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Alberto Gonçalves. Há um congresso do CDS?
percebi aquilo. Logo, jamais confiei naquilo
A dra. Cristas, cito, vê-se primeira-ministra. A senhora, continuo a citar, quer o CDS a disputar a primeira liga. A senhora, em suma, provou não haver impossíveis. Assim de repente, descubro um: convencê-la a falar sem clichés. Removidos estes, o facto é que a tomada do PSD pelos órgãos sociais do Clube de Fãs de António Costa encheu a dra. Cristas de ambições. As ambições são legítimas? Absurdas? Isso interessa? Espero que a minha resposta seja óbvia, mas sou o tipo de pessoa que só soube da existência de um congresso do CDS no momento em que o Miguel Pinheiro me pediu estas linhas.
Embora vote raramente, e sempre contra a esquerda, nunca votei no CDS. Motivo? Jamais percebi aquilo. Logo, jamais confiei naquilo. Com a excepção do dr. Portas, a ideia que tenho é a de que todos os anteriores chefes do partido começaram no mofo salazarista (ou marcelista, ou no integralista) e terminaram a rondar o mofo marxista (a chefe actual, a julgar pelo desempenho governativo, já nasceu no socialismo). De certo modo, foram coerentes. E eu também, pelo que me abstive de os recompensar nas urnas.
É verdade que, como disse agora Nuno Melo com outra intenção, o CDS não é o BE da direita. De Amaro da Costa em diante, algures sob a salgalhada que o compõe (e que as tensões no congresso revelam), o CDS possui uma tradição democrática, mais ou menos manifesta conforme as épocas. Na vigente, parece-me, o apreço pela liberdade não é só retórico. À revelia do “pragmatismo” da dra. Cristas, houve participantes no congresso cujas intervenções andaram próximo do essencial. E houve o beatificado Adolfo Mesquita Nunes, que naturalmente chegou ao essencial: “O governo português depende de comunistas que defendem activamente ditaduras totalitárias, sanguinárias e assassinas”.
Se o CDS for por aqui, prometo prestar atenção. Se, na busca pelo “centro” e pelo voto, o CDS seguir a líder, prometo manter distância. Ignoro o que promete o eleitorado.
José Manuel Fernandes. Seis mais e três menos do CDS de Assunção Cristas
O CDS assumiu neste Congresso uma nova ambição. Mas será que existe a oportunidade? E terá o partido a estratégia e os recursos? Seis pontos a favor e três contra. Mais uma conclusão.
A favor:
1. Assunção Cristas não é Paulo Portas. Hoje por hoje isso é uma vantagem. Portas tinha mais sentido mediático, Cristas não tem os anticorpos e chega a outras faixas do eleitorado. Tem também a vantagem de ser mulher e de ser relativamente jovem – é mesmo mais nova que Catarina Martins, o que faz dela a mais jovem entre os líderes dos partidos parlamentares.
2. O CDS é um partido mais novo. No grupo que vai escrever o programa do CDS ninguém tem mais de 45 anos – no que vai escrever o do PSD ninguém tem menos de 50 anos. Onde está o futuro?
3. O resultado de Lisboa. 21% não é glorioso, mas ter ficado à frente do PSD é inédito e muito significativo. É a experiência que indica que talvez seja possível ser mesmo primeiro partido da oposição.
4. As opções de Rui Rio. O CDS repetiu até à exaustão que era contra o governo das esquerdas. A sua leitura política é que os eleitores terão de escolher entre um bloco das esquerdas e um bloco das direitas, ou das “não esquerdas”. A aproximação de Rui Rio ao PS deixa-lhe mais espaço livre para falar para todos os que querem um país diferente do país da geringonça. É a oportunidade rara que Cristas quer aproveitar.
5. Os votos não têm dono. Se alguma coisa aprendemos com os mais recentes processos eleitorais na Europa (e não só) é que os eleitores podem mudar muito facilmente de partido, procurando outras soluções e outros rostos. O CDS quer ser, em Portugal, o polarizador desses votos, como Macron foi em França ou o Ciudadanos foi na Catalunha. Nestes dias em que a ideologia diz menos aos eleitorados do que no passado e se perdeu a fidelidade de voto para a vida, o CDS pode ter uma oportunidade.
6. Mais pragmatismo do que ideologia. É a marca de Assunção Cristas, para o melhor e para o pior. Sem ter nascido na política, Cristas dá mais atenção aos problemas concretos do que à ideologia – mas talvez nunca tivesse havido um congresso do CDS onde se falasse tanto de democracia-crstã. Pode ser desconcertante num partido como o CDS, mas é muito o caminho que foi seguido pelas novas forças políticas que têm irrompido no panorama político por essa Europa fora.
