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© Hugo Amaral

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A história de amor entre um skinhead e uma menina de Cascais

Susana é filiada no Partido Socialista e Mário Machado é o fundador da organização de extrema-direita "Portugal Hammerskins". Conheceram-se há dez anos e casaram na prisão do Monsanto.

Os acordes da música gótica num bar alternativo do Cais do Sodré, Lisboa, deixaram de incomodar  Mário Machado assim que a viu. No centro da pista de dança, uma mulher alta, cabelo comprido ruivo e minissaia, ao estilo psychobilly. O coração disparou. “Aquela paixão que dá logo”, recorda. Disse-o aos amigos e aproximaram-se dela. “Meu Deus! Fiquei cheia de medo. Estava rodeada de skinheads”, conta Susana ao Observador. Ele, confessa, aproveitou-se desse medo para ganhar-lhe a confiança. Dez anos depois, a relação improvável entre um neonazi e uma filiada no Partido Socialista resiste.

Estão sentados lado a lado numa esplanada em Lisboa. Aproveitam cada minuto da última saída precária da prisão de Alcoentre, onde Mário Machado cumpre pena de 10 anos de cadeia em quatro processos, por crimes de discriminação racial, posse de arma ilegal, agressões, difamação. Ao Observador, intercalam entre os dois episódios de uma história de sorrisos, lágrimas, polícias, prisões e um filho. Quando discordam, trocam carinhos e beijos na testa. Perdoam-se. “Ela é muito ciumenta”. “Não sou nada, eu é que tive de apagar os amigos rapazes do Facebook”, responde-lhe. Ele acaba por baixar a guarda: “costuma dizer-se que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher”. A mulher de quem fala chama-se Susana Machado, tem 34 anos e é licenciada em Matemática Aplicada. Não diz onde trabalha para preservar a sua identidade.

Susana é filiada no PS e Mário Machado fundou a organização de extrema-direita "Portugal Hammerskins". Conheceram-se há dez anos e casaram na prisão.

Susana estava a estudar na universidade quando foi abordada por Mário, três anos mais velho, na pista de dança do então bar gótico “Disorder”. O medo do cabeça-rapada tatuado com cruzes suásticas e vestido de negro deu lugar à curiosidade. Nos dias seguintes, deu por ela a voltar ali na esperança de reencontrá-lo. Ele fez o mesmo. Era dia de Natal quando trocaram o primeiro beijo. Ela, filha de uma família de esquerda e criada em Cascais, desconhecia sequer que o homem por quem estava a apaixonar-se tinha já cumprido pena de prisão – por envolvimento num crime racial no Bairro Alto, em Lisboa. “Eu falava-lhe dos países por onde tinha viajado, só não dizia o que tinha ido lá fazer”, conta Mário. Quando ela soube “era tarde demais”. “Estávamos demasiado envolvidos”, diz ele. Já passaram dez anos.

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Mário era já pai de dois filhos e dava pela primeira vez uma entrevista à comunicação social sem mostrar a cara. Corria 2005. À frente do movimento de extrema-direita, Frente Nacional, fundador da Hammerskins Portugal e sob mira da GNR por promover encontros neonazis, começava a ganhar protagonismo. “Não concebia o discurso daqueles que diziam ‘pretos’. Achava horrível e ignorante, ainda assim ia com ele para todo o lado, mesmo não concordando”, afirma Susana. A determinação de Mário impressionava-a. “Estávamos sentados no sofá quando apareceu na televisão a história da comunidade cigana em Coruche. Ele disse: temos que lá ir”. E reuniu de imediato um batalhão para o seguir.

Mário Machado está preso na cadeia de Alcoentre, para onde foi transferido em Outubro. Cumpre uma pena de dez anos de cadeia por quatro processos-crime.

A partir daqui começou a dar a cara por manifestações. E apareceu na televisão empunhando uma shotgun, em 2006. Foi a primeira de várias detenções que se seguiram. “Tive muitos problemas com a minha família e com os meus amigos. Mas quando conhecem o Mário, percebem que ele não é o homem que aparece na comunicação social. Ele é super educado e um romântico”.

