A decisão foi ganhando forma ao longo do dia, conforme o ministério das Infraestruturas e da Habitação ia sendo cada vez mais cercado com a pergunta: o ministro sabia da indemnização paga a Alexandra Reis pela saída da TAP em fevereiro? E isto porque na caixa do correio do secretário de Estado Hugo Mendes estava, desde essa altura, uma comunicação da administração da TAP sobre o resultado da negociação para a saída da gestora: 500 mil euros brutos de compensação pela cessação do contrato. O secretário de Estado sabia, por isso, demitia-se, era certo. E o ministro?

O ministro é Pedro Nuno Santos, que é também o nome mais batido para o pós-costismo no PS. É um peso-pesadíssimo no socialismo de hoje, com braços na esmagadora maioria das distritais do partido e a face da esquerda socialista. Um perfil que mostra a delicadeza da resposta à pergunta sobre a sua própria saída. Mas Pedro Nuno, que falou com o primeiro-ministro várias vezes ao longo deste dia, não teve grandes dúvidas, à medida que a tarde avançava, de que era inevitável seguir caminho: ninguém acreditaria que a informação que estava no Ministério não tinha chegado ao ministro e o facto de não ter chegado era, em si mesmo, um problema.

No topo do Executivo, imperava a mesma convicção: feitas as diligências formais para apurar toda a verdade junto da TAP e enviada a informação prestada pela empresa à CMVM e à Inspeção-Geral das Finanças — num caso em que o Governo sabia que, para fazer um verdadeiro controlo de danos, teria de agir “com transparência” e “com base em informação e não no diz que disse” — faltava a avaliação política. E, tendo sido sabido, por estes dias, que o secretário de Estado das Infraestruturas tinha em sua posse a informação sobre o acordo, tornava-se “absolutamente vital tomar uma decisão política”, explica um governante ao Observador.

Aqui, a conclusão seria firme: “Ou o ministro sabia ou tinha obrigação de saber”. Não sabendo, a falha continuava a ser “grave” e não se resolvia com a saída de Mendes. Uma convicção que se juntava ao “clamor na opinião pública” que se ia agigantando, e a que o Governo estava atento, consciente de que a questão nunca poderia ficar resolvida apenas no plano legal — o que a decisão de Medina em demitir a secretária de Estado mesmo antes desse esclarecimento estar feito também já mostrava.

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Como o Observador avançou esta quarta-feira, o ministro das Infraestruturas sabia da existência de um acordo de saída e também sabia que até tinha sido um acordo vantajoso para a TAP, com Alexandra Reis a conseguir um terço do que pretendia inicialmente — o que ficou ontem público com a revelação pelo Governo dos esclarecimentos prestados pela TAP sobre o caso. Pedro Nuno não saberia dos montantes envolvidos. Só que isso já contava pouco nesta fase.

No Governo, entre os elementos que estavam mais próximos do caso, contava-se com a saída de Hugo Mendes. Mas não de Pedro Nuno. “Quando se soube que o secretário de Estado tinha autorizado o acordo, admiti que o secretário de Estado saísse. Não o Pedro Nuno“, comentou um governante com o Observador.

Às oito da noite, a RTP abriu o noticiário com uma resposta oficial das Finanças a dizer que o Ministério não tinha qualquer conhecimento sobre o acordo. O ministro das Infraestruturas estava isolado com a batata quente de uma decisão polémica nas mãos. Mais do que isso, era uma gestora a ser compensada com valores incomuns para o comum dos portugueses e isso não era de somenos para o ministro que mais repete a palavra “povo” a cada intervenção e que representa a ala esquerda socialista há anos, com auge na época em que foi o pivot da geringonça. E isto ainda que a conformidade do acordo à lei — que está a ser avaliada pela Inspeção Geral de Finanças — venha a ser confirmada.

Depois da saída de Alexandra Reis, a perceção que ficou no Ministério foi que o foco incidiu num único elemento: Pedro Nuno Santos e o que ele sabia ou deixava de saber. O ministério que partilha a tutela da TAP, as Finanças, tinha sacudido o problema dos ombros, com o ministro Fernando Medina a demitir a secretária de Estado do Tesouro que estava há pouco mais de 20 dias no Governo, por temer perder a “autoridade política”, e o seu gabinete a garantir que no Terreiro do Paço ninguém sabia do que tinha sido negociado entre TAP e Alexandra Reis.

Outra declaração de peso, durante a noite, mais perto das dez, foi a do Presidente da República. Nos últimos dias foi comentando o caso quase ao minuto e, esta quarta-feira, deu a entender que via a porta do Governo ainda aberta, mesmo depois da saída da secretária de Estado de Medina. “Veremos se é suficiente”, comentou Marcelo que também disse que “quando se chega à conclusão de que se está a pôr em causa a perceção e a afirmação política do Governo, é melhor substituir”.

A questão da perceção política foi precisamente o argumento usado por Pedro Nuno Santos para justificar a sua decisão: “Face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno deste caso, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, entende, neste contexto, assumir a responsabilidade política e apresentou a sua demissão ao primeiro-ministro.” Onze minutos depois, António Costa comunicava que tinha aceitado o pedido.

Entre uma coisa e outra, mais uma declaração de Marcelo, a reforçar o isolamento cada vez maior de Pedro Nuno Santos no caso da TAP. Pouco depois da comunicação das Finanças, o Presidente fazia o reforço positivo: “Eu acredito quando os ministros dizem que não sabiam.”

