro em Silicon Valley
Mudar a indústria de anúncios online, com publicidade direcionada, não era a única carta na manga de Sheryl Sandberg. Os anos passados a trabalhar com Lawrence Summers, no Departamento do Tesouro, deram-lhe uma vantagem competitiva, com experiência política e ligações. Anos mais tarde, quando a pressão ao Facebook se intensificou, tudo indica que tenha sido a experiência de bastidores de Sandberg em Washington a dar alguma margem à companhia.
Membro do partido Democrata, a própria Sandberg já admitiu que teve aspirações de um papel político mais relevante. E, nos últimos anos, tudo indicava que estaria pronta para dar o “salto” – mas isso não se materializou. Se os rumores apontavam para um lugar no Senado norte-americano, Sandberg já reconheceu que não era bem esse o alvo – estava mais de olho num cargo na administração governamental, revelou à Wired, notando questões de mau “timing”.
Ao longo dos 14 anos que esteve no Facebook, Sandberg regressou em alguns momentos a Washington, na qualidade de número dois da empresa, para discursar perante o Congresso ou ainda para discutir temas de privacidade de dados em Capitol Hill.
Os amargos de boca do Cambridge Analytica
Um dos maiores espinhos do percurso de Sheryl Sandberg enquanto nome forte do Facebook está ligado ao escândalo de privacidade Cambridge Analytica, na primavera de 2018. O tema caiu que nem uma bomba no negócio da rede social, revelando que a empresa britânica Cambridge Analytica teria recorrido a dados recolhidos através de um inofensivo questionário no Facebook. A Cambridge Analytica estaria a traçar perfis precisos para conseguir apresentar anúncios direcionados a utilizadores marcados como eleitores indecisos. Ao manipular as mensagens e anúncios apresentados, a empresa de analítica de dados terá conseguido influenciar os resultados de dois momentos eleitorais relevantes em 2016: o referendo do Brexit e as presidenciais dos Estados Unidos, que deram a vitória a Donald Trump.
O papel do Facebook foi fortemente criticado após a revelação deste caso, com acusações de que não teria feito o suficiente para proteger a informação dos utilizadores. Na altura o rosto mais visível da empresa, coube a Sheryl Sandberg enfrentar parte das consequências do tema, algo que envolveu um testemunho perante o Congresso norte-americano, ainda em 2018. Além das questões de reputação, o caso acabaria por ter consequências económicas para a empresa, com uma coima recorde de 5 mil milhões de dólares após uma investigação da norte-americana Comissão Federal de Comércio (FCT).
Especialmente depois de o Cambridge Analytica vir a público, motivando documentários sobre manipulação de dados e muito mais, Mark Zuckerberg intensificou as aparições em público e passou a ter um papel mais ativo na ribalta. Nos bastidores, relatou o New York Times, Sheryl Sandberg tentava acalmar os ânimos com uma campanha de “lobby” para combater os críticos do Facebook e gerir as questões de reputação. E, também aqui, as ligações da executiva terão sido uma carta na manga.
Em entrevista ao The Verge, justamente a propósito do anúncio da saída, o Cambridge Analytica não é mencionado, mas fica uma ressalva: “há coisas que foram aprendidas e certamente desejávamos saber mais cedo”. E aproveitou a oportunidade para falar de Nick Clegg, antigo vice-primeiro ministro britânico, que atualmente desempenha funções como presidente da Meta para a área de global affairs, e dos esforços que estão a ser feitos para garantir que alguns contratempos do passado não se repetem na aventura da companhia no metaverso.
Curiosamente, Nick Clegg, que se juntou ao Facebook em 2018, tem sido mais visível ultimamente em declarações e conferências em público, a par de Mark Zuckerberg. Quem tem estado mais afastada das luzes da ribalta tem sido justamente a COO “superstar”. E depois do anúncio de que deixaria de ter funções executivas, o Wall Street Journal noticiou que a gestora estava a ser investigada pela própria Meta. “Um conjunto de trabalhadores foram entrevistados no âmbito da investigação por parte da Meta”, decorrendo a análise à alegada utilização de recursos da empresa por parte de Sandberg já desde o outono.
O legado que Sandberg deixa – dentro e fora da tecnologia
Desde a faculdade que Sheryl Sandberg é uma acérrima defensora dos direitos das mulheres e da igualdade no mundo corporativo. A própria fundação que criou está dedicada à defesa de mais oportunidades para as mulheres. O “glass ceiling” continua a ser um cavalo de batalha na indústria, dominada pelo sexo masculino, e a partida de Sandberg representa a despedida de uma das executivas mais relevantes dos últimos 20 anos no setor tecnológico.
