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Ukrainian soldiers sitting on the armored vehicle depart for
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Soldados ucranianos próximos da linha da frente em Donetsk, o último reduto ocupado pelos ucranianos no Donbass

SOPA Images/LightRocket via Gett

Soldados ucranianos próximos da linha da frente em Donetsk, o último reduto ocupado pelos ucranianos no Donbass

SOPA Images/LightRocket via Gett

A Ucrânia está a perder a batalha do Donbass. Mas estará a perder a guerra?

Com a conquista de Lysychansk, russos dominam agora quase todo o Donbass. Guerra de "desgaste" fragilizou ucranianos, mas também Moscovo. Kherson pode ser próximo ponto fulcral.

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Estaline disse em tempos que “a artilharia é o Deus da guerra”. A frase foi repetida por um coronel ucraniano, Roman Kostenko, no início de junho, numa conversa com a revista alemã Der Spiegel e ilustra bem o sentimento entre as hostes ucranianas no Donbass. O desânimo acentua-se, à medida que a artilharia russa reduz a pó cidades até há pouco tempo habitadas. “Até um exército incompetente pode destruir um país. Um exército pode não estar muito motivado, mas a artilharia está”, resumiu Jamie Shea, antigo responsável da NATO, ao Wall Street Journal.

A artilharia russa está a conquistar o Donbass e a levar à retirada total do exército ucraniano do leste do país. O golpe mais recente foi a conquista russa de Lysychansk, confirmada este fim-de-semana pela decisão dos ucranianos de retirarem de vez da cidade. Com esta conquista, os russos podem gabar-se de controlarem agora toda a província de Lugansk.

“Até um exército incompetente pode destruir um país. Um exército pode não estar muito motivado, mas a artilharia está."
Jamie Shea, antigo responsável da NATO, sobre o uso de artilharia russa no Donbass

Kiev tenta desvalorizar a derrota, que se segue à perda de Severodonetsk no passado mês de junho. “Perdemos uma batalha, mas não perdemos a guerra”, resumiu o governador ucraniano da província, Serhiy Haidai. Com Lugansk dominada, a Rússia pode agora virar as suas atenções para Donetsk, avançando para cidades como Sloviansk e Kramatorsk. Menos claro é o que fará depois — e se, mesmo com o Donbass conquistado, é possível falar na possibilidade de uma vitória russa nesta guerra.

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Os problemas da Ucrânia: falta de soldados, atraso no armamento e “fadiga mediática”

Depois de uma fase inicial em que o exército russo falhou grande parte dos seus objetivos militares, como a tomada da capital Kiev, os últimos meses foram para Moscovo de avanço lento, mas seguro, no Donbass. Os especialistas militares explicam esse sucesso por vários fatores. Um deles foi a readaptação do exército russo, que unificou o seu comando militar e passou a recorrer mais à “divina” artilharia, destruindo completamente as cidades do leste da Ucrânia. Esta estratégia, porém, só resulta nesta região devido às características do terreno — o Donbass é composto sobretudo por vastas planícies e está mais próximo da fronteira russa, de onde são enviados os reabastecimentos militares para as unidades.

Ukrainian frontline in Donbas

O terreno plano no Donbass favoreceu os ataques de artilharia do exército russo

Anadolu Agency via Getty Images

Esta nova fase de guerra de “atrito” ou “desgaste” tem custado caro a Kiev, mas também tem feito mossa à Rússia. Fontes militares avançaram ao jornal Le Monde que estimam que, atualmente, já terão morrido cerca de 15 mil soldados ucranianos ao longo da guerra — enquanto que a Ucrânia diz já ter morto cerca de 35 mil militares russos. É impossível ter uma noção real do número de baixas do lado ucraniano, já que Kiev, por razões de estratégia e para não influenciar o moral das tropas e da população, não tem divulgado esses números. Um artigo do The New York Times de junho dava conta de que a Ucrânia não tem passado essa informação nem sequer aos países aliados: “Quanto sabemos ao certo sobre a prestação da Ucrânia?”, questionava-se uma antiga funcionária dos serviços de informação norte-americanos ao jornal.

Três meses depois, a leste nada de novo. “Guerra de desgaste” no Donbass será longa e sangrenta

Certo é que a batalha pelo Donbass está a ser sangrenta. E, à medida que mais e mais militares vão caindo em combate, surge um novo problema para os ucranianos: as tropas mais especializadas começam a ser substituídas por homens com menos treino militar. Atualmente, voluntários das forças de defesa territoriais já estão a ser enviados para a linha da frente.

