Houve palmas no final do primeiro voo da Easyjet para São Miguel, e talvez não tenha sido só por causa da aterragem. A partir de agora, é muito mais barato viajar para os Açores, tão barato que pode sair mais em conta aterrar em Ponta Delgada do que apanhar o comboio de Santa Apolónia para o Porto.
Depois da liberalização do espaço aéreo, até então controlado pela TAP e a SATA, a chegada das low cost ao aeroporto João Paulo II não se fez esperar: a 29 de março, no mesmo dia em que a própria TAP passou a voar diariamente para Ponta Delgada (onde operava dois voos semanais) e para a Terceira, a Easyjet estreou a nova rota sobre o Atlântico. A companhia britânica tem agora três voos semanais entre Lisboa e Ponta Delgada, que passam a quatro a partir de junho. Os preços começam nos 30,49 euros (ida), sendo que há descontos adicionais de 20 por cento no primeiro ano.
Mas não é tudo: a 1 de abril, a Ryanair juntou-se à corrida aérea com preços ainda mais competitivos: 29,99 euros, ida e volta. A companhia irlandesa faz dois voos diários para Lisboa, outro para o Porto, e ainda um voo semanal entre Londres e Ponta Delgada.
Apesar de a liberalização abranger também o aeroporto da Terceira, para já só São Miguel serve de aterragem para as transportadoras de baixo custo. A SATA continua a fazer a ligação entre as nove ilhas, mas o bilhete low cost pode dar direito a viajar gratuitamente para Santa Maria, Terceira, São Jorge, Graciosa, Pico, Faial, Flores e Corvo, depois de o governo regional permitir que os passageiros low cost recorram ao sistema de encaminhamento que já existia para quem voava nas companhias públicas. Para isso, é preciso declarar no momento da compra do bilhete que o destino final é outra ilha, pedir o encaminhamento à SATA e ficar menos de 24 horas em São Miguel.
Feitas as contas aos lugares, esperam-se 500 mil novos turistas por ano, a juntar ao milhão e meio que já pisava o solo vulcânico, segundo números da ANA — Aeroportos de Portugal.
“Há uma alteração completa do modelo de acessibilidade às ilhas”, diz ao Observador o Secretário Regional do Turismo e Transportes, Vítor Fraga. “Temos quatro rotas liberalizadas e as restantes são de serviço público, mas todas acabam por competir umas com as outras, sendo que o primeiro impacto visível é uma descida do custo das deslocações, que chegam a atingir um terço do que custavam há seis meses.” Falando de números concretos: “enquanto os valores andavam à volta dos 300 euros, hoje é possível reservar voos inferiores a 100, de ida e volta.” E isto é válido não só para os turistas como para os próprios açorianos, que viram mais uma novidade chegar com a liberalização do espaço aéreo: “Ao contrário do passado, em que havia obrigatoriedade de se deslocar pela gateway mais próxima do local de residência, agora cada morador pode optar pelos valores mais atrativos, e isso faz com que todas as gateways compitam umas com as outras para não perderem utentes”, explica Vítor Fraga.
Confrontado com a pergunta que se impõe — estarão os Açores preparados para receber tanta gente — o Secretário Regional do Turismo e Transportes afirma: “Todo o trabalho que foi feito até agora é que permite dar resposta a este crescimento. O turismo foi assumido como um dos vetores do governo dos Açores há uma década. É um setor que se tem vindo a consolidar nos últimos dez anos e há confiança no seu crescimento também da parte do setor privado. Neste momento temos pedidos de aprovação prévia relativos a 1.800 camas, só para este ano.” Em cima das secretárias estão também 21 projetos de hostels que deverão ser aprovados, mais alternativas a juntar às 10.500 camas e 80 hotéis que existem atualmente na região autónoma.
“O novo paradigma das low cost está a mudar a natureza da oferta”, diz Rui Amen, gestor de produto do Turismo dos Açores que chama a este momento “uma altura histórica”. “São efeitos secundários, novas infraestruturas que provavelmente não teríamos. Creio que o maior impacto será na área do entretenimento, que beneficiará sobretudo os locais, que passarão a ter mais do que os cinco concertos e os cinco restaurantes que têm atualmente.”
Sensíveis à palavra impacto, as associações ambientalistas têm levantado reservas ao fluxo que se espera, reservas que Vítor Fraga desvaloriza: “A região tem um conjunto de mecanismos legítimos e de vigilância para evitar essas preocupações: parques naturais, áreas protegidas, reservas de biosfera. Naturalmente que atuaremos para proteger o nosso bem mais precioso, que é a natureza. Estamos em primeiro lugar no ranking dos 100 destinos mais sustentáveis do mundo [da plataforma internacional Green Destinations] e é aí que queremos continuar.”