Contra:
1. O CDS parte muito detrás. Em 2011 o CDS teve um dos seus melhores resultados, 11,5%. Tem, pelo menos, de duplicar a votação para ter a ambição de liderar o espaço político tradicional do centro-direita. É um salto enorme num país de voto relativamente conservador como Portugal tem mostrado ser. E ainda falta saber se, como pretende o CDS, a percepção do eleitorado é que o voto útil realmente acabou.
2. Um partido de quadros, com pouca implantação local e regional. O CDS nunca teve nem tem estruturas locais fortes. Se já tem distritais eleitas, em grande parte (a maioria?) das concelhias não haverá sequer militantes suficientes para fazer uma eleição competitiva.
3. Um partido pacificado, mas será que está unido? Foi um congresso de consagração, mas não foi um congresso de unanimidades. Muitos no CDS querem mais claridade ideológica. Há conservadores e há liberais. Saberão conviver sem divisões profundas? Assunção Cristas prefere assumir o seu pragmatismo, o que tem riscos num partido de quadros.
Assunção Cristas acertou no registo dos seus discursos – melhor no de abertura do que no de encerramento – ao sublinhar o estatuto do CDS como partido da oposição e ao saber apresentar de forma simples, facilmente compreensível, a proposta política diferenciada do CDS.
Neste momento o partido de Cristas conta com o benefício da dúvida, porventura mesmo com a simpatia, de todos quantos, detestando a geringonça e “as esquerdas encostadas”, se sentem traídos pelo PSD de Rui Rio. Mas essas são as elites politizadas. É muito diferente chegar ao povo, aos eleitores, aos que se mobilizam em torno de propostas e de figuras políticas. Essa prova Assunção Cristas ainda não a passou.
Alexandre Homem Cristo. Fazer das fraquezas do PSD as forças do CDS
O CDS foi o inverso do congresso do PSD. Cristas evidenciou ambição de vitória – há umas semanas, Rio havia sobretudo exibido calculismo para os cenários de derrota pós-legislativas de 2019. Cristas quis trazer futuro e novidades com gente jovem e dinâmica – Rio é e está rodeado de grisalhos.
Cristas definiu com clareza o posicionamento do partido no centro-direita – enquanto Rio foi ambíguo e parece estar a aproximar o PSD do centro-esquerda europeu. Cristas não é consensual (muita gente no CDS desconfia do seu pragmatismo), mas após dois anos na liderança ganhou margem para renovar o CDS pacificamente e trazer escolhas suas para a direcção – pelo contrário, Rio parece estar a afirmar a sua liderança à força e contra metade do seu partido. Por fim, Cristas tem pressa e não se inibiu de apontar caminhos – enquanto Rio adiou a definição de propostas para datas futuras.
Sim, CDS e PSD são amigos, mas também não poderiam ser mais diferentes. Por um lado, isso explica-se pelo contexto de cada partido e pela personalidade dos seus líderes. Mas, por outro lado, ficou clara a opção estratégica do CDS de agarrar nos pontos fracos do PSD e fazer deles os seus pontos fortes. Cristas e a sua direcção perceberam que os adversários políticos estão nas esquerdas de PS-BE- PCP, mas que a sua margem de crescimento está no centro e na direita, um terreno que o PSD não parece estar a querer afirmar politicamente como seu. E, assim, a mensagem de Cristas foi simples e perceptível: se o PSD não acredita que pode derrotar o PS, o CDS acredita e está disponível para liderar esse combate.
Ou seja, o congresso mostrou que o CDS tem as ideias arrumadas, uma equipa jovem mas capaz, uma ambição assumida e uma estratégia delineada para a atingir. É um bom ponto de partida, quando se está a um ano de eleições europeias e legislativas – e, dessa perspectiva, o CDS parte em vantagem em relação ao PSD. Mas, por si só, isso não garante nada: em breve, começar-se- á a perceber os efeitos desta estratégia – por exemplo, se as sondagens (tradicionalmente más) do CDS começam a subir. A fasquia foi colocada alta, num patamar aparentemente impossível: ultrapassar o PSD. Mas se o CDS trabalhar para isso e se o PSD tropeçar nos seus próprios pés, como nas autárquicas em Lisboa, talvez o impossível aconteça mesmo.
