Índice

    Índice

Helena Matos. O paradoxo da vitória que parece uma derrota

O país tem uma maioria de direita mas a direita não tem maioridade política. E esta é uma circunstância que vai marcar Portugal nos próximos anos. Por isso a vitória de Luís Montenegro é uma quase derrota.

Luís Montenegro ganhou as eleições mas perdeu na táctica: não conseguiu secar o Chega. Antes pelo contrário. Nos próximos meses o que vai estar em causa é o sucesso da estratégia decidida por Montenegro do “não é não” em relação ao Chega.

André Ventura é obviamente o grande vencedor destas eleições. Não há outra forma de dizer isto. Mesmo com uma campanha às vezes errática, a verdade é que teve um resultado que superou as expectativas e também os desejos de comentadores e jornalistas.

Rui Tavares e Nuno Melo são, a par de Ventura, os outros grandes vencedores destas eleições. Aliás, o caso do CDS é um verdadeiro caso político. Ninguém sabe quanto vale o CDS em número de votos. Mas, por agora, essa é a menor das preocupações de Nuno Melo: o CDS voltou ao espaço da política activa. O seu líder conseguiu sentar de novo o CDS no parlamento. E isso conta. Por fim, o derrotado-vencedor desta noite: o PS perdeu um número significativo de deputados. Mas, graças à fraca vitória de Montenegro, Pedro Nuno Santos ganhou tempo como líder do PS e a avaliar pelo tom do seu discurso de derrota pode dizer-se que está de alma revigorada. O contraste entre o acabrunhado Pedro Nuno Santos da campanha e o enérgico homem que vimos esta noite é abismal. E agora vamos descansar porque bem precisamos de recuperar forças porque daqui a uns meses podemos estar aqui a comentar os resultados de outras legislativas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

André Azevedo Alves. O dia em que o sistema partidário mudou

Pedro Nuno Santos não foi capaz de convencer o eleitorado e ficou muito abaixo do resultado conseguido por António Costa em 2022. Adicionalmente, a esquerda foi esmagada eleitoralmente e fica-se, no seu conjunto, por um resultado historicamente baixo em Portugal. Em resultado do colapso do PS, a AD terá possivelmente uma vitória mas tangencial e com um resultado percentualmente inferior ao conseguido em 2022 por PSD e CDS quando concorreram separadamente. Considerando o efeito ADN (como é possível que ninguém no PSD tenha pensado no assunto em devido tempo?), é provável que a coligação que permitiu ressuscitar o CDS na Assembleia da República tenha tido um custo bem pesado em termos de mandatos perdidos pelo PSD, mas seria ilusório achar que o problema não é mais profundo.

Nestas eleições, o país mostrou a sua insatisfação com a governação socialista e virou à direita mas essa viragem deu-se, no essencial, através do extraordinário crescimento do Chega. O partido liderado por André Ventura — que apenas conseguiu obter representação parlamentar pela primeira vez em 2019 e cresceu para 7,2% e 12 deputados em 2022 — consegue agora mais de um milhão e cem mil votos e perto de 50 deputados. O Chega não teve só um grande resultado (passou de 7,2% para 18% e quase quadruplicou a dimensão do seu grupo parlamentar) — teve um grande resultado numas eleições em que a participação aumentou, e muito. 10 de Março foi o dia em que o sistema partidário português mudou. Teremos todos de aprender a viver com essas mudanças.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Miguel Pinheiro. Basta aplicar o plano da pólvora

A vitória da Aliança Democrática foi curta, sem dúvida — mas, como se costuma dizer nestas ocasiões, por um voto se ganha, por um voto se perde. Luís Montenegro ganhou por pouco mais do que um voto, mas agora vai poder enfrentar as dificuldades políticas dos próximos meses vestindo o generoso fato de primeiro-ministro. E isso é uma enormíssima vantagem.

O líder do PSD sempre disse que o seu plano de vida era emular Cavaco Silva e, a partir de agora, vai ter oportunidade de fazer isso mesmo. Quando chegou ao poder em 1985 com uma maioria relativa, Cavaco teve de enfrentar um Parlamento onde os seus 88 deputados estavam isolados perante os 162 deputados da oposição: 57 do PS, 45 do PRD (lembram-se?), 38 do PCP (é verdade) e 22 do CDS (outros tempos). Apesar disso, ao fim de dois anos de combate, Cavaco Silva conseguiu a sua primeira maioria absoluta.

Desde essa altura que o plano da pólvora é conhecido de todos — Luís Montenegro só tem que o saber aplicar. É preciso ter disciplina. É preciso deixar que os adversários cometam os erros da precipitação ou da soberba. E é preciso governar sabendo que o dia seguinte pode ser o último. Parece simples, mas é difícil; é difícil, mas é exequível.

Filomena Martins. O problema não é Ventura, são os eleitores de Ventura

O país não tem um problema chamado Chega. Tem um problema chamado eleitores do Chega. E não é desde este domingo. São um milhão, cento e oito mil, setecentos e sessenta e quatro votantes. Pessoas que se revêem no que prega (sim, é o que ele faz) André Ventura. Não são nichos. É gente deste país de quem os outros líderes partidários e os primeiros-ministros e ministros só se lembram nestas alturas: em campanha, quando querem ser eleitos. Quando já é tarde demais.

André Ventura conseguiu triplicar o número de votos em dois anos e quadriplicar o número de deputados. Nunca, desde 76, o terceiro partido mais votado em Portugal tinha conseguido mais que 45 deputados. O PRD, de Ramalho Eanes, e por causa de Ramalho Eanes, foi um epifenómeno, que nasceu e morreu com ele em 85. A tendência do Chega é exatamente é oposta. Cresce há três eleições.