Rodrigo Herédia é um dos que se rendeu aos Açores precisamente pelo seu lado selvagem. Depois de andar a saltitar entre a Linha e São Miguel há 30 anos, e de estar por trás da organização dos campeonatos mundiais de surf que já têm passado pelo arquipélago, o ex-campeão nacional prepara-se para abrir, juntamente com outro sócio, um novo hotel na praia de Santa Bárbara, o Santa Bárbara Eco-Beach Resort. “Eu sempre olhei para os Açores como uma natureza que não devia ser estragada, e por isso a nossa construção não é em altura mas sim na horizontal”, diz Herédia. Com abertura ao público marcada para 1 de junho, as villas T1 e T2 do resort estão encaixadas nos socalcos e forradas a cortiça para se inserirem na paisagem. Desde a inauguração, os produtos do restaurante serão cultivados na quinta de dois hectares e haverá um centro de atividades com aulas de surf, mergulho e ioga. “Quisemos partilhar a nossa paixão, partilhar os Açores como nós o vivemos, mas também explorar o que não é muito explorado: a praia.”
“Nós não somos um destino de praia e sol tradicional mas isso não significa que não haja sol e praia nos Açores”, acrescenta Rui Amen, para quem é importante passar a imagem de que há muito mais no arquipélago do que as tradicionais vacas com malhas pretas e brancas, responsáveis por produzir 515 milhões de leite por ano e subsidiadas pela União Europeia. “Peguem na Irlanda, no Havai, na Islândia e na Nova Zelândia, ponham numa Bimby e têm os Açores”, diz o guia. “Para ver o que se consegue ver aqui teríamos de viajar aos quatro cantos do mundo. Exemplos? A Irlanda é conhecida pelos seus prados verdes e também por estruturas como a Calçada dos Gigantes, os Açores estão cheios de calçadas dos gigantes e têm os mesmos prados verdes; o caráter vulcânico que se encontra na Islândia está perfeitamente presente em vários sítios destas ilhas; o exotismo da Nova Zelândia — há muita gente que olha para as paisagens dos Açores e diz que parecem as paisagens da Nova Zelândia mas sem as ovelhas; o mesmo se passa com o Havai: o caráter exótico e os vulcões em escudo também se encontram nos Açores. As ilhas são como uma montra compacta do resto do mundo”, conclui Rui.
Uma das paisagens que melhor mostra o que diz o gestor de produto do Turismo dos Açores é a da Lagoa das Sete Cidades, observada desde o miradouro da Vista do Rei, onde nem de propósito se vê outro cenário dificilmente repetível: as estruturas abandonadas do Monte Palace, um hotel de cinco estrelas que abriu nos anos 80 mas foi à falência por falta de hóspedes.
Os últimos meses em São Miguel têm mostrado o percurso inverso. Para além de novos hotéis construídos de raiz como o de Santa Bárbara, outros mudaram de mãos ou fizeram as primeiras camas ao fim de anos ao abandono. O Bahía Palace, em Vila Franca do Campo, foi comprado pelo grupo Pestana e vai ter obras de fundo depois do verão. Já o fundo Discovery Portugal Real Estate criou uma nova marca, Discovery Hotel Management, e adquiriu para já dois hotéis de uma empresa chamada Asta Atlântica cujas obras estavam paradas há sete anos, num investimento total de 11 milhões de euros e criando 60 novos postos de trabalho. Um dos hotéis, o Príncipe do Mónaco, abre no início de 2016 com 100 quartos, galeria comercial e casino, em plena Marginal de Ponta Delgada e com vista para as Portas do Mar, uma infraestrutura inaugurada pelo governo regional em 2008 para acolher ferries e cruzeiros. Já o Furnas Boutique Hotel, que ocupa o edifício de umas antigas termas, começou a receber os primeiros hóspedes há uma semana, com 55 quartos e preços a partir dos 90 euros, como indica o diretor, Filipe Pacheco.
Nem de propósito, o hotel, decorado por Nini Andrade Silva e parte integrante dos Design Hotels, faz uma homenagem “aos emigrantes que foram à procura do american dream” através das enormes malas que decoram a sala de reuniões.
Menos isolado no meio do Atlântico, talvez seja altura de começar a falar num sonho açoriano.
O Observador viajou para os Açores a convite da Easyjet.