Maria João Marques. Anjos e Demónios de Assunção
O dilema de Assunção Cristas é bastante parecido com o dilema do CDS. Há alguma dificuldade em avaliar Cristas. É ela a mulher desempoeirada, citadina, profissional de sucesso, mãe de família, que se apoia num marido também moderno que partilha todas as tarefas domésticas e de filhos do casal? Que tem ambição, assume-o orgulhosamente e assim responde com desprezo aos que, pelo ano 2018, usam o qualificativo ‘ambiciosa’ quando querem atacar uma mulher? Que defende as quotas porque percebe bem que quotas sempre existiram (quotas de homens, evidentemente)? Que no fim do congresso dança e bate palmas alegremente ao som da música animada, em claro contraste com os corpos rígidos dos centristas que a ladeavam?
Ou é afinal a mulher que discursa (das duas vezes) no congresso com roupa desinteressante, como se uma mulher para ser levada a sério na política não pudesse cuidar da imagem? (De resto a anos-luz da campanha de Lisboa, onde se apresentava de saltos altos, skiny jeans e um casaco encarnado de última tendência). Que corre para o papel tradicional de cuidadora, com grande ênfase nas preocupações sociais do CDS? (Que, como católica, acredito sincera.)
Declarou guerra à legalização da eutanásia? Quis reviver com grande força a democracia-cristã, doutrina que costumo chamar de socialismo beato, mais ou menos varrida das tendências políticas atuais e que se acompanha do aroma de arcas de cânfora? Ousa até proferir e defender uma das expressões mais bafientas da ciência política: economia social de mercado? (O CDS deixou de defender a economia de mercado, em singelo?) Pôs de lado nas suas intervenções qualquer assomo de liberalismo? (O tal que ganha simpatias em Lisboa e Porto ao CDS.)
A ambivalência pode correr bem e agregar partido e mais eleitores. Mas tem os seus riscos e quem sabe termina gerando desconfiança por todo o lado.
Pelo meu lado espero que vença a primeira versão. A Assunção Cristas que, perante um partido com setores ultraconservadores, onde se incluem extraordinariamente jovens (em anos) da JP, corajosamente refere o papel dos homens na conciliação entre trabalho e família – questão que continua inquinada e apenas em cima das mulheres. Uma coisa é certa: se forem os anjos de Cristas a ganharem, em vez dos demónios, grande parte do CDS vai-se ressentir.
Miguel Pinheiro. Alguém quer transformar o CDS no partido dos Monty Python?
Reg: As únicas pessoas que nós odiamos mais do que os romanos são os tipos da Frente Judeia do Povo.
F.P.J.: Sim…
Judith: Cisionistas!
F.P.J.: Cisionistas!
Francis: E a Frente Popular da Judeia.
F.P.J.: Sim. Ah, sim. Cisionistas. Cisionistas…
Loretta: E a Frente do Povo da Judeia.
F.P.J.: Sim. Cisionistas. Cisionistas…
Reg: O quê?
Loretta: A Frente do Povo da Judeia. Cisionistas.
Reg: Mas nós somos a Frente do Povo da Judeia!
Loretta: Oh. Pensei que fôssemos a Frente Popular.
Reg: Frente do Povo!
Francis: O que é que aconteceu à Frente Popular, Reg?
Reg: Ele está ali.
F.P.J.: Cisionista!
Pelo que se ouviu este fim de semana em alguns corredores de Lamego, há o Centro Democrático e Social, há o Centro Democrático e Liberal e há o Centro Democrático e Cristão — tal como na “Vida de Brian” havia a Frente Judeia do Povo, a Frente Popular da Judeia e a Frente do Povo da Judeia. E que mais se repetiu no congresso do CDS e no filme dos Monty Python? Aqueles que vêem sempre o cisionismo como o caminho para a verdade.
Por razões misteriosas, alguns conservadores olham para a “pragmática” Assunção Cristas e vêem o fantasma de Mariana Mortágua; olham para o “liberal” Adolfo Mesquita Nunes e vêem o espectro de Bernardino Soares.
Os ingleses têm uma expressão célebre que diz: “Se parece um pato, se nada como um pato e se grasna como um pato, então é porque é um pato”. Assunção Cristas e Adolfo Mesquita Nunes estão num partido de direita, pertenceram a um governo das direitas e assumem o CDS como estando na direita (próximo do PSD e longe do PS) — mas, mesmo assim, têm que provar que são efectivamente, fervorosamente, de direita?
Existe aqui um problema, mas o problema não é de Assunção Cristas nem de Adolfo Mesquita Nunes: quando a direita não se reconhece a si própria, então a esquerda é a menor das suas dificuldades.
