Entrevista de Cristiano Ronaldo

Respostas do jogador português no programa "Piers Morgan Uncensored"

“Honestamente, estive muito perto do Manchester City (…) Sir Alex Ferguson foi a chave e fez a diferença nesse momento. Mas não posso ser leal se não disser que o Manchester City esteve muito perto. Foi uma decisão consciente e não me arrependo. Foi uma boa decisão.”

Cristiano Ronaldo confirma que esteve quase a assinar pelo Manchester City no verão de 2021 e que só a intervenção de Alex Ferguson motivou o regresso a Old Trafford na sequência da saída da Juventus. O antigo treinador escocês voltará a ser mencionado ao longo da entrevista e fica claro que, mesmo hoje em dia, a opinião de Ferguson pode provocar uma mudança de opinião do próprio jogador.

“Quando assinei pensei que tudo tinha mudado, tinham passado 13 anos desde que tinha saído. Pensei que tudo seria diferente, a tecnologia, as infraestruturas… Fiquei surpreendido de forma negativa. Vi que estava tudo na mesma. Parece que o clube parou no tempo. Sabia que o Manchester United não era o mesmo mas não sabia que a diferença era tão grande.”

José Mourinho já o tinha dito, Zlatan Ibrahimovic também, chegou a vez de Cristiano Ronaldo. A ideia de que o Manchester United é um clube envelhecido já não é nova e o capitão da Seleção Nacional não poupou as palavras na hora de explicar o quão atrasados os ingleses estão em relação aos outros grandes clubes europeus. Ronaldo passou pelo Real Madrid, passou pela Juventus e voltou aos red devils à espera das mesmas condições. Em Old Trafford, porém, algo estagnou.

“Como é que um clube como o Manchester United, depois de despedir Solskjaer, traz um diretor desportivo como o Ralf Rangnick para treinador? Nem sequer é treinador e isso foi algo que me surpreendeu. Foi uma decisão ridícula, tenho de ser honesto. Como é que não és treinador e treinas o Manchester United? Não foi a decisão certa para chegar ao sucesso. Ninguém tinha ouvido falar do Ralf Rangnick, ninguém sabia quem ele era.”

A confirmação de outras duas ideias: Cristiano Ronaldo adaptou-se bem quando chegou ao Manchester United porque estava alinhado com as ideias de Solskjaer e Cristiano Ronaldo começou a ficar desadaptado quando chegou Ralf Rangnick. O jogador português elogiou o treinador norueguês várias vezes ao longo da entrevista, chegou a defender que este deveria ter tido mais tempo para colocar as suas ideias em prática e mostrou-se incrédulo com a opção de contratar Rangnick. Em resumo, é fácil perceber que a motivação de Ronaldo, assim como a disponibilidade mental e desportiva, caíram a pique com a mudança de treinador a meio da época passada.

“Quem mais admiro no Manchester United? Pergunta difícil, mas diria o Dalot. É muito profissional e não tenho dúvidas de que vai ter uma carreira longa.”

Pode não ser nada, pode ser tudo: na hora de escolher o colega de balneário que mais admira no Manchester United, Cristiano Ronaldo esquece a diplomacia e opta por um único português, Diogo Dalot, deixando de fora Bruno Fernandes. O avançado é muito próximo do jovem lateral, como é notório tanto no clube como na Seleção, e não partilha a mesma relação de confiança com o antigo médio do Sporting. A esta frase, de forma óbvia, acrescenta-se o frio cumprimento que ambos partilharam na chegada à Cidade do Futebol — e que tanta tinta fez correr.

“Os mais jovens ouvem as coisas por uma orelha e sai pela outra. Lembro-me de que quando tinha 18, 19 anos, procurava aprender sempre com os melhores jogadores, o Giggs, o Van Nistelrooy, o Roy Keane. E foi por isso que tive o sucesso que tive, aprendi com os melhores. Não sou muito de dar conselhos, gosto mais de dar o exemplo. Estou lá todas as manhãs, sou o primeiro a chegar e o último a sair, os detalhes falam por mim. Gosto de liderar pelo exemplo. Alguns seguem-me, não muitos. Mas outros não, não querem saber.”

Mais uma ideia que Ronaldo já tinha vindo a sublinhar nos últimos anos. A relação do jogador português com as gerações mais jovens com que se tem cruzado em balneários e plantéis não tem sido simples nem linear, já que o capitão da Seleção Nacional considera que os mais novos nem sempre têm a melhor atitude. Tal como o próprio referiu, Ronaldo lidera e dá o exemplo a partir da própria atitude e raramente com conselhos, conversas ou momentos de maior proximidade.

“Foi a pior fase da minha vida desde que o meu pai morreu. Foi duro. Eu e a Georgina passámos por momentos muito difíceis. Porquê a nós? Não percebíamos. E o futebol não parou, muitas competições… Passar por isto, nessa fase, foi a fase mais difícil da minha vida.”

É o momento mais pessoal e mais duro de toda a entrevista. Cristiano Ronaldo não esquece a intensidade da dor que sentiu aquando da morte de um dos filhos gémeos durante o parto e é fácil perceber que o episódio o marcou profundamente. Numa ligação visível que explora mais à frente, nota-se desde logo que o jogador português sentiu que fico algo isolado quando tudo aconteceu.

“Vamos ser sinceros, nos últimos anos o futebol mudou e é um negócio. Não entendo. Tratam os jogadores como pedaços de carne. Quando querem, tratam de ti. Quando não, dificultam-te a vida.”