Mas este não é um problema exclusivo dos ucranianos. Com Vladimir Putin a evitar declarar oficialmente guerra à Ucrânia, Moscovo está impedida de decretar uma recruta nacional. Isto significa que neste momento a Rússia apenas envia para a Ucrânia soldados contratados — e tenta completar as suas forças com os chechenos leais a Ramzan Kadyrov e aos mercenários da Wagner. A médio prazo, enfrentará provavelmente um problema de falta de homens. “Já antes da guerra a Rússia tinha dificuldades em reter oficiais júniores”, alerta Philip Wasielewski, investigador do Foreign Policy Research Institute. “Para além disso, quem irá treinar os novos soldados? Na Rússia, o treino é dado ao nível das unidades individuais, mas muitos dos oficiais estão neste momento com as suas unidades na Ucrânia”, acrescenta este antigo agente da CIA, que considera que o exército russo está “a comer as suas sementes”.

A falta de soldados começa já a ser visível no terreno. O Institute for the Study of War (ISW) alertou como, no passado sábado, foi anunciado o envio de um batalhão de voluntários da 200.ª Brigada Motorizada da Frota do Norte para a Ucrânia. Este batalhão, porém, é composto sobretudo por “reservistas, voluntários, polícias militares, membros das unidades de defesa costeira e marinheiros” com pouca experiência militar.

A Ukrainian soldier smokes a cigarette after checking the

O número de mortes elevado de soldados em ambos os lados deixa Rússia e Ucrânia com dificuldade em arranjar pessoal especializado

SOPA Images/LightRocket via Gett

E talvez o sinal mais claro de que nem tudo corre a 100% para o Kremlin venha das queixas que se vão ouvindo nos setores mais nacionalistas russos. Veja-se o caso de Igor Girkin — o antigo combatente russo no Donbass que terá sido responsável pelo abate do avião MH17 —, que no seu canal do Telegram tem comentado livremente a ofensiva russa e que, recentemente, questionou a importância da tomada de Lysychansk. Segundo o ISW, Girkin afirmou que os objetivos desta “segunda fase da operação especial” não estão a ser atingidos, já que, independentemente das conquistas militares, os soldados e equipamento russos estão a sofrer com a resposta ucraniana e à beira de perder forças — e moral.

Os russos, porém, têm neste momento uma outra vantagem face à Ucrânia: o armamento disponível. Numa fase da guerra onde a artilharia parece estar a decidir quem tem a vantagem no terreno, os ucranianos têm reforçado os seus pedidos de apoio ao Ocidente. Os Estados Unidos, sobretudo, têm correspondido, mas dificilmente os seus envios farão diferença para já no Donbass. Os lançadores de rockets HIMARS prometidos por Washington, por exemplo, só chegarão à Ucrânia em meados deste mês. E qualquer armamento deste tipo exige que seja dado treino aos soldados ucranianos para o saberem utilizar, o que demora sempre tempo.

Kiev teme também o efeito de “fadiga mediática” da guerra no Ocidente, o que pode levar líderes políticos a quererem reduzir o apoio em armamento à Ucrânia. Os analistas militares são claros: se não continuar a receber esse apoio, o país não tem forma de conseguir vencer a Rússia. “Sem esse apoio, a Ucrânia pode ser desgastada e economicamente estrangulada ou então ficar a combater uma guerra prolongada e sangrenta ao longo de anos”, resumem os analistas do think tank militar britânico Royal United Services Institute (RUSI), num relatório publicado há apenas três dias.

“Batalha decisiva” não será Donbass, mas talvez Kherson

Vladimir Putin reagiu à conquista de Lysychansk com palavras que têm em conta o sangramento a que as suas tropas têm sido sujeitas na batalha do Donbass: “As unidades que tomaram parte nas hostilidades ativas e alcançaram sucesso e vitória na direção de Lugansk devem certamente descansar e aumentar as suas capacidades de combate”, declarou o Presidente russo.

UKRAINE RUSSIAN WAR

A cidade de Lysychansk foi arrasada pela artilharia russa, com todas as infraestruturas destruídas

Los Angeles Times via Getty Imag

A conquista da província de Lugansk representa, sem dúvida, uma pequena vitória para a Rússia. Mas não é tão claro se é uma vitória decisiva que poderá alterar o rumo da guerra ou ditar uma rendição ucraniana. Aqui, tudo depende da perspetiva de cada um. Veja-se a opinião de Henry Kissinger — que em maio aconselhou a Ucrânia e o Ocidente a não tentarem “esmagar a Rússia”: “Se a Rússia ficar por onde está agora, terá conquistado 20% da Ucrânia e a maioria do Donbass, a sua região principal em termos de indústria e agricultura, bem como uma faixa de terra ao longo do Mar Negro. Se ficar por aí, é uma vitória, independentemente dos desafios que teve no início”, declarou o antigo secretário de Estado norte-americano em entrevista à Spectator.