Sheryl Sandberg é também autora de um livro “Lean In”, onde pede às mulheres que tenham uma voz assertiva no trabalho e na vida pessoal. Lançado em 2013, o livro foi um sucesso de vendas e até ganhou alguma aura de movimento social para que as mulheres consigam chegar aos cargos principais do mundo corporativo.
Nem só de empreendedorismo no feminino se faz o legado de Sheryl Sandberg. O panorama dos anúncios como principal motor de receitas das duas tecnológicas por onde passou – primeiro a Google e o Facebook – continua a estar fortemente assente na estratégia que criou. Será esse o principal legado de Sheryl Sandberg, que também contribuiu para a internet como hoje a conhecemos, incluindo os desafios na publicidade digital. É difícil navegar na Internet sem ser impactado por um anúncio nas diversas plataformas controladas pela Google e pelo Facebook. Olhando especificamente para o império Facebook, é difícil conseguir escapar aos anúncios – se procurar algum produto online é quase garantido que vai vê-lo em anúncios no Facebook. E não vale a pena fugir – certamente irá encontrar um anúncio semelhante no “irmão” Instagram.
Até na carta de despedida de Sandberg os anúncios têm um papel, já que aproveita para recordar a história de uma empreendedora na Polónia, que começou a vender pequenos animais de peluche com ruído branco para acalmar crianças no Facebook, que hoje faz vendas “em mais de 20 países”. Vale a pena recordar que, nos principais episódios de contestação aos anúncios do Facebook e ao modelo de negócio, tem sido justamente a teoria de que quaisquer alterações vão ter consequências para as pequenas e médias empresas, vistas como os principais anunciantes desta rede social.
Principais figuras da Meta passam a reportar diretamente a Zuckerberg
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A carta complementar de Mark Zuckerberg ao anúncio de despedida de Sandberg desfaz parte da organização que a executiva norte-americana ajudou a construir. E o lugar de Sandberg, pelo menos com os poderes que lhe estavam associados, não vai ter lugar na estrutura existente da companhia. “Daqui em diante, não tenho planos para substituir o papel da Sheryl na nossa estrutura existente. Não tenho a certeza de que fosse possível, tendo em conta que ela é uma superestrela que definiu o papel de COO na sua própria maneira única”, escreveu o fundador da empresa. “E, mesmo que isso fosse possível, acho que a Meta chegou a um ponto em que faz sentido que os nossos grupos de produto e negócio estejam mais integrados, em vez de ter todas as funções de negócio e operações organizadas separadamente dos nossos produtos.”
O cargo de COO terá substituto, é certo, com o espanhol Javier Oliván, mas com um papel “mais tradicional”, diz Zuckerberg. Molly Cutler, a vice-presidente de resposta estratégica da companhia, é integrada na equipa do novo COO, e terá de reportar diretamente ao executivo espanhol.
A saída de Sandberg dá ao magnata da tecnologia a oportunidade de arrumar a casa e ter mais executivos a reportar-lhe diretamente. Será esse o caso de Lori Goler, que lidera a área de recursos humanos, e ainda de Maxine Williams, responsável pela área de diversidade, que trabalhará no “staff” direto do fundador da empresa.
Quem é o senhor que se segue?
O espanhol Javier Oliván sobe mais um degrau dentro do Facebook, onde trabalha desde outubro de 2007 – ainda antes de a antecessora Sandberg se juntar à companhia. O novo número dois de Zuckerberg foi, aliás, o primeiro trabalhador estrangeiro contratado pela outrora pequena startup.
Tudo começou quando, enquanto estava a estudar em Stanford, graças a uma bolsa de estudo, percebeu que todos os colegas estavam a começar a usar uma novidade, onde era possível encontrar outros universitários – justamente a criação de Mark Zuckerberg.
Nascido na localidade de Sabiñánigo, na província de Huesca, em Aragão, à porta dos Pirinéus, o espanhol tentou replicar a mesma fórmula em Espanha, ainda em 2007, conta o jornal El País, através de um projeto entretanto fracassado, o Nosuni, uma espécie de Facebook à espanhola. Mas quis o destino que se cruzasse com Mark Zuckerberg, a quem disse que tinha de traduzir a plataforma para chegar a mais países e ganhar escala.
