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Mário Ferreira (terceiro a contar da esquerda) comprou o primeiro bilhete para ir ao espaço em 2006
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Mário Ferreira (terceiro a contar da esquerda) comprou o primeiro bilhete para ir ao espaço em 2006

Blue Origin

Mário Ferreira (terceiro a contar da esquerda) comprou o primeiro bilhete para ir ao espaço em 2006

Blue Origin

A viagem de 11 minutos regada a vinho do Porto do primeiro português a ir ao espaço

Envolto em polémicas em terra firme, Mário Ferreira vai esta quinta-feira ao espaço, tornando-se o primeiro português a passar a fronteira da Terra. A viagem de 11 minutos explicada ao detalhe.

A poucas horas da missão número 22 da empresa espacial Blue Origin, Mário Ferreira é um investidor. É o empresário que lidera o grupo Pluris, detentor de companhias turísticas como a Douro Azul e de empresas de comunicação social como a CNN Portugal.

É também alvo de uma investigação sobre suspeitas de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais em que pediu para ser constituído arguido — a “Operação Ferry”. E protagonista de mais uma polémica financeira, depois de o Banco do Fomento ter anunciado que a Pluris de Mário Ferreira iria receber um empréstimo de 40 milhões de euros ao abrigo do fundo de capitalização para ajudar as empresas a recuperar das dificuldades impostas pela pandemia de Covid-19 — um valor que corresponderia a metade do dinheiro disponível no fundo e que a Pluris, entretanto, recusou.

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Mas pouco depois das 14h30 desta quinta-feira, Mário Ferreira será mais do que isso: completará um sonho que nutre há duas décadas e tornar-se-á no primeiro português a atingir o espaço. A Blue Origin, que o levará ao limite da Terra e aos portões do universo, descreve-o mesmo como “uma pessoa com paixão por aventura”: correu no Dakar em 2007, correu a Maratona de Londres em 2010 e faz mergulho desde os 20 anos. Uma viagem de 11 minutos, adquirida por valores avultados mas desconhecidos, vai juntar o espaço à lista de excentricidades de Mário Ferreira.

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Como vai ser o voo de 11 minutos?

A missão, que é a 22ª a bordo de uma cápsula New Shepard da Blue Origin, empresa de aeronáutica de Jezff Bezos que batizou a nave em homenagem ao primeiro norte-americano a visitar o espaço (Alan Shepard), vai partir da base aeroespacial de testes Corn Ranch, no estado do Texas, às 14h30 de Lisboa na quinta-feira. Dois minutos depois do lançamento, os astronautas experienciam uma força da gravidade pelo menos três vezes superior à que sentiriam em terra.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre a viagem de Mário Ferreira ao Espaço.

Como vai o primeiro português ao Espaço?

A sensação de microgravidade começa três minutos depois do momento da descolagem, quando a cápsula se separa do propulsor e continua a viagem até ao apogeu do voo. O ponto mais alto da viagem é atingido ao fim de quatro minutos, já depois da marca dos 100 quilómetros (onde se estabeleceu que fica a fronteira entre o espaço e a Terra), a cerca de 107 mil metros de altitude acima do nível médio da água do mar.

É então que a força gravitacional começa a vencer o impulso gerado pelo propulsor, a cápsula inicia a reentrada na atmosfera e os astronautas começam a recuperar novamente a sensação de peso. A descida em queda livre continua e, um minuto antes da aterragem, os paraquedas abrem. Neste momento, a New Shepard viaja a cerca de 26 quilómetros por hora. Quando chega ao solo no deserto do Texas, onze minutos depois de levantar voo, a cápsula já viaja a apenas 1,6 quilómetros por hora.

Três minutos antes do regresso dos astronautas, já o propulsor aterrou autonomamente numa plataforma a 3,2 quilómetros da base de lançamento e a uma velocidade de oito quilómetros por hora. Tanto ele como o New Shepard podem ser reutilizados mais de 25 vezes sem qualquer emissão de carbono (só de vapor de água) ao longo da viagem de 11 minutos.

Mas vai mesmo ao espaço?

