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Alice Azevedo decidiu criar um espetáculo depois de descobrir um artigo de uma revista lésbica portuguesa de 1993
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Alice Azevedo decidiu criar um espetáculo depois de descobrir um artigo de uma revista lésbica portuguesa de 1993

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Alice Azevedo decidiu criar um espetáculo depois de descobrir um artigo de uma revista lésbica portuguesa de 1993

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

“A palavra lésbica nasce no século XIX”. No teatro, Alice Azevedo pergunta: “Antes há o quê?“

Até 24 de fevereiro, a atriz e encenadora leva ao Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, "Se não és lésbica, como é que te chamas?", texto original sobre a história das palavras — e da falta delas.

A atriz e encenadora Alice Azevedo tem uma lista com “títulos para futuros espetáculos”. São expressões ou frases insólitas que descobre e regista. Há dois anos, tropeçou numa cópia do primeiro número da revista lésbica portuguesa Lilás, de 1993. Estava na exposição Adeus Pátria e Família, no Museu do Aljube, em Lisboa, uma mostra sobre a resistência da comunidade LGBT durante o Estado Novo e após a revolução. Fixou-se num artigo da revista, cujo título era: “Se não és lésbica, como é que te chamas?”.

A pergunta dá nome ao espetáculo levado à cena no Teatro do Bairro Alto (TBA), em Lisboa, de 21 a 24 de fevereiro. É escrito, encenado e interpretado por Alice Azevedo, que em palco se junta às atrizes Teresa Coutinho e Cristina Carvalhal.

Se o texto da Lilás era “uma reflexão sobre sair do armário”, a peça “não é só sobre lésbicas”, explica a encenadora aos jornalistas após um ensaio. Se não és lésbica, como é que te chamas? é antes “sobre palavras, esses rótulos e caixinhas de que algumas pessoas tanto gostam que outras tão violentamente odeiam”. “Vamos descobrir como é que as lésbicas se chamavam antes de se chamarem lésbicas”, sugere a criadora, que se propôs a contar a história da génese da palavra “lésbica” recorrendo a uma pesquisa histórica, com figuras literárias, mitologia grega e algum humor à mistura. “Na história da sexualidade e do género era tudo mais ou menos a mesma coisa para a sociedade heterossexual ou patriarcal”, denuncia. “A palavra lésbica nasce no século XIX. Em bom rigor histórico, se calhar não há lésbicas antes do século XIX. Nem homossexuais. Antes há o quê?”, provoca.

Durante quatro dias, o palco do TBA tem cadeiras, mesas e um balcão onde se servem bebidas. É um bar lésbico frequentado por três mulheres, sublinha o texto da folha de sala do espetáculo

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Três lésbicas entram num bar

Durante quatro dias, o palco do TBA tem cadeiras, mesas e um balcão onde se servem bebidas. É um bar lésbico, sublinha a folha de sala, frequentado por três mulheres. “Decidi que fosse passado num bar porque na comunidade LGBT em geral, mas na lésbica em particular, é um exemplo de espaço de comunidade, de luta política, mas também simplesmente um espaço de encontro, partilha ou pertença”, sustenta Alice Azevedo, antes de apontar que “os bares lésbicos têm o fenómeno internacional de virem todos a fechar”.

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Foi em 2021 que as norte-americanas Erica Rose e Elina Street realizaram a curta-metragem The Lesbian Bar Project, que acompanha o declínio dos bares lésbicos nos Estados Unidos da América. Segundo o documentário, nos anos 1980 havia perto de 200 bares lésbicos no país. Atualmente, restarão menos de 30. “Em Lisboa também temos esse fenómeno”, compara a encenadora, evocando os seus tempos de adolescente. “Não quer dizer que não continuem a haver espaços que as lésbicas frequentem, mas muitos desses espaços, marcadamente lésbicos, fecharam”. O filme não dá respostas, mas “lança propostas”, diz. “Uma das análises é que a comunidade lésbica que sai à noite não é feita de pessoas endinheiradas e um bar é um negócio. Que não tem necessariamente de fazer lucro, se não for essa a intenção dos donos, mas tem de fazer dinheiro suficiente para se manter aberto. Há essa proposta de análise e há outras, mas facto é que eles fecham.”

