O segundo fim de semana da edição de 2024 do Rock in Rio Lisboa começou entre o pop rock à la Disney dos Jonas Brothers e o rap pop — e político — de Macklemore, passando por velhos conhecidos dos portugueses como os James e Ivete Sangalo. Foi um dia em que o Parque Tejo, na zona oriental da cidade, se voltou a encher de famílias e de diferentes gerações.
Passavam poucos minutos do jogo do Euro em que Portugal bateu a Turquia, partida que foi transmitida em direto por todo o recinto do Rock in Rio Lisboa, e a celebração começava ao som de Ivete Sangalo. A artista brasileira tem presença confirmada em todas as edições do festival — tal como acontece com os Xutos & Pontapés — e mesmo que a música tenha deixado o Parque da Bela Vista para se instalar junto do rio, fazendo finalmente jus ao nome original da organização, Ivete Sangalo tinha de marcar presença na edição em que se assinalam os 20 anos do evento.
Rodeada de uma alargada comitiva de bailarinos, e de uma virtuosa banda elevada no palco, foi um show de alegria contagiante, de tons rosa, em que a musicalidade das melodias e ritmos tradicionais brasileiros se cruzaram com elementos mais eletrónicos — incluindo algumas nuances funk pelo meio — de forma simbiótica. Ivete Sangalo é “tira o pé do chão”, é uma roda viva de animação, um espetáculo que personifica a conhecida boa-disposição brasileira e que se manifesta por toda a vasta plateia diante do Palco Mundo.
“Meus amores, que saudades deste Sol tão lindo”, exclamou a cantora. “Simboliza tão bem Lisboa, o Brasil, Angola, todos estes povos tão lindos.” Lembrou o Carnaval baiano, evocando também o espírito rock n’ roll que está na génese do Rock in Rio. “Haverá mais heavy metal do que o Carnaval da Bahia?”, disse, enquanto fazia a festa com a energia prometida. E literalmente levantou-se poeira com a interpretação de Sorte Grande, a mais celebrada e afamada das suas canções, vinda ainda do tempo da Banda Eva a que deu voz e a tornou popular.
De seguida, já no Palco Tejo, foi a vez de os Ornatos Violeta atraírem uma multidão que ansiava por assinalar os 25 anos de O Monstro Precisa de Amigos, o emblemático disco que a banda portuense editou em 1999. Manel Cruz e companhia fizeram-se acompanhar pelo quarteto de cordas da Casa da Música enquanto os fãs — da velha guarda, mas também das novas gerações que foram descobrindo e apaixonando-se pela música dos Ornatos ao longo dos anos — iam trauteando muitas das canções.
Mesmo que relegado para um palco secundário, o concerto inteiramente dedicado a este álbum icónico era ocasião especial e a banda trouxe convidados para uma comemoração mais alargada do seu legado. Samuel Úria, Ana Deus e Gisela João foram os músicos chamados a palco para interpretações distintas de temas dos Ornatos Violeta — num concerto com um Manel Cruz particularmente focado, mas com a garra do costume, ou não tivesse, como é seu apanágio, despido a camisola logo nos primeiros temas, mal aqueceu a voz e a alma.
O melhor concerto da noite chegaria logo a seguir. Macklemore é um corpo estranho, um rapper pop mas ao mesmo tempo desalinhado, inconformado, que quebra com os piores padrões do género. Descrevendo Lisboa como uma das suas cidades favoritas e apelando ao público para que aproveitasse o momento, deixando os telemóveis no bolso depois de duas ou três fotografias ou vídeos, mostrou ser um tremendo performer, tanto em momentos mais pop como Thrift Shop, single explosivo que lançou com Ryan Lewis; como em temas mais underground, próximos de uma estética mais crua e ligada ao rap da Costa Este dos anos 90, como Heroes, faixa que o juntou ao insuspeito DJ Premier.
A palete de cores de Macklemore é surpreendentemente diversa e, do alto dos seus 41 anos, o rapper tem a experiência e o calibre para dominar uma imensa multidão de cima do palco, acompanhado de uma banda e de alguns bailarinos que lhe conferiram musicalidade e teatralidade nas doses recomendáveis, com uma performance vários furos acima daquilo que se costuma ver em espetáculos hip hop desta dimensão.
“Não há nada melhor no mundo do que um festival de música”, atirou. “Pessoas diferentes a congregar em torno da música. Aqui não importa a forma como te pareces, a tua orientação sexual, a cor da tua pele, a forma do teu corpo… Aqui podes ser autêntico, a pessoa que és a 100%.”
