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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A Convenção do Bloco em versão bolso: tudo o que precisa de saber

Dois dias de Convenção onde cabem três anos de "geringonça" e o ano que aí vem. A confirmação de Catarina, a escolha de Marisa e o ministério de Mariana. A convenção do Bloco em 12 capítulos.

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Um anúncio

Os grandes anúncios neste tipo de eventos políticos costumam ficar para o fim, para a apoteose. Mas nesta Convenção do Bloco de Esquerda a ordem inverteu-se. Logo na abertura dos trabalhos, Catarina Martins confirmou o que já se adivinhava: ia propor o nome de Marisa Matias para encabeçar as listas do partido às eleições Europeias de maio do próximo ano. Foi apenas um anúncio e não uma surpresa, já que todos os sinais apontavam neste sentido. A líder do Bloco caracterizou-a como sendo “não só a melhor candidata que o Bloco pode ter, mas a melhor candidata que o país pode ter”. Foi um dos momentos chave desta convenção e fez de Marisa Matias uma das protagonistas.

[Veja a ‘Mini’ Entrevista com Marisa Matias. “Europeias são “primeiro teste” pós-geringonça:]

Um elefante à porta da sala

O tema prometia tornar-se incómodo quanto mais ignorado fosse. O caso Ricardo Robles terá sido o primeiro grande escândalo em que o Bloco de Esquerda se viu envolvido. Sem chegar a mencionar o nome do “vereador”, Catarina Martins optou por falar abertamente sobre a polémica logo no discurso inaugural. Fê-lo de forma eficaz, assumindo os erros do partido e tentando normalizar a sua superação.

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“No Bloco de Esquerda corrigimos os erros: o Bloco não abriu parêntesis nem mudou de assunto. Ninguém viu este Bloco calado”, vaticinou Catarina Martins na primeira intervenção. A ideia que queria fazer passar era simples: o BE erra como todos os partidos, mas resolve como nenhum. A ameaça de uma sombra que prometia vir a marcar a convenção foi transformada numa oportunidade.

Um astronauta dentro da sala

O fundador, primeiro coordenador e primeiro deputado (com Luís Fazenda) do partido no Parlamento, o comentador televisivo do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã subiu ao palco e a sala ouviu-o atenta enquanto falava de perigos e objetivos. No final, Louçã pôs a fasquia do partido “no infinito e mais além”, citando um herói… da animação, o Buzz Lightyear. “Há dias via o Toy Story com as minhas netas e uma personagem perguntava para onde vai e diziam-lhe que era até ao infinito e mais além. Eu sei que este Bloco é mais humilde. Mas sabemos para onde vamos e a nossa força é que também sabemos de onde vimos: é da Helena Lopes da Silva, de Miguel Portas, de João Semedo e de tantos outros”.

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Um Conselho de Ministros

Começou dentro do Carpool do Observador, o primeiro destes dias, com o líder Parlamentar Pedro Filipe Soares a não se coibir de falar em nomes possíveis para áreas de governação, quando foi desafiado a fazê-lo. Depois, pelo palco da Convenção desfilaram inúmeros discursos, mais ou menos diretos, a declarar que o partido “está preparado”. Foi o caso de José Gusmão quando disse “estamos prontos”, ou de José Soeiro quando afirmou: “Queremos ganhar e estamos preparados para ganhar”. E, por fim, Mariana Mortágua, que veio no domingo dizer com todas as letras — não fosse ainda alguém não ter percebido — “perguntam-nos se queremos ser Governo? Sim, queremos ser Governo. Perguntam-nos se queremos ser Governo? Somos uma força capaz. Somos uma força de política”.

Noutro Carpool, desta vez com José Manuel Pureza, mais uma assunção de disponibilidade. Contas feitas, quem seriam os governantes (e isto dito pelos dois bloquistas que apanharam boleia do Observador)? Mariana Mortágua nas Finanças, Joana Mortágua na Educação, Jorge Costa na Energia, Moisés Ferreira na Saúde, Luís Monteiro no Ensino Superior, José Soeiro no Trabalho e na Justiça José Manuel Pureza.

