“Tenho muitos sonhos, mas faço muito poucos planos”. Metade da frase de Paulo Rangel, dita este sábado no programa Alta Definição da SIC, é rigorosa. O eurodeputado sonha ser líder do PSD, mas tem precisamente dedicado os últimos meses a fazer planos sobre como concretizar esse sonho. Esta semana foi uma verdadeira semana R, de Rangel — fundamental na estratégia para chegar à São Caetano à Lapa. Teve uma sondagem favorável para a sucessão (até contra Passos), teve algum protagonismo no evento político da semana (a homenagem a Balsemão) e falou pela primeira vez publicamente sobre a sua homossexualidade no programa Alta Definição, da SIC.
A par de tudo isso, Rangel e a sua equipa desdobram-se em contactos, garantindo — também discretamente — concelhias, distritais ou apoios de peso para as próximas eleições internas no PSD. Rangel está cada vez mais presente. O chefe da delegação do PSD no Parlamento Europeu chega a ter uma agenda mais ocupada que a do líder, não virando as costas a convites de candidatos sociais-democratas. A disponibilidade de Rangel também o aproxima dos autarcas, que não se vão esquecer do apoio do eurodeputado na hora da contagem de espingardas.
A “rota da carne assada” de Rangel foi esta semana intensa e continuará a ser. Se na sexta-feira esteve em Portimão e Monchique, este sábado volta a ter dois eventos no âmbito das autárquicas. E terá encontros graduados no parceiro preferido de coligação do PSD (o CDS), ao lado de quem já liderou uma coligação (a Aliança Portugal, nas europeias de 2014). Às 18h00 estará, em Amarante, com o líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, três horas depois em Vila Real com Nuno Melo, que previsivelmente desafiará o atual líder do CDS após as autárquicas. Rangel e Melo, que já concorreram coligados, estão preparados para tentar o assalto aos respetivos partidos.
No domingo, continua a semana preenchida de Rangel na melhor montra para as diretas: as estruturas locais do partido. Irá a Lamego ao Almoço e estará na apresentação do programa de Vladimiro Feliz no Porto (o que possivelmente afastará Rui Rio). Ainda passará em Gaia na apresentação dos presidentes de junta e em Castelo de Paiva onde fechará a semana que marca o início da última etapa de preparação de uma previsível corrida à liderança do PSD.
Rangel tentou, assim, esta semana livrar-se de todos os fantasmas que podiam ser obstáculos nessa corrida à São Caetano à Lapa, que parece cada vez mais inevitável. E não negou ter o sonho de ser primeiro-ministro: “Não enjeito isso.”
Fantasma 1. A homossexualidade (que não é agora “problema nenhum”)
Paulo Rangel não deixa nada ao acaso e prepara meticulosamente a corrida à liderança. Sabendo que o Alta Definição é um espaço de entrevista mais íntima, foi esse o espaço que escolheu para falar pela primeira vez publicamente sobre a sua homossexualidade. Explicou que, apesar da “tentativa de campanha negra”, a sua orientação sexual “não é problema nenhum, é uma coisa que nunca escondi”.
Os seus adversários já andavam nos bastidores a tentar diminuí-lo pela orientação sexual, algo que acabou por resolver de uma vez numa entrevista de uma hora dada ao entretenimento da SIC. Nessa conversa com Daniel Oliveira, revelou sempre viveu “discretamente“, mas que a orientação sexual “não é segredo”.
Rangel desvalorizou, no entanto, o impacto que a homossexualidade poderá ter nas suas ambições, acreditando que em Portugal a orientação sexual não tem influência na forma como os eleitores escolhem os políticos: “Em Portugal não creio mesmo. Nem agora, que é mais fácil, nem se fosse nos anos 80 ou 90.”
O antigo líder parlamentar do PSD abordou também o assunto com uma referência à relação que tem com Deus e com a fé: “Evidentemente que Deus gosta de nós como nós somos. Deus não está assim tão interessado no que se passa dentro do quarto de cada um”. Paulo Rangel diz que equilibra com naturalidade o facto de ser homossexual e católico: “Jesus nunca faria qualquer discriminação.”