A comunidade científica concorda que sim, embora a definição seja complexa. A Federação Internacional de Aeronáutica considera que o espaço começa a 100 quilómetros de altitude em relação ao nível médio da água do mar em Terra, porque a partir desse ponto a densidade da atmosfera terrestre torna-se demasiado baixa para fins aeronáuticos — seria preciso ultrapassar a velocidade orbital de 24 mil quilómetros por hora. Esta é a definição consensualmente aceite para contabilizar as missões aeronáuticas e astronáuticas.

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Quem é que vai com ele?

Com Mário Ferreira viajarão mais cinco pessoas. Vanessa O’Brien já mergulhou até ao ponto mais profundo do planeta — o Challenger Deep, na Fossa das Marianas — e já escalou até ao ponto mais alto da Terra, o Monte Evereste. Quando chegar à Linha de Kárman tornar-se-á a primeira mulher a alcançar extremos em terra, mar e ar e a entrar no Livro de Recordes do Guinness por completar a Trifecta Extrema dos Exploradores.

Sara Sabry, engenheira mecânica e biomédica, tornou-se a primeira astronauta analógica feminina do Egito em 2021 quando completou uma missão de duas semanas com simulações das condições extremas que os astronautas experenciam no espaço orbital. Clint Kelly III é especialista em ciência da computação e robótica e foi um dos fundadores do projeto que deu origem aos carros autónomos.

Coby Cotton é co-fundador da página desportiva mais famosa do YouTube e costuma participar em vídeos cómicos ou desafios em que tenta, por exemplo, encestar bolas ou marcar golos de maneira inusitada. O sexto tripulante é Steve Young, antigo diretor executivo da maior empresa de telecomunicações do estado norte-americano da Flórida e agora pescador — um hobby a que se tem dedicado por completo desde que abandonou a liderança da empresa.

Cada um dos seis tripulantes está representado no emblema que a Blue Origin desenhou para simbolizar a missão que parte esta terça-feira em direção ao espaço. Mário Ferreira vai ser representado pela caravela do descobridor Fernão de Magalhães, até porque o próprio empresário costumava ter a ambição de circum-navegar a Terra. Sara Sabry está representada nas pirâmides do Egito, Vanessa O’Brien pela ilustração da Fossa das Marianas, Coby Cotton estará representado na bola de basquetebol e Steve Young nos peixes que nadam debaixo da caravela.

Quantas pessoas já foram ao espaço?

À luz dos critérios da Federação Internacional de Aeronáutica — a mesma que considera que o espaço começa a 100 quilómetros de altitude em relação ao nível médio da água do mar — 26 pessoas já foram até ao espaço a bordo da nave tripulada New Shepard da Blue Origin. Mas o número total de humanos que já ultrapassou a Linha de Kármán aproximava-se, em julho de 2021, das 600 — embora a esmagadora maioria sejam astronautas profissionais.

O primeiro humano a visitar o espaço foi o cosmonauta Yuri Gagarin, mas o primeiro norte-americano foi Alan Shepard. É em homenagem ao astronauta das missões Mercury que Jeff Bezos (que também já foi ao espaço, logo na primeira missão tripulada acima da Linha de Kármán na Blue Origin) batizou a cápsula que vai levar Mário Ferreira até à fronteira aérea da Terra.

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Quanto pagou Mário Ferreira para ir ao espaço?

Ninguém sabe quanto pagou Mário Ferreira para entrar na sexta missão tripulada das 22 protagonizadas por um New Shepard da Blue Origin. Sabe-se só que o privilégio de olhar para a Terra de fora para dentro pode ter chegado aos 28 milhões de dólares — este foi, pelo menos, o preço do bilhete mais caro que Jeff Bezos conseguiu leiloar para uma viagem até à fronteira do espaço.