Um programa de Governo (e duas coisas para resolver já)

Catarina Martins subiu ao púlpito para o fecho da Convenção e deixou “cinco reformas estruturais” e prioritárias para o país — algumas delas para concluir ainda até ao final da legislatura. A nova lei de Bases da Saúde (para fazer no que falta deste mandato do Parlamento), as políticas demográficas — onde inclui a igualdade salarial entre homens e mulheres —, o combate às alterações climáticas, o controlo político da banca e da energia e ainda a criação de uma entidade para Transparência (também ainda para esta legislatura).

Uma tomada de posse

O Bloco não é um partido como os outros, já se sabe. Começa desde logo por não se chamar partido, mas sim bloco, e por não ter congressos mas sim convenções. Também por isso, a entrada da líder (que não é líder, é coordenadora), não teve o espalhafato que costumam ter as entradas dos líderes no segundo e último dia de trabalhos. Catarina Martins entrou este domingo no pavilhão quando a sala ainda estava a meio gás, com Mariana Mortágua ao lado, e uma mochila às costas. Queria passar despercebida — o coletivo é que importa, não o individual — mas parece que os bloquistas querem mesmo ser um partido como os grandes e começou a surgir uma onda de aplausos que levou as câmaras de televisão a acompanhar o percurso de Catarina desde a entrada na sala até ao lugar onde se sentou.

Se esta foi a “tomada de posse” da coordenadora que seria reeleita dali a uma hora, sem oposição interna visível, foi uma tomada de posse muito discreta mas com instintos de grandiosidade. De resto, tirando o embaraço de Catarina e de Mariana Mortágua que seguia mesmo atrás, nada a apontar: na hora das votações, a lista de Catarina para a direção (a Mesa Nacional) foi eleita com esmagadora maioria, conquistando 70 dos 80 lugares daquele órgão (a lista C ficou com o papel de minoria naquele órgão Nacional, mas sem peso significativo). Na votação das moções, a de Catarina (e companhia) também esmagou, com a moção M, que propunha a radicalização do partido e o fim da geringonça, a ficar-se pelos 7,8%.

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Um saco de boxe (com amizade)

O saco de pancada da convenção, desta vez, não foi tanto a direita, nem sequer o papão do Tratado Orçamental, mas foi o PS e António Costa. Ou melhor, a maioria absoluta que o PS e António Costa podem vir a ter em 2019. Esse é o alvo a abater, e, por isso, a missão do fim de semana foi diabolizar a ideia de um PS sozinho — que vira sempre à direita. Em 2019, vai virar para onde? Vai “lançar-se ao Rio”? Bater, bater, bater, foi o mote do primeiro dia, com o objetivo de dizer: quem quer um governo de esquerda, o mais seguro é votar no Bloco.

No segundo dia, e já com representantes do governo e do PS na assistência, Catarina Martins sublinhou a “amizade”. “Quero saudar com amizade todos os que fizeram esta convergência: o PS, o PCP e os Verdes”. E garantiu “Não nos arrependemos de nada”.

Os pais fundadores

O Bloco de Esquerda percorreu um longo caminho para chegar aos seus 19 anos e a esta XI Convenção. Numa fase em que o partido atravessa um dos seus melhores momentos, os três pais fundadores não faltaram à chamada para olharem para o seu filho já crescido. Francisco Louçã, Fernando Rosas e Luís Fazenda fizeram discursos em que se mostraram em linha com a direção seguida pela atual liderança. O partido cresceu e transformou-se, mas parece ter o crivo dos seus fundadores. Ao Observador, Fazenda  admite a mudança, mas mostra-se satisfeito: “O Bloco mudou, mas continua a ter o mesmo ADN e prossegue na mesma a ideia de um socialismo democrático”. Louçã tem a mesma leitura “Acho que não há nenhum partido da esquerda europeia que tenha feito uma substituição de gerações como o Bloco fez”,  afirmou ao Observador. Louçã acredita que o partido está onde quer estar, mas prevê que “chegará muito mais longe”.

Fernando Rosas não quis falar com o Observador, mas no palco já tinha apoiado uma participação do Bloco num Governo “se a força for suficientemente forte”. Os pais fundadores também são pais babados.

