Os ânimos estavam exaltados na rua de Génova já passava da meia-noite. Cerca de mil simpatizantes do Partido Popular (PP) concentravam-se junto à sede nacional para celebrarem a vitória eleitoral com bandeiras de Espanha e muito azul. A apenas três quilómetros dali, na rua Ferraz, a descrição deste início de madrugada é praticamente a mesma — só muda a força partidária (PSOE) e a cor (vermelho). Ao som de música e euforia, a festa fez-se nos dois locais, contrariando o lugar comum de que umas eleições ou se ganham ou se perdem.
Embora o desfecho tenha sido o mesmo junto às sedes dos dois partidos, a evolução da noite eleitoral deste domingo esteve longe de ser idêntica. Nos dois quartéis generais, viveu-se uma verdadeira montanha russa, que começou com a divulgação de sondagens, passou pela contagem dos primeiros votos e culminou com o encerramento do processo eleitoral. “Esta noite foi muito emocionante. Estive longe de pensar que as coisas acabassem assim”, resumiu, em declarações ao Observador, Nuria Muriel, uma empresária de 48 anos que esteve nos festejos do PP.
A primeira fase da noite: alegria no PP, silêncio no PSOE
Com um grande cartaz com a cara de Alberto Núñez Feijóo na fachada de um apartamento, a sede do Partido Popular era fácil de identificar na rua de Génova. Por volta das 18h30, montava-se um palco em frente ao edifício que acolhe o PP em Madrid. Para mais, começavam os primeiros ensaios e a música juntava-se ao som de motos e de carros, ao mesmo tempo que uma centena de jornalistas esperavam à porta.
Na rua Ferraz, por essa altura, havia também uma longa fila de jornalistas prestes a credenciar-se para entrar no edifício do PSOE, cuja fachada era maioritariamente preenchida com um cartaz com a cara de Pedro Sánchez. Apesar disso, não se avistava qualquer palco, nem havia ensaios. Parecia ser o início de uma noite eleitoral sem brilho e que ficaria na memória dos socialistas pelos piores motivos.
As sondagens podem ajudar a explicar a preparação por parte do PP; é que o partido era apontado como o grande vencedor destas eleições, com a possibilidade de formar maioria absoluta com o VOX, ao passo que o PSOE ficaria em segundo lugar, sem possibilidade de conseguir coligar-se com os parceiros à sua esquerda.
Às 19h00, todos os olhos estavam postos nas televisões dentro dos quartéis-generais. Toda a gente estava atenta às primeiras projeções, que confirmavam a possibilidade de uma maioria absoluta para a direita. “Espero que isto acabe por se concretizar, se bem que a projeção da RTVE me esteja a deixar um pouco nervoso”, desabafou ao Observador Alejandro Montesino, militante do PP, referindo-se ao facto de esta projeção ser menos otimista.
Na receção da sede do Partido Popular, localizada perto da sala de imprensa, reinava boa disposição, mas não de euforia. Havia sondagens à boca das urnas que apresentavam como possibilidade uma vitória do PP, insuficiente para governar. “Espero bem que isso não aconteça”, vincou Alejandro Montesino, ressalvando que ainda “era demasiado cedo” para fazer prognósticos.
Esta posição, aliás, foi a de Cuca Gamarra, secretária-geral do PP, que deu uma conferência de imprensa por volta das 20h40, e pediu alguma contenção. Mas já se denotava algum otimismo na responsável política, que entrou na divisão onde falou com os jornalistas, com um grande sorriso no rosto e com uma postura confiante. “No Partido Popular acreditamos que vai ser uma grande jornada eleitoral”, realçou num tom de voz confiante.
A três quilómetros, as sondagens pareciam confirmar os piores receios do PSOE, se bem que houvesse alguma margem que tornava inviável uma governação à direita. O ambiente estava pesado na Rua Ferraz e reinava o silêncio. Pilar Alegría, secretária-geral socialista que decidiu falar apenas quando o PP tivesse terminado a sua conferência de imprensa, aconselhou apenas “máxima prudência” na leitura dos números na altura conhecidos.
A segunda fase da noite: tristeza no PP, alegria no PSOE
Momentos antes de serem conhecidos os primeiros resultados oficiais, Alberto Núñez Feijóo chegava à sede do Partido Popular para acompanhar a noite eleitoral, juntamente com os seus assessores. Vários apoiantes tinham chegado também. Em contrapartida, Pedro Sánchez não estava ainda na Rua Ferraz, não havendo, por essa altura, ideia se o secretário-geral socialista se deslocaria à sede do PSOE.