As diferenças ideológicas foram-se atenuando à medida que o registo criminal de Mário Machado crescia. O facto de Susana ter-se tornado a “chefe de família” lá de casa também limou algumas arestas. Mas não foi fácil. Para Mário, a sua “mulher não devia trabalhar”. Para Susana, “feminista”, seria impensável. “Eu gosto de lhe dar esta sensação de domínio”, atira Mário. “Sensação?”, interroga Susana. “Em casa conversamos”. Trocam sorrisos e carícias. Mais do que contas, Susana tem sido fundamental na vida de Mário.

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Quando ele foi libertado da prisão preventiva, em 2008, decidiram ter um filho. E é por ele, e pelo trabalho, que Susana prefere resguardar-se e não dar a cara. “O meu filho já sofre imenso por ter o pai preso e não quero que se saiba que ele é o filho do Mário Machado. As crianças conseguem ser muito cruéis”. Já estava grávida quando Machado foi novamente detido. Desta vez por crimes de sequestro e coação. “Tive uma gravidez de risco e ele estava preso quando o meu filho nasceu”. Numa visita no estabelecimento prisional da PJ, Mário e Susana decidiram casar. “Tive que registar o meu filho na companhia do advogado dele!”, lembra. Mário foi depois transferido para a prisão de alta segurança do Monsanto. A cerimónia foi lá. A 22 de fevereiro de 2011.

Naquele dia ela arranjou-se como se fosse casar-se numa igreja, o seu sonho. E foi sozinha até à cadeia. À sua espera Mário, de fato macaco de recluso, dois guardas, uma técnica e a conservadora do registo civil. “A educadora prisional pediu para assistir. Disse-me que estava linda”, recorda Susana, emocionada. Os noivos uniram as mãos. E começou. “Reparei que a senhora do Governo Civil tratava sempre a minha mulher no masculino. O nubente, o filho de …” lembra Mário. Até que a interpelou e perguntou-lhe porquê. “Explicou-me que desde a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, o Governo Civil decidira não fazer distinção de géneros”. Mário não queria acreditar. “Até num momento destes se põe em causa a minha ideologia”. Susana apertou-lhe a mão em jeito de sinal. “Não, no dia do meu casamento não quero discursos políticos!”. Ele acedeu, e cedeu.

A cerimónia durou 45 minutos. Mário regressou, depois, à cela onde estava encarcerado 23 horas por dia. “Só tivemos contacto físico seis ou oito meses depois. A prisão parecia um filme americano. Havia um vidro a separar-nos e nem podíamos tocar um no outro”, diz Susana. “Não podia receber os meus filhos. O sistema devia permitir que os filhos vissem os pais. Pelo menos um abraço”, defende Mário. As limitações dos encontros,  duas vezes por semana, levaram Susana a escrever para vários serviços da justiça, em Lisboa e em Estrasburgo, a implorar que transferissem o marido de prisão. “Eu estava preso no mesmo sítio onde havia terroristas e homicidas”, diz Mário. “Nestes anos acumulei tanta coisa que há dois meses sofri um aneurisma cerebral, do qual estou a recuperar”, conta Susana. Ele faz-lhe uma festa na cabeça.

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Fechado na cadeia de Monsanto, Mário Machado perdeu 22 quilos. E a mulher incentivou-o a estudar para ocupar o tempo. “Já estou no último ano do curso de Direito da Universidade Autónoma”. Até nisso a mulher tem sido fundamental. É ela quem vai à universidade buscar livros e sebentas, faz-lhe cópias e entrega tudo na prisão. As propinas, a educação dos filhos, as despesas da casa. Todas estas contas têm a ajuda dos pais de Susana e de Mário. “Eu também poupei dinheiro quando andei a fazer aquelas habilidades…”, diz Mário sem especificar. Supõem-se que fale dos crimes pelos quais esteve preso – em que marcava encontro com traficantes de droga para lhes extorquir dinheiro. “Não quero saber se ele cometeu crimes. Eu sei quem é o Mário. Um excelente marido e um excelente pai. Sou completamente contra crimes, fui criada assim, mas ele é um ser humano”.

