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A variante delta vai provocar mais casos de reinfeção em Portugal ao longo do verão, aponta Henrique Oliveira, matemático do Instituto Superior Técnico que está a acompanhar a evolução da Covid-19 no país. Mesmo as pessoas que já estiveram infetadas com outras variantes ou que já receberam uma dose da vacina podem estar suscetíveis a apanhar esta variante: “É um potencial de contágio com o qual não estávamos a contar”. Mas não é o único problema antes do Verão: esta quarta vaga pode chegar no final de julho com 4 a 5 mil casos diários e sem pico à vista. E teme-se mesmo uma nova onda no inverno.
Antes desta nova linhagem do SARS-CoV-2, o especialista acreditava que o verão estava “em aberto”. A variante alfa, identificada originalmente no Reino Unido, já tinha produzido uma avalanche de novos casos durante a terceira vaga e, por isso, teria menos oportunidade para continuar a espalhar-se: “Com menos pessoas a quem infetar, a variante britânica ia extinguir-se, porque não teria mais palha para arder“.
Mas a variante delta veio trocar as contas ao matemático do Técnico: só precisou de 30 dias para se tornar dominante em Portugal (a variante alfa necessitou de 75 dias) e consegue contornar parte do efeito protetor das vacinas, que se tornam menos eficazes perante ela. Só haveria uma forma de evitar essas reinfeções: vacinar quase toda a gente ao mesmo tempo e o mais depressa possível. Mas Portugal ainda só tem 33% da população com a vacinação completa (52% só tem um dose).
Aliás, todos os especialistas apontam que a vacinação será a maior arma ao longo do verão para controlar a epidemia. Ao Observador, Manuel Carmo Gomes, epidemiologista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, afirma até que, se o ritmo de vacinação continuar a aumentar, o país pode conseguir deter o avanço da variante delta no fim de julho e garantir assim um agosto mais tranquilo.
O problema é que essa poderá ser uma tarefa árdua para as autoridades de saúde portuguesas. O vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, responsável pela task force para a vacinação contra a Covid-19, avisou na Comissão de Saúde da Assembleia da República que Portugal pode falhar a data que havia apontado para alcançar os 70% de pessoas vacinadas com pelo menos uma dose — 8 de agosto.
O militar informou que a escassez de vacinas, com a qual admitiu estar preocupado, adiará em duas semanas a meta inicialmente delineada. A nova data apontada pelas autoridades de saúde é agora 20 de agosto: “Usaremos todos os stocks que temos para conseguir atingir essa meta até 8 de agosto, mas eventualmente poderá ser mais tarde”, avisou. Se isso acontecer, comprometendo a velocidade de vacinação, e se os números continuarem a aumentar, o pico da quarta vaga adia-se e nem agosto escapará à nova onda.
E há quem diga mesmo que a variante inicialmente identificada na Índia vai obrigar a rever a meta da imunidade de grupo, com a linha a subir para além dos 80%.
Imunidade de grupo com variante Delta só se deve atingir aos 85%, diz especialista
O triplo do casos e mais internados do que em junho de 2020, mas metade das mortes
O número de novos casos registados pelas autoridades de saúde entre 1 de junho e 2 de julho — 35.349 novos infetados até ao penúltimo dia do mês — é três vezes maior que os novos casos identificados no mesmo período do ano passado (10.286) e corresponde sensivelmente a todos os infetados detetados entre o início da epidemia em Portugal e 9 de junho de 2020, já o país se encontrava desconfinado.
Mais: em junho de 2020, o número de casos registados diariamente manteve-se estável ao longo de todo o mês e subiu de 200 novos casos no primeiro dia para 330 a 2 de julho — mais 65%. Este ano, no mesmo período de tempo, os casos aumentaram mais de 447%, de 445 a 1 de junho para 2436 a dia 2 de julho. A incidência reflete isto mesmo: era de apenas 46,1 casos por 100 mil habitantes a 14 dias a 2 de julho de 2020, mas precisamente um ano depois alcançou os 211 casos.
O número total de óbitos, no entanto, foi menor em junho de 2021: até esta sexta-feira, 83 pessoas morreram de Covid-19 em Portugal, metade que os 177 óbitos registados pela mesma causa em junho e nos primeiros dois dias de julho do ano passado. Em 2020, não houve qualquer dia sem mortes por Covid-19 neste intervalo de tempo e o país chegou às 14 vítimas mortais num só dia. Este mês já houve quatro dias sem fatalidades e nunca se ultrapassaram as sete em 24 horas.
Pior da quarta vaga passou de meados de julho para o final do mês e não pico à vista
E a situação vai piorar antes de melhorar, afirma o epidemiologista Manuel Carmo Gomes. Enquanto o R(t) — a métrica que indica, em média, quantas pessoas alguém infetado pode contagiar — estiver acima de 1 (está em 1,16), a incidência de casos vai aumentar e, com ela, vão aumentar também os internamentos por Covid-19.
A última atualização de Jorge Buescu, matemático da mesma faculdade, confirma que a incidência a 14 dias por 100 mil habitantes continua com tendência crescente, mas já exibe uma desaceleração que é “um sinal preliminar de otimismo”. Até terça-feira, o pico da quarta vaga estava previsto para meados de julho, com o país a alcançar entre 2.500 e 3.000 casos diários nessa altura. Tudo permanecia “um pouco incerto” e prova disso é que, à conta dos números atingidos nos últimos dias — que já chegaram aos números mínimos esperados para daqui a duas semanas, o pico esperado “esfumou-se”: não só não há pico à vista, como as novas estimativas de Buescu apontam para que os casos cheguem aos 4.000 a 5.000 por dia no fim de julho, “a menos que se tomem urgentemente medidas eficazes”.