Mais uma vez, Cristiano Ronaldo volta a vincar que começou a jogar futebol há mais de duas décadas e inserido numa geração que não é a atual. O avançado do Manchester United está a partilhar o relvado com jogadores que nasceram depois de ele se ter tornado profissional — como o próprio António Silva recordou recentemente — e parece não se sentir adaptado e integrado na forma como o futebol é vivido e interpretado nos dias de hoje. Ronaldo, um dos maiores responsáveis pelo início da era dos agentes e empresários através de Jorge Mendes, critica o que a era dos agentes e dos empresários fez à modalidade.

“Parece que sou a ovelha negra. Se fazes bem ou mal, vão sempre criticar-te… Até mesmo na Seleção Nacional. Nos últimos três meses as críticas foram tantas. Profissionalmente e familiarmente. Surpreendeu-me imenso. Mostraram-me como uma má pessoa, o que não é verdade. As pessoas têm de saber o meu lado. O que disseram nos últimos meses é um lixo. 99% é lixo.”

Pela primeira e única vez ao longo de toda a entrevista, Ronaldo estende as mágoas à Seleção Nacional e não se fica apenas pelo Manchester United. Na ótica do capitão português, o facto de ser elogiado quando tudo corre bem faz com que também seja o primeiro a ser criticado quando tudo corre mal. Na verdade, olhando para a entrevista a Piers Morgan na íntegra, que o apresentador diz que foi pedida pelo próprio Ronaldo, fica claro que o experiente jogador nunca se habituou a ser destacado por más exibições ao invés de noites brilhantes em Old Trafford, no Santiago Bernabéu ou no Allianz Arena.

“As pessoas esquecem-se de que sou um ser humano. Falei com os diretores e presidente do clube e eles não acreditaram bem que algo que se passava. Fez-me sentir mal. Nunca vou trocar a saúde da minha família pelo futebol. Duvidaram da minha palavra. Não fui para a pré-temporada por causa disso, por não ter sido autorizado a ficar com a minha família. Não era justo deixá-los. Por isso não fui.”

A explicação que faltou ao longo de todo o verão. Cristiano Ronaldo não compareceu na pré-época do Manchester United, não viajou com a equipa na digressão preparatória e falhou o início dos trabalhos com Erik ten Hag — mas nunca ninguém soube, ao certo, o porquê. Agora, já em novembro, o capitão da Seleção decide revelar que a filha recém-nascida esteve internada com um problema de saúde grave e que o Manchester United não terá acreditado nessa versão. Pela primeira vez na carreira — ou, pelo menos, por uma das primeiras vezes –, Ronaldo assume que colocou algo à frente da profissão.

“Senti-me provocado pelo treinador. Não permito que um treinador me coloque apenas três minutos para jogar. Peço desculpa, mas não sou esse tipo de jogador. Não tenho respeito pelo Ten Hag porque ele não me respeita a mim. E, se não tens respeito por mim, nunca terei respeito por ti.”

O corte total com Erik ten Hag. Cristiano Ronaldo assume que recusou entrar no jogo contra o Tottenham — quando saiu do relvado nos instantes finais depois de ter sido chamado pelo treinador –, não mostra grandes arrependimentos apesar de ter sido castigado e ter feito um mea culpa público e confirma que não tem qualquer relação com o neerlandês. Se era certo que existia alguma animosidade entre os dois, fica confirmado que o português nem sequer quer dar uma oportunidade a uma eventual reconciliação.

“Não vou estar muito mais tempo no Manchester United, estou em fim de contrato, eu percebo isso. Mas gosto de que sejam frontais e honestos (…) Não sei, talvez seja o melhor para o Manchester United, e o melhor para mim, ter um novo capítulo.”

O pontapé de saída para um novo passo. Se toda a entrevista deixa a situação de Cristiano Ronaldo muito fragilizada no universo do Manchester United, entre críticas, acusações e mágoas, esta frase abre definitivamente a porta a uma saída já em janeiro ou no final da temporada. Seja como for, seja para onde for, o jogador português não estará em Old Trafford em 2023/24.

“Sinto que estão a tentar forçar a minha saída. Senti-me traído. Não devia dizer isto, mas não quero saber. Há pessoas que não me querem aqui e não é só este ano, no ano passado também. Os Glazer não querem saber do clube, da vertente desportiva.”

A frase que explodiu no domingo à noite e que deu origem a vários dias de circo mediático e curiosidade sem limites. Cristiano Ronaldo está magoado com o Manchester United, entre a forma como a tragédia familiar foi interpretada, as atitudes de Ten Hag e inépcia do clube na hora de o defender, e já não pretende esconder o que sente. Pelo meio, não poupa a família Glazer, que é dona do clube inglês — e recorda inúmeras vezes David Gill, CEO dos red devils aquando da primeira passagem por Old Trafford.

“Dia após dia nós vamos envelhecendo. Não quero ser arrogante e dizer que sou o mesmo que quando tinha 20 anos (…) Quero jogar mais dois ou mais três anos. Quero retirar-me com 40 anos, é uma boa idade.”

Tal como tem referido várias vezes ao longo do tempo, Ronaldo pretende continuar a jogar até aos 40 anos. Ou seja, pelo menos até 2025. Uma meta que levanta duas dúvidas: onde é que vai jogar e se deixa ou não a Seleção Nacional antes de terminar definitivamente a carreira.