A obsessão pela pureza ideológica acaba sempre da mesma maneira: primeiro afastamos os inimigos, a seguir os adversários, depois os simpatizantes, seguem-se os militantes e no fim os crentes — até que ficamos sozinhos, segurando na mão direita uma espada e na esquerda uma Bíblia, ou um Manifesto.
Filomena Martins. Cristas, a motociclista furona
Assunção Cristas confirmou durante este Congresso aquilo que vinha mostrando desde as Autárquicas. Tornou-se ótima naquela especialidade dos motociclistas que em hora de ponta, mal vêem uma brecha por entre o trânsito, furam e aproveitam o espaço livre para avançar. Ora ter sentido de oportunidade, saber tirar partido das circunstâncias e ser ambicioso é ótimo. Mas tem muitos riscos.
Quando viu Rio encostar-se ao centro, dispôr-se a acordos com o PS e mostrar-se pouco confiante em vitórias nas próximas eleições, Cristas viu a brecha. Com sentido de oportunidade, não perdeu tempo em aproveitar: apresentou o CDS como a principal alternativa da direita, como o grande líder da oposição, remetendo o PSD apenas para partido “amigo” e parceiro prioritário.
Mal percebeu que Costa viu na aproximação de Rio a forma de ganhar folga dos parceiros da esquerda e que Bloco e PCP iriam assim ‘apertar’ o cerco ao PS, Cristas viu o espaço. Soube tirar partido das circunstâncias e mostrar-se ambiciosa: mobilizou a direita para tornar o CDS como a opção à Geringonça, o partido mais “apto” para governar”, a “única” escolha às “esquerdas encostadas”.
Cristas organizou um Congresso à imagem desta sua capacidade motociclista de destreza, de tornear obstáculos. Uniu gerações (com a homenagem a Adriano Moreira e a presença virtual de Portas), chamou gente jovem (os jotas sempre a seu lado), abriu o partido (as questões de género, as quotas de mulheres, a sua própria condição feminina), falou de problemas que andam distantes da politiquice nacional (da seca à natalidade, passando pelo interior). Mas isso chegará, torná-la-á alternativa a um Rio aparentemente fragilizado (até pelos sucessivos escândalos entre os que o apoiam)?
O segundo resultado histórico conseguido na Câmara de Lisboa teve mérito seu, mas também da reunião de uma série de fatores e de erros adversários que não são fáceis de repetir. Cristas quer agora bem mais e em todo o País: tem ambições de chegar a primeira-ministra (como foi apresentada no último dia em Lamego, apesar de ter conseguido menos votos neste Congresso do que há dois anos). É verdade que na Europa os sinais mostram os eleitores a fugir para os extremos e a deixar o centro, mas será que Portugal seguirá a mesma tendência?
Cristas parece estar pelo menos consciente de uma coisa de que a maioria dos motociclistas não está. Falou nisso durante o discurso final. Dos problemas de “dar passos maiores do que as pernas” e da importância de “saber o que quer e para onde vai”. Mas primeiro tem que impôr o partido no País e isso é uma tarefa quase impossível de fazer em ano e meio, a furar por entre os buracos que vão aparecendo. Precisa de saber como o faz. E se é mesmo capaz de o fazer. Sem escorregar nem cair.
Helena Cristina Coelho. O póquer de Cristas
Se o último congresso do CDS fosse um jogo de póquer, diria que Assunção Cristas deixou uma aposta muito alta em cima da mesa. Alguns dos trunfos que está disposta a jogar na sua liderança já estão à vista e poderão dar-lhe alguma vantagem nesse jogo – mas serão suficientes para sair a ganhar? Conseguirá Cristas convencer, primeiro o partido, depois o país, que a sua estratégia não é um bluff e que tem uma cartada vencedora em mãos?
A sua ambição de ser “a primeira escolha” e de querer ser a primeira-ministra (uma espécie de royal flush, aquela sequência rara e imbatível do póquer) parece de facto um cenário, não impossível, mas altamente improvável. Mesmo motivada pelo bom resultado nas últimas autárquicas que lhe valeram 21% em Lisboa, é preciso recordar que o CDS ainda tem muitos degraus para subir até chegar aos números do PSD. E dificilmente os conseguirá percorrer todos no próximo ano e meio. Mas o que Cristas provavelmente quer, mesmo que aponte para um topo ao qual sabe que será difícil chegar nos próximos tempos, é garantir que o seu partido chega à primeira metade dessa escada. É chegar ao ponto que lhe permite garantir o equilíbrio de poder, o mesmo poder que fugiu à direita para as mãos da ‘geringonça’.
