Depois de promessas na Convenção de Viana do Castelo e de um “congresso eleitoral” com vários oradores e 25 compromissos (mas onde o programa não ficou conhecido na íntegra), André Ventura fez uma apresentação de mais de 50 minutos com as bases com que o partido vai a votos no próximo dia 10 de março — num programa de 176 páginas que contrasta com o documento de nove de 2022.

Além de propostas mais abrangentes e já conhecidas (como aumentar as pensões ou fazer a reposição do tempo de serviço dos professores), há outras novidades mais particulares como “combater a zoofilia“, criar “formações para jornalistas” para elevar o padrão da qualidade da profissão ou “reintroduzir os símbolos nacionais nos tribunais”.

Há um número que está sempre na boca de André Ventura: 20 mil milhões de euros, sendo apresentado como o custo anual estimado da corrupção em Portugal. E é com base nesse valor que o Chega se propõe a pagar grande parte das propostas do programa eleitoral, sendo que os valores não estão bem explicados: na apresentação o líder do partido conservador disse que tem como objetivo que “menos 20% desse valor consiga dar entrada na economia lícita“; no debate com Paulo Raimundo disse que seria entre 10 e 15% e no programa em si fala de 20%. Mais, além disso, vai criar o protocolo zero economia paralela, “com o objetivo de em seis anos recuperar tendencialmente todos os valores movimentados no âmbito da economia paralela para a economia nacional (cerca de 89 mil milhões de euros ano)”.

Ora, se a questão do valor recuperado da corrupção terá de ficar para mais tarde, o partido sempre assegurou que tinha um plano para combater a corrupção e apresenta-o, pela primeira vez, no programa eleitoral para as eleições legislativas de 2024 — uma total novidade em comparação com o documento com que foi a votos há dois anos.

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Entre as 21 propostas para esse assunto, destaque para a criação do crime de enriquecimento ilícito relativo ao período de exercício do cargo pelos titulares de cargos políticos e titulares de altos cargos públicos, a reforma do sistema de apreensão — com o Chega a propor que “o património seja eficazmente apreendido, mesmo antes da condenação final” quando há “suspeitas fortes” — e o aumento de penas, com a sugestão de que as penas mínimas não possibilitem a suspensão da pena, e o aumento do prazo de prescrição de crimes como o tráfico de influência, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, corrupção e participação económica em negócio.

Além disso, o Chega pretende também criar sanções acessórias como “a proibição de exercício de funções públicas por 10 anos” ou proibição para que titulares de cargos políticos e altos cargos públicos exerçam funções, remuneradas ou não remuneradas, “em quaisquer instituições tuteladas pelo Governo, sem que previamente seja cumprido um período de nojo de oito anos”. E também a regulamentação de “regras de transparência aplicáveis a entidades privadas que realizam representação legítima de interesses (“Lobbying”) junto de entidades públicas”, além do reforço da fiscalização e controlo em várias entidades públicas.

Castração química e prisão perpétua mantêm-se

No que toca à justiça, o Chega insiste na introdução no código penal da castração química de “caráter temporário e para reincidentes”, mas também da pena de prisão perpétua com revisão depois de cumprida parte da pena. Pretende ainda rever as prescrições de penas no que diz resposta a crimes contra crianças e crimes de natureza económica e também o aumento de penas para os crimes de violência doméstica e de cariz sexual. Ainda no que toca à lei, a proposta de reversão da lei das drogas.

Ainda na reforma da justiça, Ventura pretende que pelo menos metade dos membros do Conselho Superior de Magistratura e do Mistério Público devem ser eleitos pelos seus pares, garantindo que essa seleção levaria a “menos interferência do poder político”. Pretende que os tribunais que foram encerrados, “nomeadamente durante governos do PSD”, sejam reabertos em breve e que haja mudanças no interior, nomeadamente com para “reintroduzir a utilização dos símbolos nacionais e de justiça nos tribunais, recuperando mobiliário e objetos representativos da cultura portuguesa”.