Quando os primeiros votos começam a ser contados e divulgados nas televisões, notou-se uma mudança brusca na atmosfera do Partido Popular. Ao longo da votação, contrariando o que indicavam as sondagens, os socialistas continuam à frente. A alegria deu lugar à apreensão numa questão de minutos com o PSOE a obter vantagem não só em termos percentuais, como também no número de lugares do Congresso de Deputados. “Pode haver reviravolta”, comentava-se na sala de imprensa na rua de Génova.
O ambiente de tensão era visível na sede do PP com os militantes que ficaram pela receção com os olhos no telemóvel e nas televisões. Além disso, mais ou menos por essa altura, os responsáveis dos populares apelaram aos jornalistas para permanecerem na sala de imprensa e evitarem saírem para a rua, sem nunca explicarem o porquê.
No PSOE, porém, o estado de espírito era radicalmente oposto. Contrariamente ao que indicavam as sondagens, havia a possibilidade de uma reviravolta, uma ideia que tinha surgido na última semana de campanha. Mesmo que os socialistas se mantivessem praticamente colados aos populares, isso já era por si positivo. “Isto está muito frenético”, desabafou Patrícia Martínez, acrescentando que queria estar na rua Ferraz quer o partido perdesse ou ganhasse. “Quis vir mostrar o meu apoio.”
Quem também estava a acompanhar os primeiros resultados à porta da sede era o casal Iris, de 32 anos, e Cristina, de 27 anos. Apesar da vantagem, as duas mulheres, que se casaram há apenas três meses, até concediam que o PSOE podia “vir a ganhar”. Mas acreditavam mais num segundo lugar com um “governo de coligação” com o Sumar e os partidos independentistas. “Toda a esquerda junta terá mais peso do que uma esquerda”, defendeu Cristina.
A terceira fase da noite: a festa agridoce do PP e do PSOE
No prédio da Rua de Génova, o silêncio tenso manteve-se até mais ou menos as 22h00. Aí, do exterior, ouviu-se um grito: “Que te vote Txapote!” — referência ao terrorista basco da ETA Francisco Javier García. O slogan de campanha da direita contra Pedro Sánchez pode ser traduzido da seguinte forma: “Que o Txapote vote em ti, [Sánchez]!”. Esta reação visceral surgiu num momento em que, com cerca de 70% dos votos contabilizados, o PP ultrapassava o PSOE no número de deputados — e podia ser o início de uma reviravolta.
A desilusão deu lugar a alguma esperança. Fonte do Partido Popular disse ao Observador que o facto de o partido ficar em primeiro seria “indiscutivelmente um bom sinal”. “Ganhar as eleições é sempre bom”, afirmou, reconhecendo, contudo, que os cenários para atingir uma maioria absoluta estavam, já naquela altura da noite, praticamente descartados. “Será extremamente difícil. Gostaríamos que o nosso projeto de país fosse implementado. Mas iremos tentar governar com todos aqueles que estiverem disponíveis se o primeiro lugar se confirmar”.
No exterior da sede, os gritos de celebração aumentavam de frequência. Cerca de 200 pessoas estavam atentas à emissão da TVE, a televisão estatal espanhola, num ecrã gigante. Sempre que os resultados eram atualizados ou subia o número dos deputados, isso era motivo de festa. “Eu ainda acredito que vamos conseguir vencer e vamos governar”, assegurou Antonio González, um galego que possuía uma bandeira da comunidade autónoma, assinalando ainda ao Observador que veio a Madrid apoiar o seu conterrâneo, Alberto Núñez Feijóo.
No entanto, praticamente de calculadora na mão, vários simpatizantes do PP mostravam-se cada vez menos convencidos de uma maioria absoluta à direita. Emilia Cara, de 76 anos, considerava que isso já não era possível: “Infelizmente, isso parece estar longe de suceder”. Seguidamente, a mulher passou a apontar aquilo que garantiu serem as razões dos maus resultados do partido que apoiava: “Eu desconfio que tenha havido fraude nos votos por correio. E depois pararam o comboio em Valência que vinha para Madrid. Muita gente não votou por causa disso”.
“Concordo com isso”, reforçou Isabel Naranjo ao interromper a conversa. “Eu acho que o PSOE teve uma vantagem tão grande ao início porque foram os votos dos correios que deviam estar manipulados”, conjeturou a jovem de 21 anos, que estava acompanhada por uma amiga que acenava a cabeça em jeito de concordância.
Perante a possibilidade de uma vitória eleitoral, mesmo sem maioria, havia cada vez mais pessoas na rua de Génova. As celebrações de cada lugar ganho no Congresso de Deputados ou um aumento nas intenções de votos iam cada vez mais aumentando de volume. Isto até, numa estrutura criada ao lado do palco, um DJ ter começado a festa. “Vamos celebrar o facto de o PP ter vencido as eleições”, gritou, tentando incentivar a audiência presente com a pergunta: “Onde está Génova?”.