Na última saída precária em que estiveram juntos, pelo 25 Abril, Mário levou-a, e aos três filhos, para um hotel. O mesmo onde houve o encontro de preparação do novo partido nacionalista que ele quer criar. “Agora acredito mais. Há pessoas muito sérias, de todas as idades e profissões, por trás. Não tem nada a ver com o grupo de miúdos de antes”, diz Susana. “Amor, eu que pago as quotas para votar no Partido Socialista, vou votar em ti!”, diz-lhe. Ele dá uma gargalhada.

NOS: o novo partido político que Mário Machado quer criar

Os tempos de reclusão serviram a Mário Machado para (quase) se licenciar em Direito e para tomar uma nova decisão: seguir um percurso político. E foi na prisão que o nacionalista pensou nos moldes e no nome do partido que quer criar: Nova Ordem Social (NOS). Segundo o próprio,  o símbolo do partido – uma seta em frente – significa que não está posicionado “à esquerda ou à direita”.

“Nós não somos nem de esquerda nem de direita. Somos uma espécie de terceira via alternativa”, afirmou ao Observador Mário Machado, que quer distanciar-se do Partido Nacional Renovador (PNR), o qual apoiou enquanto líder do movimento de extrema-direita Frente Nacional. “O PNR abandonou o nacionalismo, a nossa perspetiva ideológica, e seguiu uma linha de direita patriótica. É uma extrema-direita”, acrescentou, durante a última saída precária da prisão de Alcoentre.

" Temos de fazer uma Europa forte, unida e coesa, mas os países têm que conservar a sua identidade histórica".
Mário Machado

Mais maduro e já sem a ideia “ganguesterizada” do movimento nacionalista, segundo afirmou, o fundador da Portugal Hammerskins espera sair em liberdade condicional, em Outubro, com as 7500 assinaturas exigidas para oficializar o partido. “Comecei a organizar o partido na prisão porque faltava aos meus camaradas alguma capacidade de organização. Havia muitas famílias nacionalistas desavindas umas com as outras e comecei a ser uma espécie de apaziguador”. Apesar de satisfeito por ainda ter quem o siga, reconhece que está preso por crimes de “delito comum”, como sequestro, roubo e coação, o que significa um trabalho adicional na opinião pública.

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O primeiro encontro do futuro partido aconteceu na sua última saída precária, num hotel na zona de Peniche, e reuniu cerca de 50 pessoas, entre elas representantes dos partidos nacionalistas grego, Aurora Dourada, e alemão, NPD. “A data de 26 de Abril foi escolhida de propósito. Queremos mostrar que há pessoas que não celebram o golpe, nem a traição. Custa-me muito festejar Abril quando a minha família foi espoliada de uma terra que foi nossa durante 500 anos”, referiu.

Mário Machado defende que a descolonização devia “ter sido feita gradualmente” e considera que “o marcelismo iria gradualmente abrir as portas à democracia e à liberdade de expressão”. Confrontado com a expressão que os partidos de Direita estão a ter na Europa, Mário Machado não se surpreende e aponta o dedo às políticas socialistas. “Acredito que os portugueses não são menos patriotas nem nacionalistas que os outros. Contra natura é continuar a achar que temos que dar habitação gratuita a pessoas que nem sequer falam a nossa língua, enquanto os nossos jovens têm que emigrar. Ou que temos que pagar a nossa casa em 40 anos e, no fim, pagamos duas ou três casas”.

E deu o exemplo do crescimento do partido grego, Aurora Dourada, que em plena crise económica cresceu de uma expressão de “0,2% para 14%”. Mário Machado acredita que o NOS vai estar pronto para marcar presença nas próximas legislativas. E com direito a sentar-se no parlamento. Tem como estandartes a justiça e a segurança, o controlo de políticas de imigração e uma União Europeia descentralizada da Europa. “Que sentido faz abrir as portas à imigração quando vêm trabalhar e estão a tirar postos de emprego aos portugueses? Temos de fazer uma Europa forte, unida e coesa, mas os países têm que conservar a sua identidade histórica”.

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