Em 2006, dois anos depois de o empresário português ter comunicado à Virgin Galactic que queria ser o primeiro português a chegar ao espaço, comprou um bilhete entre os 200 mil e os 300 mil dólares. Mas as viagens oferecidas por Richard Branson têm um problema: ao contrário da Blue Origin e da SpaceX, a Virgin Galactic não chega sequer à Linha de Kármán, que é considerada pela Federação Aeronáutica Internacional como a fronteira entre a atmosfera da Terra e o vácuo  — o equivalente espacial à medição do nível médio da água do mar. Mário Ferreira procurou então alternativas e voltou-se para a Blue Origin, que, para conservar a privacidade dos clientes e alimentar o prestígio da empresa, não revela os valores nos negócios que faz.

Como funciona a cápsula?

O interior da cápsula está equipado com seis bancos reclináveis, cada um dos quais com cintos de segurança que se prendem em cinco pontos. Junto a cada banco está uma janela: são seis no total e são as maiores alguma vez colocadas num veículo espacial. No centro da New Shepard está um sistema de escape em caso de emergência e um ecrã com todas as informações sobre o voo. No período do voo em que os astronautas estão a flutuar, virtualmente incólumes à força da gravidade, podem retirar os cintos de segurança e vaguear pela cápsula enquanto se seguram em pegas instaladas no topo da New Shepard.

O que é que vai ver o português quando chegar ao ponto mais alto da viagem?

A 100 quilómetros de altitude, a paisagem pode ser arrebatadora — tanto que vários astronautas, após terem chegado ao espaço, relatam ter sentido uma mudança de transcendência ao percecionar a fragilidade da Terra e aquilo que consideraram ser a insignificância das fronteiras nacionais. O “Efeito Perspetiva” foi sentido, por exemplo, pelo astronauta Michael Collins após a missão Apollo 11: “O que realmente me surpreendeu foi que [a Terra] projetava um ar de fragilidade. Porquê não sei. Não sei até hoje. Tive a sensação de que é minúscula, brilhante, linda, é o nosso lar e é frágil”.

Uma das paisagens mais célebres de quem alcança a Linha de Kárman é a de umas nuvens azuis e brancas cintilantes, formadas quando o vapor de água envolve as poeiras deixadas para trás pelos meteoros consumidos pela atmosfera, que encobrem a vista para terra firme. São muitas vezes coroadas por auroras boreais, cortinas de luz que surgem em altitude quando as partículas energéticas dos ventos solares atingem o campo magnético da Terra. No horizonte, as cores da luz solar refratada pela atmosfera. E por cima dela, o brilho das estrelas contrasta com um fundo azul progressivamente mais denso.

Ralf Rohner/NASA

Como é que se preparou?

Mário Ferreira tem passado os últimos dias no estado norte-americano do Texas entre treinos físicos, aulas teóricas e simulações. A 30 de julho, quando foi entrevistado por Manuel Luís Goucha no programa “Conta-me Como Foi” na TVI, revelou que necessitava de perder cinco quilos até ao dia da viagem. A reportagem da CNN Portugal no local demonstra que esse tem sido um dos maiores focos do empresário português, que surge acompanhado por um preparador físico em treinos no ginásio.

Mário Ferreira tem descrito algumas destas atividades nas redes sociais. Ainda na terça-feira, por exemplo, antevéspera do voo histórico, o empresário descreveu “mais um dia de treinos” que duraram 13 horas e que podem ser repetitivos para “memorizar pequenos detalhes”. O primeiro dia de treinos na base no Texas foi segunda-feira e, segundo o investidor, “foi um dia de teoria sobre segurança, de ajustes do fato e roupa a levar”. “Visitámos o centro de treinos, iniciamos o ajuste das cadeiras que cada um terá e já encontrámos o nosso balneário. Foi o dia de verificação de peso e verificação de saúde em geral”, explicou Mário Ferreira.

Também foi nesse primeiro dia de treinos que Mário Ferreira e os restantes tripulantes fecharam em caixas seladas os objetos que pretendem levar para o espaço. Além de alguns objetos que lhe foram entregues pela família, Mário Ferreira obteve autorização para levar uma garrafa de vinho do Porto Vintage de 50 cl, com rolha de cortiça: “Vamos ver como se vai comportar o vinho sujeito a grandes forças G e ausência de gravidade”, disse o português.

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