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Esta terça-feira ouviram-se tiros de bazuca e metralhadora nos arredores do Palácio do Governo
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Esta terça-feira ouviram-se tiros de bazuca e metralhadora nos arredores do Palácio do Governo

LUSA

Esta terça-feira ouviram-se tiros de bazuca e metralhadora nos arredores do Palácio do Governo

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5 respostas sobre a tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau

Um Presidente e um PM em tensão, ameaças de mudança de regime e o narcotráfico sempre presente. Num dia com militares nas ruas, a Guiné-Bissau reviveu os fantasmas do passado.

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Instabilidade política, militares e narcotráfico. O triângulo que assombra a Guiné-Bissau há décadas voltou a refletir-se esta terça-feira, quando uma aparente tentativa de golpe de Estado deixou o país em alvoroço, sem ser conhecido o paradeiro do Presidente e do primeiro-ministro durante horas. Junto ao Palácio do Governo, tiros de bazuca e rajadas de metralhadora pontuaram a tarde. Circulavam relatos de quatro mortes e rumores, muitos rumores, incluindo o de que o Presidente Umaro Sissoco Embaló estava morto.

Guiné-Bissau. “Queriam matar o Presidente da República, o primeiro-ministro e os ministros”

Às 19h, Embaló apareceu em pessoa e falou à nação para garantir que a normalidade tinha sido restabelecida. Disse que havia possíveis “ligações ao narcotráfico”, mas recusou avançar com “caras”. Após a insurreição, terá sido detido Bubo Na Tchuto, antigo chefe do Estado-Maior da Armada que esteve por trás de vários golpes e tentativas de golpe de Estado no passado e que se tornou conhecido na comunidade internacional por ter sido condenado pelos EUA por tráfico de droga.

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A situação, porém, está longe de ser clara. Se é certo que Na Tchuto tem um passado ligado ao narcotráfico e à instabilidade política, não é o único: António Indjai, agora aparentemente próximo do Presidente, foi aliado de Na Tchuto num golpe de Estado tentado em 2010 e também esteve na mira dos norte-americanos por suspeitas de tráfico de droga. E tudo isto ocorre num momento de tensão política aguda, com desacertos crescentes entre Sissoco Embaló — que já mostrou ser favorável a um regime presidencialista — e o primeiro-ministro Nuno Gomes Nabiam.

As dúvidas são, por isso, mais do que muitas. Mas o que sabemos ao certo sobre a situação da Guiné-Bissau?

O que aconteceu em Bissau esta terça-feira?

O Presidente Umaro Sissoco Embaló e o primeiro-ministro Nuno Gomes Nabiam estavam reunidos no Palácio do Governo com o resto do executivo, numa reunião do Conselho de Ministros, quando a violência terá rebentado. Militares terão tomado de assalto o edifício e, durante horas, nada se soube sobre os que estavam lá dentro. Nas ruas, ouviram-se tiros de bazuca e de metralhadora.

Diversos disparos foram ouvidos perto do Palácio Real da Guiné-Bissau

Confusão nas ruas de Bissau na tarde desta terça-feira, quando ocorreu o alegado golpe de Estado

ANTÓNIO AMARAL/LUSA

Isabel Marisa Serafim, jornalista da Agência Lusa no país, descreveu à SIC Notícias o pânico que se registou nas ruas de Bissau: “Havia muito movimento de pessoas, pessoas a saírem, carros a saírem, num movimento que não é muito comum”, explicou. “As pessoas começaram a fechar as lojas”.

Assumane Sow, jornalista guineense da Rádio Capital, disse à Voice of America que o ambiente era de “pânico”. As escolas foram encerradas, os mercados fecharam e “os transportes públicos e toca-tocas deixaram de circular”, explicou. A rádio e a televisão pública deixaram de transmitir — as únicas emissoras a funcionar durante a tarde foram uma rádio privada (que passou apenas música) e uma rádio católica.

Os jornalistas no local davam conta de que quatro pessoas terão morrido durante o assalto ao Palácio — um deles um agente da polícia, segundo a BBC Focus on Africa.

As organizações oficiais apressaram-se a demonstrar preocupação. A embaixada portuguesa em Bissau aconselhou os seus cidadãos a não saírem de casa. A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) disse condenar a “tentativa de golpe de Estado” e exigiu aos militares que assegurassem “a segurança do Presidente e dos membros do governo”. Também o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, apelou ao “fim imediato” dos “combates violentos” em Bissau e ao “pleno respeito pelas instituições democráticas do país”. Num comunicado distribuído pelo seu porta-voz, Guterres disse estar “profundamente preocupado com a notícia de combates violentos em Bissau”.