Entre ser idealista ou pragmática, Cristas tinha de optar: ou assumia objetivos moderados e realistas ou arriscava uma ambição para lá da atual realidade do CDS. Preferiu a segunda, ainda que somando algum idealismo (ou será ilusão?) ao realismo, e já escolheu os seus trunfos. No congresso jogou na antecipação, com planos e propostas de governo. Depois escolheu nomes fortes para os próximos desafios eleitorais, caso de Mesquita Nunes para fazer o programa eleitoral, Nuno Melo e Mota Soares para as Europeias. Mostrou-se liberal ao formar a sua direção, mas não esqueceu o lado mais conservador. Convidou independentes e puxou a geração mais nova para o seu lado — basta ver a idade da maioria da sua entourage. E arriscou outra carta alta quando, mais do que ser alternativa à esquerda, mostrou que quer ser “a alternativa” dentro da própria direita, numa afronta declarada, ainda que não hostil, à liderança de Rui Rio — um adversário que a líder do CDS não pode, nem deve, desvalorizar.
Assunção Cristas está a esticar a corda? Está — e muito. Mas sabe que a única forma de ganhar muito é apostar alto, apesar de todos os riscos. O único problema é que este lado racional e pragmático que está a definir a estratégia da líder do CDS também pode ser a sua perdição. Porque, no final, são os resultados que vão ditar se apostou as cartas certas ou se acaba traída pela sua própria estratégia.
Luís Rosa. Uma ambição que depende de Rui Rio
Vamos ser claros: o CDS só pode liderar o centro-direita no dia em que o PSD implodir — e, mesmo assim, só se não surgir um novo partido no centro-direita que não engula igualmente os democratas-cristão. O histórico do score eleitoral do CDS é indesmentível: o melhor resultado (876 mil votos e 42 deputados alcançado em 1976) equivale a pouco mais de metade do pior resultado obtido pelo PSD (1,3 milhões de votos e 73 deputados, também nas primeiras eleições legislativas livres). A partir daí foi sempre a somar para os social-democratas que, apesar do nome, cimentaram a sua posição do grande partido do centro-direita à custa dos votos do CDS. É por isso que a ambição de liderar uma maioria de centro-direita, de ser a primeira mulher eleita para chefiar um Governo, não deve ser interpretada em termos literais. Deve sim ser levada em conta como uma ambição que é, ao fim e ao cabo, um statement para crescer e ganhar relevância e notoriedade.
Em 11 eleições legislativas que concorreu sozinho, o CDS só ultrapassou os 10% em apenas quatro. Se não contarmos com 2015 (onde o PSD e CDS apresentaram listas conjuntas), há duas eleições consecutivas que os centristas ultrapassam os 10% e cimentam a sua base eleitoral na fasquia dos 600 mil votos. Com os 20% conquistados em Lisboa, Assunção Cristas provou que o duplo dígito já não é ambição que chegue para o CDS — o que é positivo para o aumento do pluralismo político e para a própria democracia portuguesa.
A grande questão reside em saber se Rui Rio será uma espécie de repetição de um erro colossal chamado Teresa Leal Coelho. Foi a péssima gestão autárquica de Passos Coelho que permitiu a Assunção Cristas ultrapassar o PSD em Lisboa (que teve, recorde-se, uns humilhantes 11%), tal como poderá ser o erro estratégico grosseiro de Rio de preferir uma política de acordos com o PS da Geringonça que poderá levar a líder do CDS a ultrapassar em 2019 os 15,98% que os centristas alcançaram em 1976.
Para já, Cristas parte de um contexto favorável. Tem um partido unido (ao contrário das divisões profundas que existem no PSD de Rio), posiciona-se, e bem, como o único partido que faz oposição ao PS e à maioria das esquerdas, tem um pensamento ideológico claro (em que as linhas liberais e conservadoras se complementam) e é a única mulher a liderar um dos grandes partidos portugueses. E há ainda outro pormenor que não é de somenos: Assunção Cristas está no Parlamento e, cada vez mais (particularmente perante um líder parlamentar amorfo do PSD como Fernando Negrão), será ela a cara da oposição a António Costa.
Todos estes factores dão ao CDS uma diferenciação clara face ao PSD que só favorecem as ambições de Assunção Cristas — mas que dependem também de saber se Rui Rio manterá o actual rumo suicidário para o PSD.