No que toca à polícia, além da muito prometida equiparação do suplemento de risco que foi atribuído à Polícia Judiciária à PSP e GNR, o Chega pretende que a profissão de agente das forças de segurança seja considerada de desgaste rápido e que os membros destas entidades possam ter “direito à filiação partidária”. Quanto aos bombeiros, Ventura destacou também o reconhecimento de uma carreira profissional para os voluntários.

E pretende ainda “evoluir” o Serviço Nacional de Saúde para um “sistema nacional de saúde” com a “integração de todo o setor público, privado e social, formalizando parcerias público-privadas (PPP), e assegurando que sempre que os tempos de espera máximos forem atingidos “o Estado tem a obrigação de referenciar os utentes para atendimento nos sectores privado ou social”. Na área da saúde o Chega pretende também reconhecer a profissão de médico e enfermeiro como de “alto risco e desgaste rápido”, mas também criar o cheque de saúde mental, “assegurando o acesso aos cuidados de saúde mental necessários sempre que o SNS não consiga garantir resposta”.

O “desígnio nacional” de atribuir uma pensão mínima equivalente ao salário mínimo a todos os idosos é, assumidamente por André Ventura, a proposta “mais cara” do programa. As contas do partido apontam para uma despesa entre os 7 e os 9 mil milhões de euros, com o presidente do partido a explicar que o intuito é atingir o objetivo final em seis anos, o que representa um aumento de 7% em despesa face ao PIB. Na primeira fase a pensão deverá ser igualada ao valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS) e numa segunda ao Salário Mínimo Nacional.

Na habitação há a intenção de abolir o IMT (Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis) na aquisição de habitação própria permanente, bem como do pagamento de IMI (Imposto Municipal sobre (Imposto Municipal sobre Imóveis) no caso de habitação própria permanente. No programa do Chega há ainda uma referência à isenção do pagamento de IVA na aquisição da primeira habitação, mas o partido admite tratar-se de um erro, sendo que está em causa a proposta para isentar do pagamento de IVA a construção da primeira habitação. Esta medida chegou a ser apresentada — por lapso já corrigido — como isenção de IVA na “aquisição”, o que não seria possível, já que a aquisição não paga IVA. Paga, sim, IMT.

O programa eleitoral do Chega propõe ainda o restabelecimento do crédito jovem bonificado para quem deseja adquirir a primeira habitação, com “taxas de juro bonificadas para os empréstimos concedidos a jovens até aos 35 anos”. André Ventura anunciou também que o Estado poderá ser uma espécie de fiador dos jovens, sendo a “garantia” de que podem adquirir casa quando os rendimentos ou o património que têm não são aceites pelo banco. E revelou ainda que haverá a aplicação de uma taxa de 10% nos arrendamentos a alunos do ensino superior nas diversas cidades universitárias, garantindo assim que há um “incentivo aos proprietários para que coloquem estas casas no mercado e no âmbito do arrendamento a estudantes e não a quaisquer outros”.

A recuperação integral do tempo de serviço dos professores é uma das prioridades do programa do Chega, estando estabelecida uma meta num “prazo máximo de quatro anos, com possibilidade de antecipação do prazo em função das negociações com os sindicatos do setor”, mas também a atribuição de ajudas de custo a professores que se encontrem deslocados a mais 100 quilómetros de casa e a possibilidade de dedução das despesas de alojamento e deslocação em sede de IRS.

O partido conservador considera que tem de haver uma reintrodução dos exames finais nos três ciclos de ensino e no ensino secundário “com consequências efetivas na transição ou reprovação dos alunos”, um reforço da colocação de psicólogos nos estabelecimentos públicos do ensino básico e secundário, mas também a garantia de que a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento passa a ser “opcional e o seu currículo assegure imparcialidade ideológica, priorizando a inclusão de conteúdos voltados para a literacia democrática e financeira”.