Às 19h, o Presidente da Guiné-Bissau dirigiu-se aos guineenses pela televisão e garantiu estar bem e que “a situação está sob controlo governamental”. Disse que se tinha tratado de uma “tentativa de golpe de Estado” e que militares tentaram assassiná-lo. Foi um “ato bem preparado e organizado e que poderá também estar relacionado com gente relacionada com o tráfico de droga”, acrescentou Embaló. Questionado pelos jornalistas sobre o possível envolvimento de Bubo Na Tchuto, Sissoco Embaló respondeu com um “não sei”, mas confirmou que já havia pessoas detidas.

Quem é Bubo na Tchuto, o homem que pode estar por trás da tentativa de golpe de Estado?

José Américo Bubo Na Tchuto é um contra-almirante da Marinha guineense, antigo combatente na guerra pela independência do país contra Portugal. Segundo o New York Times, juntou-se cedo ao conflito, com apenas 14 anos.

Em 2003, tornou-se Chefe do Estado-Maior da Armada da Guiné-Bissau, cargo que ocupou até 2008. Durante esse período, esteve envolvido em várias movimentações militares, incluindo uma tentativa de golpe de Estado que fez com que tivesse de fugir para a Gâmbia, segundo conta a Deutsche Welle. De regresso à Guiné, refugiou-se nas Nações Unidas e foi a partir daí que liderou um golpe, com o apoio de António Indjai, para depor o governo da altura.

Os dois desentenderam-se, porém, dois anos depois. Em 2011, defrontaram-se nas ruas de Bissau tropas leais a Na Tchuto e outras forças que apoiavam Indjai. Na Tchuto é detido. Em abril do ano seguinte, Indjai lidera um golpe de Estado, num conflito que muitos observadores internacionais creem estar ligados a disputas pelo tráfico de droga no país — razão pela qual este movimento ficou conhecido como “o golpe de Estado da cocaína”. Na Tchuto é libertado no mês seguinte.

Bubo Na Tchuto já liderou tentativas de golpe de Estado no passado

EPA

Tantas reviravoltas explicam-se, em parte, pela ligação próxima entre o narcotráfico e os responsáveis militares da Guiné-Bissau, descritas em pormenor num relatório da Global Initiative, que aponta até “paralelos” entre a situação de 2012 e a tomada de poder por Sissoco Embaló em 2020 — mas já lá vamos.

Se dúvidas houvesse sobre as ligações de militares guineenses ao narcotráfico, dissiparam-se com a detenção de Na Tchuto no ano seguinte por investigadores norte-americanos. O Departamento do Tesouro já o apontava como uma das figuras militares do país envolvidas no tráfico de droga desde 2010, de acordo com o Público.

Ficou em prisão preventiva nos Estados Unidos, declarou-se culpado de ter traficado droga com destino a esse país em 2014 e foi condenado dois anos depois a quatro anos de prisão, sendo libertado ao fim de um ano por já ter cumprido quase toda a pena em preventiva. O Voice of America relatou a sessão em que foi condenado: “Não tenho muito a dizer, a não ser que sinto muito pelos meus atos”, disse Na Tchuto perante o tribunal, que lhe aliviou a pena por ter colaborado com as autoridades.

O correspondente da Radio France International em Bissau registou como Na Tchuto foi recebido por cerca de 500 pessoas, a maioria jovens, ao som de música. Muitos pediam para tirar uma fotografia consigo. “Bubo é um combatente de liberdade da pátria, merece todo o nosso carinho”, diziam alguns.

Foi nesse ano de 2016 que regressou ao seu país, onde foi recebido em clima de festa. O correspondente da Radio France International em Bissau registou como Na Tchuto foi recebido por cerca de 500 pessoas, a maioria jovens, ao som de música. Muitos pediam para tirar uma fotografia consigo. “Bubo é um combatente de liberdade da pátria, merece todo o nosso carinho”, diziam alguns.