A ideia terá feito sentido a Zuckerberg e, a experiência internacional que Oliván já tinha recolhido em empresas como a Siemens Mobile, em Munique, ou na NTT Data, que o levou até Tóquio, conferiu-lhe uma entrada direta na empresa para o cargo de responsável pelo crescimento internacional. Mais tarde, seria promovido a vice-presidente de crescimento e, já em maio de 2018, a vice-presidente de produtos centrais. Em janeiro deste ano, foi novamente promovido, passando a deter o título de chief growth officer e vice-presidente de produtos da Meta e infraestrutura.
Enquanto COO, o espanhol de 44 anos vai ter um papel mais tradicional do que Sandberg, avisa Mark Zuckerberg. “Vai certamente ser um papel de COO mais tradicional, já que o Javi estará focado internamente e operacionalmente” em fazer executar uma estratégia “mais eficiente e rigorosa”.
Pai de dois filhos e casado com uma alemã, que conheceu enquanto estava ainda em Erasmus, na faculdade, o executivo espanhol partilha pelo menos outra paixão além da tecnologia com Zuckerberg – o surf. Curiosamente, terá aprendido a surfar longe do mar, ainda enquanto estava na Alemanha, num rio artificial.
Numa publicação onde assinalava o aniversário de dez anos de Javier Oliván – ou Javi, como é tratado internamente – Mark Zuckerberg descreve o espanhol como uma das “pessoas mais influentes da história do Facebook”. Mas, a contrastar com o perfil carismático e bastante público da anterior diretora de operações, a discrição de Oliván, que ganhou espaço na empresa, será intencional.
Que “batatas quentes” passa Sandberg ao sucessor?
Em 2019, em entrevista à Wired, Sheryl Sandberg não escondia o sentimento de responsabilidade que ainda a motivava a ficar no Facebook – e a tentar corrigir algumas das fragilidades da rede social, ao lado do parceiro Zuckerberg. “Vai demorar mais tempo, anos”, assumiu na altura à revista norte-americana, ainda no rescaldo do Cambrige Analytica. Três anos depois, abriu a porta de saída, numa empresa com ainda mais desafios.
O Facebook continua não só a enfrentar a pressão dos críticos que defendem que a empresa é hoje demasiado grande, mas também tenta resolver a questão da desinformação nas redes sociais. Se, em 2018, já ficaram a descoberto as fragilidades das redes sociais na hora de lidar com a desinformação, nos últimos anos esta questão só se agravou – primeiro com um contexto de pandemia e, este ano, já com uma guerra na Europa. Em ambos estes cenários, voltaram a soar os alarmes sobre a responsabilidade das plataformas sociais e nas mensagens que por lá circulam.
Mas este não será certamente o único desafio de Javier Oliván. Afinal, a transição de Facebook para Meta, o novo nome da empresa, e a aposta no conceito do metaverso, um mundo digital onde será possível usar um avatar para fazer praticamente tudo, defende a empresa, desde o trabalho até ao entretenimento, também promete ser um desafio para as operações. Especialmente depois de, em 2021, a empresa ter investido 10 mil milhões de dólares (9,32 mil milhões de euros) neste conceito do metaverso. Se os investidores e acionistas aguardam com expectativa o que poderá sair deste conceito, que quer tirar partido dos esforços da empresa na área da realidade virtual, há algum ceticismo no ar sobre quando é que o metaverso poderá ser algo mais palpável. O próprio Mark Zuckeberg já disse que o metaverso é algo demasiado ambicioso para se fazer sozinho – e garante que tudo ainda demorará alguns anos até acontecer.
Há ainda outra nuvem no horizonte: a concorrência vinda da China, na forma de uma aplicação de vídeos curtos, o célebre TikTok. Numa era em que as aplicações e serviços competem pela atenção do utilizador, cada vez mais dispersa, o novo COO do Facebook/Meta terá de garantir que a empresa mantém o título de dona das redes sociais mais relevantes do mundo. A estagnação dos números de utilizadores é um fantasma, especialmente depois de, no início do ano, a empresa revelar que perdeu cerca de meio milhão de utilizadores pela primeira vez na sua história de 18 anos. A 3 de fevereiro, quando a Meta apresentou os resultados do quarto trimestre de 2021 ao mercado, com essa primeira quebra de utilizadores da história, viu as ações afundar mais de 26% num dia, o que representou uma perda de 251,77 mil milhões de dólares em valor de mercado (234,6 mil milhões de euros).