Há onze anos que Paulo Rangel se movimenta num meio liberal, cosmopolita e aberto como são os corredores de Bruxelas. A cultura no Parlamento Europeu é de grande tolerância e há países, no norte da Europa, onde a orientação sexual pouco ou nada conta em termos eleitorais. Em Portugal, mesmo sendo um país evoluído em matéria de direitos dos homossexuais, há ainda a ideia de que ser homossexual pode ser uma menos-valia no combate de um partido como o PSD, que ainda tem alguns setores mais conservadores.
Em 2017, Paulo Rangel era o preferido de Pedro Passos Coelho para avançar para a liderança do PSD, que detinha uma influência quase hegemónica em quase todas as distritais. Luís Montenegro já decidira não avançar e o eurodeputado tinha o caminho aberto para um verdadeiro passeio no parque até à São Caetano que nem Rio conseguiria travar.
Na madrugada de 3 para 4 de outubro quando terminou o Conselho Nacional parecia que Rangel já não poderia recuar. Mas foi isso que fez três dias depois e, a 6 de outubro, acabaria por desistir, alegando “razões de ordem familiar”. Para o partido, a razão de Rangel era só uma: evitar ataques que utilizassem a sua homossexualidade contra ele e, pior, contra a sua família — que queria preservar. Confessou este sábado que a sua mãe (que ainda era viva na altura) se preocupava com a sua exposição pública, também pela orientação sexual, e que isso o limitou em algumas circunstâncias. Agora, para Rangel, este já não é um problema.
Fantasma 2. O regresso de Passos Coelho e a boa sondagem (do país)
Há a ideia no PSD que há um nome que será imbatível caso se decida recandidatar à liderança: Pedro Passos Coelho. Na última convenção do MEL, a aula magna das direitas, o ex-primeiro-ministro negou essa intenção quando questionado sobre o regresso à vida política ativa: “Nada disso, nada disso, nada disso”. Isso não invalida que, do lado dos montenegristas e outros herdeiros do passismo, não alimentem essa ideia e essa esperança.
Na entourage de Rangel a ideia é de que Passos Coelho não vai avançar, mas mesmo nesse plano houve um detalhe que deu força às tropas rangelistas. Uma sondagem da Intercampus para o Correio da Manhã perguntou aos portugueses sobre o futuro de Rio após as autárquicas. Numa das questões, os inquiridos são questionados: “Se Rui Rio se demitir, quem acha que vai ser o novo presidente do PSD?“. Entre as opções estavam Paulo Rangel, Passos Coelho, Luís Montenegro, Rui Rio outra vez, Miguel Poiares Maduro, outros e uma parte significativa (38,9% das pessoas) que não respondeu. Surpresa: Rangel ganhou a todos (até a Passos Coelho, neste caso por pouco).
Contas feitas, nessa mesma sondagem, Paulo Rangel aparece em primeiro com 17,3% dos votos, seguindo-se Passos Coelho com 16,5%, Luís Montenegro com 10,3%, o próprio Rui Rio com 8,8%, Poiares Maduro com 7,8% e 0,3% que dizem que será outro.
Do lado de Rui Rio e dos que não querem Rio nem Rangel, destaca-se que esta sondagem é feita aos portugueses e não aos militantes do PSD. O que significa que, mesmo que seja a convicção da maior fatia dos inquiridos que Rangel segue na frente, a opinião do partido pode ser diferente. A sombra de Passos já não é tanto uma preocupação.
Fantasma 3. A continuidade de Rio e os barões assinalados
A grande dúvida para o pós-autárquicas é se Rio tem condições ou quer continuar à frente da liderança do PSD. Na verdade, o líder do PSD tem sido equívoco e isso condiciona sempre a ação de Rangel. Rui Rio começou por marcar a data em que iria prestar contas: “Há um dia, que é uma segunda-feira [que seria 27 de setembro], que vamos ter os resultados todos das autárquicas e aí eu assumo a responsabilidade por inteiro”.