Ali passou os últimos anos de forma discreta, trabalhando como empresário na venda de combustíveis. Em março de 2021, contudo, começou a ser investigado pela justiça guineense por suspeitas de branqueamento de capitais e fuga ao fisco. Não é certo qual o grau de culpabilidade de Na Tchuto, tendo em conta a forte politização de alguns dos órgãos judiciais na Guiné-Bissau. Mas a acusação surgiu um mês depois de o jornal online E-Global, portal focado nos países da CPLP, ter escrito que circulavam rumores no país de que Na Tchuto poderia ser um dos cabecilhas de um grupo que tentava instigar um levantamento militar contra o atual regime.

Curiosamente, o seu antigo aliado tornado inimigo, António Indjai, também está acusado de tráfico de droga pelos EUA. O Presidente, porém, recusa extraditá-lo.

Como estava o clima político no país antes desta tentativa de golpe?

Muito tenso. Para começar, temos de recuar ao final de 2019 e às últimas eleições presidenciais, que opuseram Embaló (dissidente do histórico PAIGC que concorria pelo MADEM-G15) e Domingos Simões Pereira (PAIGC). Os relatórios provisórios deram a vitória a Embaló, mas Pereira alegou irregularidades na eleição e recorreu para o Supremo Tribunal. Alguns militares fecharam a sede do Supremo e alguns juízes disseram que não podiam trabalhar. Ainda antes de ser anunciada uma decisão, Embaló declarou-se Presidente — e o Supremo nunca chegou a pronunciar-se.

Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló

Sissoco Embaló tornou-se Presidente em 2019, num processo que também envolveu militares

CHRISTOPHE PETIT TESSON/EPA

Após tomar posse, Sissoco Embaló demitiu o primeiro-ministro do governo liderado pelo PAIGC, Aristides Gomes. Mais uma vez, militares ocuparam a sede de governo e outros invadiram a casa do primeiro-ministro, que acabou por refugiar-se na sede da ONU no país. Embaló nomeou Nuno Gomes Nabiam como primeiro-ministro do país.

Ao longo dos últimos meses, porém, foram-se sucedendo momentos de tensão entre os dois homens. O mais recente foi já em janeiro, com a tomada de posse dos novos membros de governo, após uma remodelação ordenada pelo próprio Presidente. Os três partidos que sustentam o executivo afirmaram não concordar com a remodelação levada a cabo de forma “unilateral” pelo Chefe de Estado.

Embaló reconheceu na tomada de posse que a remodelação era fruto da sua “engenharia pessoal” e lembrou os partidos da coligação que só estavam no governo graças à sua ação: “Quem é que tinha maior número de deputados? Não é o PAIGC?”, perguntou. “Convém preparem melhor as próximas legislativas para poderem ganhar e assim podem reclamar. Esta geringonça é feita pelo Presidente da República e eu desvalorizo essas reinvindicações.”

Nabiam, porém, desvalorizou todo o incidente: “Estão ultrapassadas as questões fundamentais. Houve algum desentendimento ou má interpretação, mas acabámos de ultrapassar aquilo que podia ser um problema e concordamos e agora é trabalhar para o bem do país”, disse aos jornalistas.

O primeiro-ministro Nuno Gomes Nabiam tem protagonizado momentos de tensão com o Presidente

LUSA

Alfredo Malu, até aí secretário de Estado da Ordem Pública, foi um dos governantes “remodelados” nessa cerimónia. Aos jornais, disse estar convicto que tal aconteceu devido à sua atuação numa outra polémica um mês antes: a de um avião retido no Aeroporto Osvaldo Vieira, um Airbus340.

O primeiro-ministro afirmou inicialmente que o avião tinha entrado de forma ilegal no país e que trazia carga suspeita. Foi ordenada uma peritagem, com Malu a afirmar que foi ele a tomar essa decisão. No Parlamento, houve quem apontasse o dedo ao Presidente: “O avião saiu da Gâmbia. Quem fez o pedido de aterragem foi o chefe de gabinete do Presidente da República, e como a Aviação Civil não tem competências para fazer vistorias no avião e ainda mais por ser um pedido expresso da presidência, teve que autorizar a aterragem”, disse o deputado José Monteiro.

Embaló acabou por reconhecer que o avião aterrou por ordem sua, mas disse não haver nada de suspeito nisso. A peritagem concluiu que não havia qualquer irregularidade na aeronave — mas a suspeita de que a aeronave poderia trazer droga ou armamento ilegal permaneceu no ar. Alguns dias depois, o Presidente não cumprimentou o primeiro-ministro numa cerimónia oficial.

Tem havido sinais de que o regime está instável?