Isaac Veloso, “o DJ do bar”, mas também o desenhador e operador de som do espetáculo, vai criando o ambiente sonoro que acompanha a viagem pela literatura lésbica, com direito a uma “reunião de lésbicas da história”, que coloca as escritoras Vita Sackville-West e Virginia Woolf em diálogo (a correspondência amorosa entre ambas já foi tema no cinema e no teatro também), e a uma reflexão sobre a evolução da gíria (desfilam termos como “sapatona”, “sandalinha” ou “salto alto”).

“Já acreditei que o teatro podia salvar o mundo. Hoje não sei como é que vamos conseguir salvar o mundo, mas acho que não é para isso que o teatro serve. Quando muito, serve para pensarmos"
Alice Azevedo, atriz e encenadora

“Penso sobre rótulos há muito tempo”, solta Alice, que quis fazer durante uma hora e meia uma “reflexão sobre palavras, conceitos e definições sobre o que é que as pessoas são, deixam de ser ou porque é que foram”, consciente de que a história que traz ao palco do teatro lisboeta “é uma história também muito branca, muito europeia, não é uma história universal, não é uma história abrangente”.

Ao invés de diabolizar os rótulos, a criadora considera-os “essenciais para a nossa comunicação”. “No que toca especificamente à comunidade LGBT, os rótulos servem para muitas coisas. Falamos de rótulos e de identidade como sendo a mesma coisa. Uma identidade é uma coisa que tem muitas dimensões. Uma identidade é aquilo que sou, no meu ser, no meu íntimo, aquela ideia de como é que me identifico. Mas também é como é que os outros me veem e também como é que essas duas coisas coexistem”.

A peça é pontuada por momentos que se aproximam do registo de conferência, em que as atrizes se dirigem diretamente ao público evocando o formato de uma TED Talk

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

Licenciada em Estudos Artísticos – Artes do Espetáculo pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e com um passado ligado ao “ativismo LGBT, feminista, trans”, Alice Azevedo não está atualmente vinculada a nenhuma organização (chegou a integrar a comissão organizadora da Marcha do Orgulho LGBT de Lisboa). “Ativismo não faço desde 2020. Mas a política em si existe sempre nas nossas vidas, não é uma escolha. Há muitos temas que me interessam falar, seja a sério, seja a brincar, que são políticos, forçosamente”, comenta. O seu último espetáculo, Nau Nau Maria (uma coprodução com o Teatro Nacional D. Maria II, que correu o país na Odisseia Nacional em 2023), “foi sobre as invasões portuguesas e as colonizações portuguesas durante o século XV, XVI, XVII”.

Em 2024, no teatro, enquanto artista, interessa-lhe “pensar em voz alta, fazer perguntas, mais do que dar respostas ou explicar coisas”. “Não quer dizer que não possa a ter um bocadinho disso, mas tem muitas outras coisas”, resume. “Já acreditei que o teatro podia salvar o mundo. Hoje em dia não sei como é que vamos conseguir salvar o mundo, mas acho que não é para isso que o teatro serve”, constata. “Quando muito, serve para pensarmos.”

“Há pessoas que saem de peças que foram ver e que consideraram demasiado políticas, panfletárias, explicativas, pedagógicas, todo esse rol de palavras, e dizem: parecia que me estavam a dar uma aula! Penso: bom, das duas uma, ou aprendeste alguma coisa ou não aprendeste. Se aprendeste, se calhar precisavas da aula. Se não aprendeste é porque a aula não era para ti”, conta ainda. Esta peça dá uma aula?, questionamos. Alice hesita. “Mais do que uma aula, espero que seja uma partilha”, responde. De pensamentos e questões. Ou não fosse o título do espetáculo uma pergunta.

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