Mas, logo aí, baixava as expectativas quanto ao resultado: “Se as eleições autárquicas de 2021 correrem pior que as de 2017, isso não é um encontrão para ir para a frente; é um encontrão para eu cair, como é lógico”. Os resultados de 2017 foram tão baixos que não é impossível fazer melhor do que em 2021 (como conquistar mais uma ou duas câmaras). Com estas declarações, Rio ganha margem para dizer após a noite eleitoral — mesmo com resultados modestos — que apesar da pandemia (que na ótica do líder do PSD favoreceu os incumbentes) conseguiu fazer melhor do que Passos. Isso dar-lhe-ia legitimidade para continuar.
Depois disso, o baixar de expectativas continuou. Ainda esta semana Rui Rio defendeu que um grande crescimento autárquico do PSD não será possível em 2021, mas apenas em 2025. O líder do PSD alega que o resultado de 26 de setembro deve preparar terreno para as eleições que se realizam quatro anos depois quando “mais de 70” autarcas do PS ficam impedidos de se recandidatar. O “momento ideal”, garante Rio, para “reconquistar muitas câmaras” seria então 2025.
Ora, isto é Rio mais uma vez a apontar para a frente o que pode significar que — mesmo que não tenha um bom resultado no dia 26 de setembro — pode decidir ficar para voltar a submeter-se a votos nas legislativas de 2023.
Apesar de tudo isto condicionar a estratégia de Paulo Rangel, o eurodeputado — que tem vindo a ganhar balanço no último ano — já está sem margem para não avançar e estará preparado para avançar mesmo contra Rio. O antigo candidato à liderança do PSD (perdeu para Passos em 2010) terá de garantir que conquista (maioritária ou parcial) de distritais importantes como Porto, Braga, Aveiro e Lisboa (todas com realidades diferentes e complexas).
A referência de Balsemão na vistoria a São Bento
Paulo Rangel sempre teve grande aceitação junto dos chamados barões dos partidos. Há 11 anos, apesar de Aguiar-Branco também estar na corrida tinha consigo nomes como Manuela Ferreira Leite, Alberto João Jardim, Miguel Veiga (entretanto falecido) e no último dia de campanha interna (apesar de ser apoiante de Aguiar-Branco), Balsemão convidou Rangel para a reunião anual do Grupo de Bilderberg. Era a prova do estatuto de Rangel.
Rui Rio também tem uma boa aceitação entre os notáveis, daí que haja expectativa para ver como se vão posicionar as várias peças nos próximos meses. Paulo Rangel fez questão de estar presente na homenagem do Governo ao militante número 1 e único dos três fundadores vivos do PSD, Francisco Pinto Balsemão. E não lhe correu mal, tendo ouvido o seu nome por parte do homenageado a partir do palco.
No discurso Balsemão citou estrangeiros como Ignacio Ramonet ou John O’Sullivan, mas o único português que acabou por citar foi Paulo Rangel. Nada a ver com política partidária, mas dando margem para uma leitura política. “Paulo Rangel, em artigo publicado em 2017, resume bem a questão de fundo: ‘O salto tecnológico obriga a repensar a democracia liberal num quadro ‘pós-territorial’ — aquilo a que tenho chamado a democracia ‘pós-territorial’, citou Francisco Pinto Balsemão.
A juntar às teorias conspirativas há a acrescentar que, retirando quem foi convidado por inerência do cargo (e aí havia várias figuras do PSD), por representação institucional, Paulo Rangel (a par de Carlos Carreiras, de quem Balsemão é mandatário em Cascais) foi dos poucos políticos convidados para cerimónia. O eurodeputado esteve também vários minutos à conversa com Manuela Ferreira Leite, a primeira a acreditar que Rangel podia ser líder do PSD. Rui Rio também estava presente, mas não se deteve por perto de Rangel.
No dia seguinte o presdiente do PSD foi forçado a comentar, durante uma ação de campanha na Amadora, as movimentações de Paulo Rangel. O líder do PSD fugiu à questão, dizendo que “está focado em recuperar” autarquias. Antes disso, sobre uma eventual instabilidade no partido — e numa referência ao slogan de Suzana Garcia — Rio atirou: “O PSD está sempre a tremer. Eu não tremo”.
