A 19 de dezembro, durante a longa entrevista que Isabel dos Santos deu ao Observador, numa das salas do hotel Ritz, em Lisboa, a angolana garantia ter poucas certezas sobre a própria riqueza. Já depois de ter dito que não sabia se seria “a mulher mais rica de Angola”, aquela que é considerada a mulher mais rica de todo o continente africano recusou dizer, afinal, quantas empresas tinha, quanto faturavam ou quantos impostos pagava por elas.
Entrevista a Isabel dos Santos. “Não sei se sou a mulher mais rica de Angola”
A lista divulgada agora pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação — e compilada pela Quartz — permite começar a esclarecer essa dúvida. Com ligações, diretas e indiretas, a 423 empresas e sociedades, o casal Isabel dos Santos e Sindika Dokolo, de forma individual ou em conjunto, tem ou já teve negócios em, pelo menos, 38 países. A estes somam-se territórios específicos, com sistemas fiscais mais atrativos, como as Ilhas Virgens Britânicas, a Zona Franca da Madeira ou a Ilha de Man.
Os números, porém, devem começar a cair rapidamente. A maioria das participações em empresas e sociedades ligadas a Isabel dos Santos — mesmo que em nome, exclusivamente, do marido — está concentrada em Portugal (155) e Angola (99). Por cá, dois anúncios dos últimos dias podem reduzir a lista em algumas dezenas.
Na quarta-feira, a angolana renunciou aos direitos de voto no EuroBic, procurando agora um comprador para os 42,5% que detém, num negócio que, segundo o Eco, poderá render mais de 50 milhões de euros a Isabel dos Santos, mas que poderia render o dobro, não fosse o contexto em que vai ser feito. Na altura, o Observador avançou que o potencial comprador mais bem colocado seria um grupo chinês que, no final do verão de 2019, tinha mostrado interesse em comprar banco. Essa negociação poderá agora ser reativada.
Isabel dos Santos está a vender posição no EuroBic e já abdicou dos direitos de voto
Esta sexta-feira, um novo comunicado dava conta do afastamento de Isabel dos Santos desta vez da Efacec. “Com efeito imediato”, os 67,2% da filha do antigo presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, vão ser vendidos. Assim que o negócio — no qual ainda não se conhecem interessados — for concluído, termina uma relação que começou em 2015 e que permanece sob suspeita. A compra da participação da Efacec pela empresária angolana foi feita em parceria com a ENDE, a empresa de distribuição de energia de Angola, que alavancou o negócio. O ministro da Energia diz agora que foi “gravemente lesivo” dos interesses do Estado angolano.
As duas vendas farão com que as empresas relacionadas com o EuroBic e a Efacec passem para a lista de participações que Isabel dos Santos já teve, no grupo das 155 atuais e passadas em Portugal.
O mesmo caminho deverá seguir uma boa parte das participações de Isabel dos Santos em empresas registadas em Angola. Neste caso, não pela decisão de as vender, mas como possível consequência do arresto que foi ordenado pela justiça angolana às suas participações — e contas bancárias —, no âmbito de um processo administrativo que corre paralelamente ao processo-crime.
Na lista do arresto encontram-se, por exemplo, a operadora Unitel, o banco Banco Fomento Angola (BFA), a ZAP Media, a Cimangola II, a Ciminvest, a Continente Angola e a Sodiba. Se o processo concluir pela culpa de Isabel dos Santos no desvio de dinheiro do Estado, essas participações deverão ser vendidas, revertendo o capital para o tesouro do estado angolano.
O país é o segundo com mais registos de empresas e sociedades participadas (agora e no passado) pelo casal Isabel dos Santos e Sindika Dokolo.
A maior incógnita, ainda assim, mantém-se nos negócios em Portugal — que podem ter repercussões em empresas e sociedades registadas noutros países. Depois da saída do Eurobic e da Efacec, espera-se ainda uma posição de Isabel dos Santos quanto a duas outras participações de relevo, pela dimensão e pela importância: a NOS e a Galp.
No caso da Galp, onde detém, indiretamente, 7%, uma eventual decisão de venda teria, provavelmente, repercussões também na lista de participações registadas nos Países Baixos, o território que surge em terceiro lugar. É ali que estão, por exemplo, Galp Energia Overseas, Galp Energia Rovuma, Galp Energia Portugal Holdings, Galp Energia Overseas, Galp Bioenergy ou Galp Sinopec Brazil Services, todas registadas em nome do marido, Sindika Dokolo.
Também há empresas relacionadas com a Galp nos registos de Espanha — a maioria das 18 participações de Isabel dos Santos e do marido em Madrid —, mas também relacionadas com a NOS, a outra grande incógnita no caso português.
Do conselho de administração já foram afastados os gestores mais próximos da empresária angolana. Dois são arguidos em Angola (Mário Leite da Silva e Paula Oliveira). O terceiro, Jorge Brito Pereira, era até esta sexta-feira advogado de Isabel dos Santos e também deixou o lugar de chairman na operadora, onde a filha de José Eduardo dos Santos detém cerca de 26%.
Administradores de Isabel dos Santos renunciam aos cargos na NOS
Além de advogado da Isabel dos Santos, Jorge Brito Pereira surge também como o detentor de uma das duas mil ações que compõem a Athol, uma sociedade registada em Malta em 2015, que serviu para comprar um apartamento de luxo no Mónaco. Por 50 milhões de euros, a angolana passou a ser dona da propriedade que faz parte do exclusivo condomínio conhecido por “Petite Afrique”.
Luanda Leaks: O luxuoso apartamento de Isabel dos Santos no edifício Petite Afrique, no Mónaco
Além da Athol, é também em Malta que está registada a Wise, a empresa de consultoria de Isabel dos Santos que fez um contrato milionário com a Sonangol, ainda antes de a filha de Eduardo dos Santos, então presidente angolano, liderar a petrolífera. A Wise acabaria por ser substituída por outras duas empresas, com ligações a Isabel dos Santos, a quem seriam pagos os mais de 100 milhões de euros que, agora, Angola quer recuperar por suspeitas de irregularidades.
A estes países juntam-se outros 32, com mais de uma centena de registos de participações relacionadas com Isabel dos Santos e Sindika Dokolo. As empresas são sobretudo de tecnologia, telecomunicações, distribuição e energia, mas também há negócios no setor financeiro, na área dos serviços, da indústria e do imobiliário.
A maioria das participações está na Europa, mas também há registos (2) nos Estados Unidos, na Argentina, na Índia ou no Japão. Curiosamente, na lista do Consórcio Internacional de Jornalistas não há registos de empresas ligadas ao casal na República Democrática do Congo, onde nasceu Sindika Dokolo.