Sim. O Presidente tem defendido que gostaria de alterar a Constituição e permitir a mudança do sistema semi-presidencialista para um regime presidencialista, a que o Parlamento se opõe. Ao mesmo tempo, têm surgido rumores de possíveis golpes de Estado nos últimos meses e são feitos apelos aos militares para que se mantenham afastados da política.

Em maio de 2020, Sissoco Embaló decidiu fazer um projeto de revisão constitucional, sem a colaboração da Assembleia Nacional Popular, órgão que tem essa responsabilidade. O Parlamento criou depois uma comissão para fazer a sua própria proposta. Em novembro do ano passado, os deputados decidiram debater a proposta dessa comissão e ignorar a do Presidente, o que não lhe agradou.

Sissoco Embaló quer alterar a Constituição da Guiné-Bissau para impor um regime presidencialista

RODRIGO ANTUNES/LUSA

“A Assembleia tem os dias contados. Posso dissolver o Parlamento hoje, amanhã, no próximo mês ou no próximo ano. A dissolução do Parlamento está na minha mão. A verdade é que me estão a dar motivos para que possa dissolver o Parlamento”, ameaçou.

As declarações foram vistas por muitos analistas como preocupantes. “No meu entender, está a tentar chantagear os deputados da nação, ameaçando dissolver a Assembleia Nacional Popular para obrigá-los a aceitar o seu próprio projeto de revisão da Constituição, que nós sabemos que é um projeto que visa, essencialmente, mudar o sistema atual”, disse o analista Jamel Handem à Deutsche Welle.

Já Fodé Mané, investigador do  Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, disse ao mesmo órgão que estas afirmações revelavam a sua “dificuldade de coabitar com um órgão que tem uma opinião ou poderes totalmente diferentes”. “Confirma-se cada vez mais a sua vocação de tentar ser o único senhor detentor de todos os poderes”, acrescentou. O alerta de que a Guiné-Bissau poderia estar a caminho de se tornar uma ditadura foi também deixado por Gueri Gomes, coordenador da ONG Casa dos Direitos.

Em outubro, o general Biagué Na N’Tan disse que soldados andavam a ser aliciados com ofertas de 15 mil francos CFA (o equivalente a 23 euros), segundo o Público. “Quero pedir-vos, vocês da Polícia Militar, para não alinharem com as pessoas que estão a mobilizar militares nos quartéis”, disse.

Ao mesmo tempo, as altas patentes militares começaram a alertar para o risco de uma tentativa de golpe de Estado. Em outubro, o general Biagué Na N’Tan disse que soldados andavam a ser aliciados com ofertas de 15 mil francos CFA (o equivalente a 23 euros), segundo o Público. “Quero pedir-vos, vocês da Polícia Militar, para não alinharem com as pessoas que estão a mobilizar militares nos quartéis”, disse numa cerimónia. “Vocês também não devem envolver-se na política. Desistam da política, camaradas”.

A Guiné-Bissau tem um historial de golpes militares?

Sem dúvida. Logo em 1980, Nino Vieira, que ocupava um cargo semelhante ao de primeiro-ministro, derrubou Luís Cabral e instalou um regime que viria a durar 18 anos. Em 1998, uma insurreição liderada pelo brigadeiro Ansumane Mané abriu um conflito de um ano que terminou com o exílio de Nino Vieira. Este acabaria por ser assassinado em 2009.

Antes disso, ainda no ano 2000, Koumba Yalá foi eleito, mas decisões polémicas como a dissolução do Parlamento levaram a que fosse preso e afastado por militares em 2003. Seguiu-se um período de relativa estabilidade, marcado porém pelos golpes de Na Tchuto e Indjai em 2011 e 2012.

Militares no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, em Bissau, na Guiné-Bissau

A Guiné-Bissau tem vivido vários golpes militares desde que se tornou independente

JOSE SENA GOULAO/LUSA

Em 2019, foi a vez de Sissoco Embaló liderar a instabilidade e utilizar os militares para chegar ao poder, com as invasões à sede do Supremo Tribunal e a deposição do governo. Agora, em 2022, parece ter sido ele a enfrentar uma rebelião interna que, ao que tudo indica, conseguiu controlar. Certo é que, como aponta o relatório da Global Initiative, “oficiais tanto no ativo quanto reformados permanecem profundamente ligados à política e muito influentes. Não há como contornar o facto de que a elite militar e política do país estão intimamente entrelaçadas.” E, pelo meio, sempre ligadas ao narcotráfico.

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