Também podemos olhar para o Chega como isso, uma tendência. Na que Portugal até já entra atrasado. A ascenção da extrema-direita, ou se quisermos, dos partidos populistas, pela Europa fora estava à vista de todos e limitámo-nos a criticá-la. Não a perceber a raiz do problema.

Mas se chegámos, como em quase tudo, com uns anitos de atraso a esta trend, o impacto foi demolidor: o Chega ganhou no Algarve. Conquistou freguesias também em Beja. Em Portalegre. Em Santarém. Em Bragança. São 48 deputados, senhores. Dos 20 círculos eleitorais (falta só apurar os da Europa e fora da Europa) só não elegeu em Bragança.

Os números não enganam. Numas eleições em que a participação aumentou, e bastante, tem mais deputados (e quase mais votantes) que todos os outros partidos abaixo de si. O Chega foi um dos vencedores da noite. Ganhou e ganhou com estrondo. A estratégia de ostracizar Ventura não serviu de nada. Mas há algo que será um ainda maior erro estratégico: continuar a fingir que os eleitores do Chega não existem. Não contam. Ou, pior, que este milhão e cem mil portugueses são todos fascistas e apenas isso.

Sara Antunes de Oliveira. (17-5) ÷ 2 – 2  = “Desenvolvimento negativo”

Juro que pensei que era desta. Na minha cabeça, era impossível que não fosse desta que o PCP, perante uma nova desgraça eleitoral da CDU, viria assumir a derrota, sem meias palavras — e, mais do que isso, dizer que estava na altura de parar, olhar para dentro, procurar o problema e tirar lições. Só que não.

De 2015 para cá, a CDU perdeu 13 deputados. Pelo caminho, apoiou um Governo do PS, fez cair um Governo do PS e mostrou-se disponível para apoiar um Governo do PS. De 17 deputados em 2015, tem agora 4. E, mesmo assim, de quem é a culpa? Do PS. E de uma conspiração, claro. Quando os resultados provisórios ainda apontavam para uma queda maior (e só davam 3 deputados à CDU), Paulo Raimundo veio falar de um “desenvolvimento negativo”, que, ainda assim, é sinal de “resistência eleitoral”.

Como? Simples. Nas palavras do secretário-geral comunista, o PCP venceu às sondagens, venceu às forças reacionárias, venceu a uma campanha que menorizava e ridicularizava o partido. Só faltou a Raimundo perceber que venceu tudo isso (!), mas não venceu o voto dos eleitores. Pelo contrário: por muito que o PCP insista que “não há relação possível de transferência de votos da CDU para o Chega”, a verdade é que perdeu o Alentejo — e Beja, onde foi simplesmente substituído pelo partido de André Ventura.

Os comunistas deviam estar todos a resolver a equação que conta esta história: (17-5) ÷ 2 – 2 = ? Se optarem por, simplesmente, seguir em frente e culpar os outros, talvez acabem elevados a zero, quando o país voltar a votar.

Rui Pedro Antunes. O “gerincelo” de Montenegro

Luís Montenegro vai ser o próximo primeiro-ministro e isso não é coisa pouca. Com um país acomodado ao PS, Ventura a conseguir mais de um milhão de votos à direita e uma insólita confusão de siglas, o líder da AD conseguiu ficar em primeiro lugar nas eleições. É, no entanto, um trabalho precário e com termo incerto, na sua dura interpretação literal.

O líder do PSD vai enfrentar mini-ciclos políticos potencialmente horribilis. O primeiro nível vai ser ultrapassado com facilidade já que a aprovação do programa de Governo está garantida, imagine-se, pelo PS de Pedro Nuno Santos. O líder do PS parecia, aliás, na noite eleitoral com mais vontade e pressa de ir para a oposição do que ir para o Governo. E percebe-se, já que tinha o sonho de Sá Carneiro invertido: nem Governo, nem maioria, nem Presidente. A bondade socialista é, no entanto, meramente estratégica: o objetivo é que Montenegro se desgaste em lume brando.

O problema de Luís Montenegro não é assim instalar-se em São Bento, mas manter-se lá. E o próximo ciclo já terá uma dificuldade acrescida. Em outubro parece mais ou menos claro (pelas palavras de Pedro Nuno) que o PS não lhe viabiliza o orçamento, o que deixa o Governo Montenegro exposto à vontade de André Ventura. O líder do PSD joga com o trauma do PRD (que caiu de 45 para 7 deputados ao deitar o Governo minoritário de Cavaco abaixo) para pressionar o Chega a aprovar o Orçamento do Estado para 2025. Mas plano tem um risco: Ventura não age com a mesma lógica dos outros líderes.

Apesar disso, Luís Montenegro tem um conforto grande para os próximos meses: não tem maioria no Parlamento, mas tem o apoio do Presidente. Marcelo é não só o detentor da bomba atómica (mesmo que a tenha apenas durante um ano dos dois que lhe restam em Belém), como nesse período controla os tempos eleitorais caso tenha, por exemplo, de marcar novas eleições. A maior coligação de Montenegro é assim com o Presidente da República, de tal forma que até disse que só fala sobre o Governo (e este incluir ou não a IL) depois de conversar com Marcelo Rebelo de Sousa. Depois da solidariedade estratégica, pode existir um outro nível na relação entre São Bento e Belém: a cumplicidade estratégica. E aí Montenegro vai governar numa espécie de geringonça inter-órgãos de soberania, um “gerincelo”, uma geringonça que funciona com a AD e Marcelo. Veremos se ambos os protagonistas a sabem aproveitar para os objetivos de ambos: no caso de Montenegro, manter-se no Governo; no caso de Marcelo, sair do cargo em paz com a sua área política.