[Veja a ‘Mini’ Entrevista com Francisco Louçã. “O PS quer cortar com o Bloco de forma agressiva”:]

Um primo afastado

O PCP é um bocadinho o primo afastado do Bloco e zangam-se muitas vezes na hora dividir a herança (leia-se, o eleitorado). No discurso do arranque da Convenção, Catarina Martins não disse a palavra PCP, mas admitiu que as medidas de recuperação de rendimentos vieram de “outras vozes de esquerda”. O nome foi evitado ao longo da convenção e mal se ouviu no palanque, tirando para um ataque vindo de José Manuel Pureza quando falava da despenalização da eutanásia “onde o PCP dececionou tanta gente”. Mas no fim da reunião magna dos bloquistas foi clara a simpatia que o partido tem pelo primo comunista. Quando foi anunciado na sala, o PCP foi muito mais aplaudido que o PS e, nos cumprimentos internos, só foi batido no aplaudómetro pela CGTP (também muito comunista). No discurso de encerramento, minutos depois, Catarina Martins resolveu definitivamente a questão e saudou com “amizade” todos os que fizeram “esta convergência”, incluindo o PCP. Novos aplausos.

Um convidado especial

Houve até um estranho convidado especial: Cavaco Silva. O ex-Presidente da República foi mencionado por vários dirigentes bloquistas, que o viram “andar pelo país” a ver apresentar o seu livro de memórias sobre os primeiros momentos da geringonça. Pedro Filipe Soares, no Carpool do Observador, até o citou para explicar como o PS, em 2015, estava preocupado com a ideia de vir a perder votos para o BE. No livro, Cavaco dizia que soube que era possível um governo das esquerdas quatro dias depois das eleições, quando Fernando Medina lhe transmitiu que seria essa a ideia de António Costa. Mais do que a ideia, era a necessidade de António Costa, porque, “se o PS fizesse um acordo com o PSD, iria perder votos para o Bloco de Esquerda. E o PCP não poderia ficar fora de um acordo desses porque senão ia definhar”.

Isto disse o líder parlamentar bloquista, citando Cavaco. Um dia depois foi a vez de Catarina, no seu discurso de encerramento, lançar uma alfinetada: ”Cavaco Silva anda pelo país a pedir desculpa por ter de engolir o sapo de um governo que abomina”. As referências eram tantas que o deputado Luís Monteiro até chegou a dizer que não queria com isso que as vendas do livro disparassem…

Uma ovelha negra

O Bloco como partido de extrema-esquerda podia ter desaparecido do Congresso se não fossem os irredutíveis radicais da moção M, que fizeram jus ao slogan da ovelha negra do PSR: “O paraíso não está à vista”. São críticos da geringonça, rejeitam ver o Bloco no Governo a não ser que tenha condições para governar sozinho. Querem a revolução, querem ser anti-sistema, querem o velho Bloco de volta, mas com novas conquistas. Um dos membros do movimento admitia ao Observador que o movimento ainda estava na sua infância e, de facto, ainda tem muito crescer. A moção M, de Marx, teve apenas 40 votos. Porém, no Bloco, as minorias costumam ser respeitadas e fica lançada a escada para o futuro.

Um casamento

Sim, até houve uma espécie de rejeição a uma proposta de casamento. Com toda a gente a dizer que o Bloco “está preparado” para ir para um governo (sem dizer que, para ser real, será sempre um governo liderado pelo PS), Luís Fazenda, um dos fundadores bloquistas, foi pôr os pontos nos is. Costa disse em tempos que “éramos bons para ser amigos e maus para casar”, agora foi a vez de Fazenda dizer que também não quer casar com o PS. Pelo menos enquanto o PS estiver preso às políticas da Comissão Europeia e do Eurogrupo: “Não faz sentido casar com o Eurogrupo”. Esse casamento, um dos fundadores, pelo menos, não apadrinha.

E um funeral

“O voto útil morreu”. “Paz à sua alma”, como disse Catarina Martins no seu discurso inicial. A ideia serve de premissa para todo o raciocínio do Bloco de Esquerda. Desde que, em 2015, a esquerda se uniu de forma inédita para dar posse a um governo, destronando a coligação de direita que tinha sido a força política mais votada nas eleições, mudou a forma de olhar para as urnas: todos os partidos contam, porque o que interessa é a soma das partes. 2019 está aí mesmo à porta.

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