A forma como isto se reflete nos internamentos só não será mais grave graças à vacinação. As métricas relativas aos internamentos por complicações provocadas pela Covid-19 revelam que Portugal tem neste momento mais pessoas hospitalizadas do que tinha há um ano. Se no ano passado o número de internamentos sofreu um leve aumento desde o início do mês, em 2021 esse acréscimo tem sido exponencial: a 2 de julho o número de pessoas internadas é praticamente o dobro do do primeiro dia de junho (passou de 268 para 532) e ultrapassa os 510 hospitalizados registados no mesmo dia em 2020.
O gráfico que resume os dados dos internamentos em unidades de cuidados intensivos (UCI) também demonstra que a pressão sobre estes serviços é maior do que no ano passado. Na primeira semana de junho de 2021, o número de pessoas internadas em UCI era inferior ao registado no mesmo período do ano passado. Mas enquanto em 2020 os números se mantiveram estáveis, um ano depois cresceram exponencialmente.
A 1 de junho de 2020 havia 64 pessoas internadas em UCI nos hospitais portugueses; e quatro semanas depois eram 73 — sem nunca se ter ultrapassado os 77 hospitalizados neste serviço. Em 2021, junho começou com 50 internados em UCI, mas as autoridades de saúde já registaram 118 esta sexta-feira, acompanhando assim a tendência de aumento dos internamentos gerais.
Menos internamentos só com maior ritmo de vacinação
Mas em 2020, nenhum país do mundo tinha a arma de que agora dispõe para enfrentar a pandemia de Covid-19: a vacina. Questionado sobre porque é que a vacinação não foi capaz de atenuar a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde ao longo deste mês, Manuel Carmo Gomes explica que teria sido necessário que ela decorresse a um ritmo muito superior ao verificado até agora.
“O modelo que temos mostrava que, com o ritmo de vacinação que temos, mesmo que a variante delta não tivesse aparecido já estávamos no fio da navalha“, apontou o especialista. É que, embora cerca de metade da população portuguesa já tenha recebido a primeira dose da vacina contra a Covid-19, só pouco mais de 30% já completou o esquema vacinal — o que representa um atraso para ganhar espaço à nova variante.
Isso é um problema, sobretudo, porque, com esta linhagem, tanto a primeira dose da vacina da Pfizer/BioNTech, como a da AstraZeneca/Universidade de Oxford são menos eficazes. E mesmo a segunda dose não é tão protetora. A Public Health England, uma agência do Departamento de Saúde e Segurança Social britânico, apurou que, quatro semanas após a injeção, ambas as vacinas conferiam quase 50% de proteção contra a variante alfa. Mas, no caso da variante delta, a percentagem baixa para 36% com a vacina da Pfizer/BioNTech e para 30% com a da AstraZeneca/Universidade de Oxford.
Duas semanas depois da segunda dose, a diferença na eficácia das vacinas em função das variantes esbate-se, mas permanece: a vacina da Pfizer/BioNTech conferiu 88% de proteção contra a Covid-19 sintomática causada pela variante delta e 94% de proteção contra a doença causada pela variante alfa. Já a vacina da AstaZeneca/Universidade de Oxford concedeu 67% de proteção contra a variante delta e 74% contra a variante alfa.
São números que não abonam a favor das autoridades de saúde que combatem a epidemia, sobretudo numa altura em que o número de casos insiste em aumentar — o que se traduz inevitavelmente em mais casos com acompanhamento hospitalar. A diferença é que, de acordo com os dados analisados por Jorge Buescu, já não são os idosos que ocupam as camas dos hospitais: são os jovens com 20 a 39 anos, as faixas etárias onde a vacinação ainda não começou ou arrancou há pouco tempo. “Imagine o que iria acontecer se tivéssemos os casos de hoje, mas não tivéssemos as vacinas“, aponta o matemático.
Até lá, no entanto, a incidência no concelho de Lisboa deve alastrar-se para a restante região de Lisboa e Vale do Tejo, a situação no Algarve também vai continuar a aumentar (com grande prejuízo económico para a região) e mesmo a região Norte, que até agora conseguiu conter a epidemia, dá sinais de descontrolo, concordam os especialistas ouvidos pelo Observador.
O próprio diretor das urgências do Hospital de São João, Nelson Pereira, assumiu que a região já está “em alerta”: “O que temíamos, que era o alastrar da região de Lisboa para o Porto, é inequívoco que aconteceu. Já não podemos negar que estamos numa quarta vaga“, disse ele aos jornalistas esta quarta-feira. Embora a pressão sobre os internamentos e UCI não seja comparável à registada nas outras três ondas, essa é uma preocupação do clínico.
Nos cinco dias anteriores (entre 24 e 29 de junho), registou-se naquele hospital uma “mudança significativa” no recurso às urgências, com 40% a 50% de mais casos suspeitos; e uma “mudança radical” na taxa de positivos: até agora, numa situação “muito estável”, a cada 100 testes apenas um a dois era positivo. Atualmente a percentagem alcançou os 10% a 15%; e na terça-feira aproximou-se mesmo dos 20%.
Mesmo que o fim de julho traga boas notícias, a preocupação dos peritos não termina aqui. A chegada do outono em outubro e novembro, com a descida das temperaturas e o aumento da humidade, pode catapultar novamente a Covid-19 para uma quinta vaga, tal como aconteceu no ano passado.