Rompendo com os padrões de masculinidade tóxica ou de apatia social e política que muitas vezes abundam no meio hip hop — e que não se esperava serem quebrados num contexto tão pop como este —, Macklemore interpretou Same Love, um tema de sensibilização que homenageia a causa LGBTQIA+; e apresentou a sua muito badalada e recente Hind’s Hall, canção pró-Palestina que aponta o dedo ao que o músico descreve como “atrocidades cometidas por Israel”, defendendo o reconhecimento daquele território como país de plenos direitos, posição de militância firme nada comum na esfera pop norte-americana. “I want a ceasefire, fuck a response from Drake/What you willin’ to risk? What you willin’ to give?/What if you were in Gaza? What if those were your kids?/If the West was pretendin’ that you didn’t exist/You’d want the world to stand up and the students finally did, let’s get it”.
Pelo meio, ainda houve tempo para chamar duas raparigas do público para um pequeno “danceoff”, uma improvisada competição de dança em palco que enalteceu ainda mais a componente de Macklemore como entertainer. O espetáculo terminou, claro, com o hit Can’t Hold Us, com o rapper a descer junto do público para um momento final de catarse. “É isto que é suposto ser um festival de verão!”, exclamou em jeito de despedida, perante um público rendido à sua frente. É difícil avaliar quem será a fanbase de Macklemore por cá, mas certo é que é um daqueles artistas pop que não deixa indiferente quem o possa encontrar num festival.
A noite continuava, do outro lado da zona VIP, no Palco Galp, com os James. Velhos conhecidos do público português, a banda britânica veio aprofundar ainda mais a relação com um concerto que tinha como mote o novo álbum, Yummy, editado em abril, mas que naturalmente atravessou os grandes momentos da sua discografia, iniciada em 1986 com Stutter.
O palco parecia pequeno para todos aqueles que queriam assistir ao concerto, até porque o som estava frágil e abafado a partir da régie, mas os James, tal e qual os dinossauros experientes em que se tornaram, cumpriram com uma prestação segura e consistente que não surpreendeu, mas que também não tinha qualquer ambição nesse sentido. Para os fãs, entregaram exatamente aquilo a que se propunham. Temas como She’s a Star ou Laid foram bem acompanhados pela audiência, que procura nos James uma sensação de conforto que o rock dos anos 90 tão bem pode proporcionar, sobretudo para corações (e ouvidos) saudosistas.
O terceiro dia desta estreia do Rock in Rio Lisboa no Parque Tejo chegava ao fim com um concerto aguardado há muitos anos em Portugal: a estreia por cá dos Jonas Brothers. Banda fundada há quase 20 anos pelos irmãos Nick, Joe e Kevin Jonas, foi alavancada sobretudo pela Disney Channel, onde participaram em diversos filmes e tiveram direito à sua própria série.
Mais do que uma banda de culto, foram — são? — um fenómeno pop juvenil, construído na cultura de celebridades norte-americana, que nunca teve oportunidade de passar por Portugal durante o seu período de apogeu, algures entre 2005 e 2010. Seguiu-se um hiato, a confirmação de uma separação e, a partir de 2019, a reunião desta banda familiar. Nunca recuperaram a relevância pop que outrora tiveram, como seria natural — tantos outros nomes, tendências e estéticas surgiram entretanto — mas a sua pop, por vezes mais rock; noutros casos, mais próxima do formato de balada, reconquistou algum espaço, atraiu um novo público e recuperou alguns dos mais fiéis seguidores originais.
Essa geração, que em Portugal também cresceu a ouvir (e a ver) os Jonas Brothers na televisão, estava órfã da experiência ao vivo da sua música — e finalmente pôde preencher essa lacuna neste dia de Rock in Rio. Com um disco recente na manga, simplesmente intitulado The Album, editado no ano passado, apresentaram sobretudo as canções mais emblemáticas do seu percurso, num exercício de revivalismo que muito tem vingado por cá em contextos idênticos — basta pensarmos no regresso do fenómeno D’ZRT ao longo do último ano.
Popstars profissionais, os irmãos Jonas — que deram um dos concertos de horário mais tardio da sua carreira, segundo os próprios — atraíram milhares de fãs entusiasmados para a frente de palco, tocaram canções dos seus percursos artísticos a solo, fizeram versões de temas seguros como Can’t Take My Eyes Off You (de Frankie Valli) ou September (dos Earth, Wind & Fire) e terminaram o espetáculo em grande com três das faixas mais celebradas do seu catálogo: uma trilogia infalível composta por Only Human, Sucker e Leave Before You Love Me. Missão cumprida para os três irmãos e para o público que queria riscar este concerto da lista. O Rock in Rio Lisboa termina este domingo, com Doja Cat e Camila Cabello como nomes maiores do cartaz.