Quanto à imigração, o Chega quer, desde logo, reverter a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), “estabelecer quotas anuais para a imigração assentes nas qualificações, nas reais necessidades do mercado de trabalho do país e nas mais-valias que os imigrantes possam trazer a Portugal” e também “revogar o acordo de mobilidade entre os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, consequentemente, acabar com a autorização de residência automática aos imigrantes da CPLP”.

No programa é ainda revelada a intenção de criar o “crime de residência ilegal em solo português e impedir a permanência de imigrantes ilegais em território nacional”, com a ressalva de que quem for encontrado nessas circunstâncias fica “impedido de regressar a Portugal e legalizar a sua situação nos cinco anos seguintes”. Por outro lado, o Chega quer também “regular o acesso a apoios sociais, definindo como período mínimo de 5 anos a contribuição para o Estado Português antes de poder usufruir de qualquer tipo de benefício”. E propõe retirar a nacionalidade portuguesa a cidadãos com mais do que uma nacionalidade que comentam crimes violentos.

Apesar de “garantir a permanência dos requerentes de asilo nos centros de acolhimento temporários, enquanto os pedidos aguardam deferimento”, o Chega tem no programa que há a intenção de “impedir o avanço do fundamentalismo islâmico e garantir que as novas comunidades respeitam a lei da liberdade religiosa, os direitos humanos, nomeadamente os direitos das mulheres e crianças”.

No que toca a impostos, tal como já tinha sido anunciado, o Chega quer um IRS com “duas taxas marginais de 15% até aos 39.999 euros e de 30% a partir de 40.000 euros, com isenção de pagamento para quem receber até aos mil euros mensais”, isentar os jovens até aos 35 anos de IRS até “perfazerem um total de 100 mil euros de rendimentos desde o início da sua carreira” e isentar deste imposto o 15.º salário. Há ainda a intenção de introduzir uma taxa única de IRC de 15% para as regiões autónomas e para o interior do país e de 18% para o resto do território.

No que toca aos jovens, o Chega pretende ainda “isentar progressivamente de IRC os jovens empresários, jovens agricultores e empreendedores, até aos 35 anos” e “alargar a gratuitidade do passe para todos os jovens estudantes ou trabalhadores até aos 30 anos”. O Chega pretende também aumentar a licença parental para 12 meses, permitindo que seja repartida pelos progenitores.

Pretende aplicar a taxa de IVA reduzida (6%) à eletricidade e gás, “reintroduzir o IVA zero para bens alimentares essenciais e proceder ao alargamento da lista anteriormente aprovada, assim como aplicar a taxa de IVA reduzida (6%) para a restauração” e “reduzir o IVA do gasóleo e da gasolina para a taxa intermédia de 13% e eliminar o adicional ao Imposto Sobre Produtos Petrolíferos”.

O Chega propõe também aumentar o investimento na defesa nacional para 2% do PIB, aumentar o número de efetivos nos três ramos e “afirmar o princípio constitucional de Forças Armadas compostas exclusivamente por cidadãos portugueses“.

No que toca à reforma do sistema político, o Chega pretende criar um círculo de compensação nacional, reduzir o número de deputados para um número entre os 100 e os 180, reduzir o número de ministérios para 12 e reformar o modelo de financiamento de partidos, desde logo pondo fim às isenções fiscais e clarificando a lei das subvenções. Quer também “acabar com a acumulação de pensões e com as pensões vitalícias associadas a cargos políticos, administrativos e judiciais” e “alterar o regime de imunidades por se considerar que a imunidade parlamentar não é, nem pode ser, encarada como um privilégio individual dos deputados”.

No programa eleitoral, o Chega entende ser necessário “estabelecer programas de formação para jornalistas e profissionais de comunicação social, mais focados em competências digitais, jornalismo de investigação e reportagem, a fim de elevar o padrão do jornalismo e adaptá-lo às novas exigências do mercado e às expectativas dos cidadãos”. Bem como pretende “criar um Fundo de apoio à comunicação social destinado a apoiar financeiramente os órgãos de comunicação social de âmbito regional e local”.