A passagem do PSOE para segundo lugar não foi, por sua vez, motivo de desilusão para os socialistas. Aliás, os ânimos estavam ainda mais exaltados não só com a possibilidade de haver uma maioria de esquerda, como também com a confirmação de que a direita não conseguiria uma maioria absoluta. Assim sendo, foram também chegando cada vez mais socialistas à rua Ferraz. Um deles foi Francisco Hidalgo, de 63 anos.”Estive uma hora e meia em casa a ver os resultados. Temos a possibilidade de governar em coligação e decidi vir agora celebrar outra vez”, contou ao Observador.
Vestido com uma bandeira de Espanha a servir de capa, Jesús Granados envolveu-se, nas celebrações do PSOE, numa escaramuça com alguns simpatizantes do Partido Popular que viviam na rua Ferraz e que provocavam os socialistas. “São uns fascistas”, chegou a atacar o homem de 65 anos, que, ao Observador, criticou duramente as políticas da “extrema-direita”. Contudo, respondendo prontamente, descartou por completo uma maioria absoluta. “Eles [PP e VOX] têm 169 deputados e isso não vai acontecer.”
Quando os resultados mostravam que Pedro Sánchez sobreviveria a estas eleições, os socialistas empenharam-se em montar um palco em apenas sete minutos, onde o chefe do governo espanhol acabou por falar. Após a estrutura ter sido concluída, à semelhança do que se passava na rua de Génova, começou a festa na rua Ferraz.
Nesta altura da noite, quando já passava da meia noite, os apoiantes dos dois partidos esperavam pelo discurso dos líderes, enquanto a votação estava prestes a finalizar. O primeiro a falar foi Pedro Sánchez, que reclamou vitória, ignorando o segundo lugar em que ficou. “Aqueles que queriam o retrocesso de direitos e liberdades fracassaram, o PP e o Vox saíram derrotados”, declarou, recebendo um forte aplauso da plateia, entoando-se o cântico “Pedro Presidente”.
Os apoiantes socialistas recusam igualmente um cenário de uma vitória com sabor amargo. “Não sinto isso”, sinalizou ao Observador Candela Izquierdo, de 30 anos. “As sondagens até davam como vencedora a direita, mas quando vai muita gente votar, vota-se na esquerda”, referiu, não se manifestando preocupada com o futuro pós-eleitoral.
Em sentido inverso, os apoiantes do PP fizeram contas à vida, mesmo antes do seu líder ter falado sobre como seria o desfecho desta noite eleitoral. Ao Observador, Andrés Lamas antevê que possa haver novas eleições brevemente: “Eu acho que o Sánchez não vai conseguir formar maioria com os independentistas. Vai fracassar nisso. Espero que isso aconteça. E também não acho que ele vá viabilizar um governo do PP. Vamos a eleições outra vez”.
Ao seu lado, Gonzalo Fernández, um dos amigos que o acompanhou aos festejos do Partido Popular é mais pessimista. “Eu acho que não vai haver novas eleições… Vamos ver, eu acredito-me mais num cenário em que o PSOE infelizmente vai conseguir governar”, lamentou ao encolher os ombros.
Quando Alberto Núñez Feijóo subiu finalmente ao palco montado desde as 18h00, a audiência ficou ao rubro e aplaudiu-o: “Presidente, presidente, presidente!”. Chamando para si a responsabilidade de formar governo por conta do primeiro lugar que obteve, o líder do PP pediu ao PSOE para não bloquear a iniciativa governamental do partido de centro-direita.
Ao lado de Alberto Núñez Feijóo estavam, entre outras caras, algumas de primeira linha da direita espanhola, como Cuca Gamarra, Elías Bendono, coordenador nacional do PP, o autarca de Madrid, José Luis Martínez-Almeida. E ainda a presidente da comunidade autónoma de Madrid, Isabel Díaz Ayuso — e esta última política assumiu um grande protagonismo para a plateia. Enquanto o líder do PP discursava, muitos dos presentes na rua de Génova gritavam “Ayuso, Ayuso, Ayuso!” — algo que obrigou inclusivamente o líder do PP a interromper o discurso.
Nestas eleições deste domingo, PP e PSOE fizeram a festa, ainda que o resultado esteja longe de ser o ideal para os dois partidos. Agora, após todos os holofotes nas campanhas, as atenções de socialistas e populares virar-se-ão para os bastidores, jogando um complexo jogo de xadrez para convencer aliados e dissuadir inimigos. Se isso não resultar, como a história recente da política espanhola já mostrou, a única solução possível será a realização de uma novas eleições — e aí, tudo poderá novamente mudar.