Para lá de todo este verdadeiro cerco, Pedro Nuno Santos já trazia um desgaste gigante às costas. O mais recente provocado pelo caso que envolvia um contrato de uma empresa do seu pai com o Estado e o mais grave o famoso despacho sobre o novo aeroporto que o primeiro-ministro obrigou publicamente o ministro a revogar (o inicial tinha sido assinado por Hugo Mendes, o secretário de Estado que volta a estar associado a uma polémica, esta fatal para Pedro Nuno). Este último foi o momento mais fragilizador do socialista que muitos no PS acreditam que se manteve no Governo por ser uma das figuras mais aclamadas e mobilizadoras no partido. António Costa também terá tido, então, a perceção que a sua saída podia ter efeitos negativos para a sua própria liderança.

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Pedro Nuno “no limite” — e os recados que deixou antes de sair

Entre os mais próximos do ministro, não há dúvidas sobre um ponto: Pedro Nuno andava “farto”, “no limite”, desgastado pelas várias polémicas que o iam rodeando e a sentir-se crescentemente cercado. Não se coibia de dizê-lo aos seus mais próximos. Houve quem o tivesse aconselhado a abandonar o Governo logo quando rebentou a polémica do aeroporto — incluindo o próprio primeiro-ministro — e do já referido despacho, dada a “humilhação” pública a que sujeitara o seu primeiro-ministro.

Mas, nessa fase, Carlos César terá intervindo para serenar os ânimos e Pedro Nuno quis ficar – como resume uma fonte próxima, fazendo as contas à sua vida política, ainda acharia que era “mais importante estar dentro do que fora”.

No entanto, se o caso do aeroporto fora o primeiro tiro no porta-aviões, esta polémica veio expor uma debilidade indisfarçável: a autoridade política e a autonomia governativa do ministro ficavam irremediavelmente em causa. “Cada dia foi uma pedra em cima dele. Não tinha condições para manter as pastas que tinha e para tirar proveito das reformas” que quis lançar, e que só se notariam a longo prazo, fosse em questões como a ferrovia ou a habitação, para além da TAP.

Ainda assim, quem é próximo do ministro sublinha várias informações “interessantes” nas entrelinhas do comunicado enviado pelo Ministério das Infraestruturas, a começar pela referência ao envolvimento dos serviços jurídicos da TAP – encabeçados na altura por Stéphanie Sá da Silva, casada com Fernando Medina – e passando pela “sociedade de advogados externa” contratada para estes serviços, liderada por Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Presidente da República.

Ou seja, a leitura dos pedronunistas é que o líder da ala esquerda do PS, mesmo tendo a noção de que a situação se tornara politicamente insustentável, não quis sair sem deixar uma série de recados e uma espécie de distribuição de responsabilidades que não ficariam à porta do seu Ministério.

A sequência de acontecimentos já fora notada, também fora do PS: primeiro, a TAP fizera questão de deixar claro, em resposta a questões do Observador, que Stéphanie Sá da Silva não recebera qualquer indemnização quando decidiu sair da empresa por causa da entrada de Medina no Governo. Depois, as Finanças fizeram questão de se retirar da novela governativa, garantindo não ter tido conhecimento do acordo entre a TAP e Alexandra Reis e deixando o ministro das Infraestruturas sozinho nesta fotografia.

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E Pedro Nuno quis incluir a referência aos serviços jurídicos da TAP no comunicado – uma ligação que muitos, nos bastidores, associam às antigas funções de Stéphanie Sá da Silva e que é travada pelo Governo, uma vez que a então diretora jurídica estava fora, a gozar licença de maternidade, nessa altura e não tinha responsabilidade pelos assuntos laborais. No topo do Executivo, as conspirações que não tardaram em envolver a mulher de Medina são liminarmente rejeitadas e classificadas como parte de uma campanha “feia” e “indecorosa”.

Quanto ao futuro imediato de Pedro Nuno Santos, depois de deixar o Governo, pode voltar ao Parlamento onde tem um lugar de deputado eleito por Aveiro, mas ainda ninguém sabe se o fará. A teoria divide-se tanto quanto os cálculos políticos que existem sobre o dia seguinte ao de amanhã para o socialista que todos se habituaram a ver como o futuro do PS.

Frágil, Governo quer “virar a página”: “A vida continua”

Seja como for, o desgaste de Pedro Nuno já vinha de trás e, no núcleo duro do Governo, a demissão é agora vista como um desfecho inevitável depois uma série de meses penosos, tornando-se Pedro Nuno o segundo ministro (depois de Marta Temido) a deixar o elenco governativo em apenas nove meses.

Rombo irreparável para a maioria absoluta de Costa? “Vamos virar a página. A vida continua”, assegura-se no Governo, recordando que o Executivo tem “muito para fazer” e também “muito trabalho para apresentar”, “confortável” que está com os resultados que tem conseguido ao nível do crescimento económico, da evolução das finanças públicas ou do emprego.

O tom estabelecido na entrevista de António Costa à Visão é, por isso, para manter: a turbulência, neste momento, é “normal” e expectável, e o Executivo está apostado em mostrar que consegue “manter o foco” além dos sucessivos casos e continuar a trabalhar: “Ano novo, vida nova”. Mas este está longe de ser o primeiro recomeço que o Governo tenta lançar, em menos de um ano de uma maioria absoluta que se esperava mais tranquila. Resta saber se é desta que consegue fazê-lo.