Fantasma 4. O vídeo de Bruxelas e outras “campanhas negras”
Paulo Rangel tem sido vítima de mais atenção mediática nas últimas semanas, algo que o eurodeputado já contava que acontecesse com o aproximar do momento decisivo. Só faltam quatro meses para as diretas. É nessa lógica que o eurodeputado vê as “campanhas negras” de que tem sido alvo. O momento mais mediático foi quando foi divulgado um vídeo em que Paulo Rangel aparece aparentemente embriagado enquanto se dirige para casa.
Rangel não faz ideia de onde veio o ataque, mas os seus apoiantes não excluem que possa ter vindo do próprio PSD. Este sábado disse que não tem dúvidas de que a divulgação do vídeo foi intencional, mas que não sabe de onde: “Não tenho vocação para detetive”. Revelou que nesse dia — ao contrário do que acontece no quotidiano, em que “ferve” em pouca água e “berra” com facilidade — ficou “calmíssimo”.
O eurodeputado terá certamente registado que, no meio da onda de solidariedade (que foi da esquerda à direita), houve um silêncio incómodo: Rui Rio não saiu em defesa de Paulo Rangel.
Um vídeo depois de um excesso num jantar com amigos, há anos em Bruxelas, tornou-se viral. Não sei quem filmou, guardou e só agora divulgou. Deploro que o tenha feito, violando os limites da vida privada. Vida, em que como canta o Sérgio, todos temos glórias, terrores e aventuras
— Paulo Rangel (@PauloRangel_pt) July 19, 2021
Rui Rio poderia alegar que não se pronunciou sobre o vídeo de Paulo Rangel para não amplificar o assunto, mas isso não seria coerente com a posição que teve quando o eurodeputado voltou a ser alvo de um título do tablóide Tal&Qual. O jornal tinha como manchete em letras garrafais a frase: “Eles querem ver Rangel a sair do armário”. E um antetítulo que dizia: “Campanha negra atinge PSD”.
Ao contrário do que acontecera dez dias antes, Rui Rio saiu em defesa de Rangel.
Num regime realmente democrático, a capa da última edição do Tal & Qual sobre Paulo Rangel, deveria levar a uma penalidade brutal sobre o jornal. Mas neste País vale tudo. É a impunidade total para este tipo de comunicação “social”. Basta argumentar com a liberdade de informação.
— Rui Rio (@RuiRioPT) July 29, 2021
Já Paulo Rangel terá respondido àquela publicação de forma tranquila: “Em devido tempo, falarei”.
Fantasma 5. O resultado das europeias, numa campanha em que estava “absorto”
Paulo Rangel é, a par de Passos Coelho, o único cabeça de lista do PSD que venceu umas eleições nacionais (as Europeias de 2009) nos últimos 19 anos (é preciso recuar a Durão Barroso, em 2002). Cinco anos depois dessa vitória, perdeu, mas conseguiu provocar a queda do líder do PS, António José Seguro. Em 2019, voltou a ser candidato às Europeias, mas teve um fraco resultado: 21,94% dos votos.
O eurodeputado assumiu a responsabilidade pelo resultado, mas esforça-se por explicar que houve falta de apoio do líder do PSD, que estava mais preocupado em potenciar o resultado nas legislativas do que em ajudar Rangel nas Europeias. Mesmo na ala dos montenegristas — que ainda não se sabe se avançará com candidato próprio — esta derrota do PSD é mais atribuída a Rio do que a Rangel. Do lado dos rioistas e do próprio Rio não há dúvida: a culpa é de Rangel, por erros de mensagem (afronta direta e agressiva ao Governo) que prejudicaram o resultado eleitoral.
No Alta Definição deste sábado, Paulo Rangel confessou que nessas eleições europeias estava “absorto”, num “estado inerte”, na sequência da morte da mãe, que acontecera semanas antes do escrutínio.
Sobre o seu sucesso eleitoral, tentou mostrar naturalidade pelos altos e baixos: “Os políticos ganham e perdem. Umas vezes são felizes e outras são infelizes”.