Henry Kissinger avisa Europa que deve terminar guerra rapidamente e não tentar esmagar a Rússia

É por isso que há quem especule que Putin poderá querer tentar aplicar um cessar-fogo, assim que o Donbass estiver totalmente conquistado. Mas um cessar-fogo não significa necessariamente um acordo de paz, nem o fim da guerra. Do lado ucraniano, a convicção é a de que não devem ser feitas concessões à Rússia e que, após um cessar-fogo, haverá novo ataque com força redobrada: “Eles vão continuar até serem travados”, afirmou ao Wall Street Journal Andriy Zagorodnyuk, conselheiro do Presidente Zelensky.

A definição de “vitória” é intrinsecamente política e depende dos olhos de quem a vê. Scott Boston, analista militar do think tank RAND, aponta para o facto de o avanço militar russo no Donbass ter sido de poucos quilómetros por dia. A manter esse ritmo para tentar conquistar outras zonas do país, a Rússia teria pelo menos mais um ano de guerra pela frente e, mesmo assim, “ainda faltaria muito da Ucrânia”. “Essa não é uma proposição séria”, disse o analista ao Washington Post, lembrando a quantidade de soldados russos que morreriam durante esse período.

O que acontecer daqui para a frente nesta guerra depende de vários fatores. Os planos da Rússia não são conhecidos, mas os da Ucrânia também não. Os analistas do RUSI definem que, para manter a esperança de algum tipo de vitória, a Ucrânia tem de passar à ofensiva.

“A batalha do Donbass não vai ser a batalha estratégica [da guerra] da Ucrânia. Essa batalha terá lugar, provavelmente, no sul.”
Neil Mervin, analista militar do RUSI, referindo-se à região de Kherson

Kiev tentou fazê-lo nos últimos dias, ao anunciar a reconquista da Ilha da Serpente. E, apesar de territorialmente a ilha representar pouco, em termos militares esta é uma conquista altamente relevante, porque pode ajudar a desfazer o bloqueio naval que os russos têm em vigor no Mar Negro e que tem impedido a Ucrânia de exportar cereais. Igor Girkin é, uma vez mais, a voz russa que põe água na fervura de Moscovo: “De um ponto de vista militar, esta decisão [de retirar] é infelizmente correta. De um ponto de vista político, é sem dúvida uma derrota”, afirmou.

Reconquistas semelhantes no Donbass, como promete o Presidente Volodymyr Zelensky são, porém, pouco prováveis — e até militarmente irrelevantes, já que cidades como Severodonetsk e Lysychansk estão arrasadas, sem infraestruturas funcionais e praticamente sem habitantes. É por isso que o leste do país pode já não ser o local que irá definir o rumo desta guerra, como afirmou o analista militar Neil Mervin à Reuters: “A batalha do Donbass não vai ser a batalha estratégica [da guerra] da Ucrânia. Essa batalha terá lugar, provavelmente, no sul”.

Em concreto, a região de Kherson pode ser decisiva. Ocupada e controlada pelos russos quase desde o início da ofensiva, em fevereiro, tem sido recentemente alvo de contra-ataques por parte dos ucranianos, que conseguiram fazer alguns avanços em cidades periféricas nos últimos tempos. Lawrence Freedman, professor catedrático de Estudos de Guerra da King’s College, traça o retrato da situação na região: “Embora a cidade esteja ao alcance da artilharia ucraniana, eles não querem destruir as áreas civis. Portanto vão ter de recorrer a táticas diferentes: aproveitar a precisão das suas novas armas, concentrando-as nas linhas de abastecimento, bases e centros de comando; fazer avanços oportunistas; e usar táticas de guerrilha”.

206th Battalion Of The Kiev Territorial Defence In Mykolaiv

Grupo de soldados ucranianos em localização não revelada, nos arredores de Kherson, onde levam a cabo ações de guerrilha

NurPhoto via Getty Images

Se essa guerrilha for bem sucedida e Kherson for reconquistada, os ucranianos podem ganhar novo ânimo e alterar o rumo da guerra. Mas podem não ser bem sucedidos e ser surpreendidos com uma nova estratégia vinda de Moscovo. No fundo, como resume o major-general australiano Mick Ryan, as guerras são por natureza imprevisíveis e, independentemente do Donbass, tudo continua em aberto: “Os dois lados estão cansados, mas também têm a vontade e os meios para continuarem a lutar a longo prazo. Prever qualquer resultado, com base em vitórias e derrotas táticas e informação limitada, é [um exercício] cheio de perigo.”

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