Casa cheia, muito cheia, para assistir ao (re)nascimento da Aliança Democrática. No dia em que Pedro Nuno Santos foi formalmente entronizado como novo secretário-geral socialista, Luís Montenegro, Nuno Melo, Gonçalo da Câmara Pereira e Miguel Guimarães, em representação dos independentes que se juntaram à coligação, apareceram na Alfândega do Porto dispostos a fazer marcação cerrada ao PS. E, atendendo às várias intervenções da tarde, a tática para as próximas eleições legislativas não andará muito longe disto: as figuras da sociedade civil aparecerão para credibilizar as críticas da coligação, Nuno Melo (e Câmara Pereira) servirão para segurar a direita e Luís Montenegro para seduzir o centro moderado.
De resto, foi dessa forma que o líder social-democrata se despediu dos militante e simpatizantes dos três partidos que decidiram aparecer na Alfândega: com um apelo evidente aos eleitores que, nas legislativas de 2022, decidiram votar no PS e dar a maioria absoluta, os arrependidos, aqueles que sentem que é tempo de, pelo menos, dar uma oportunidade a outros. “Àqueles que acreditaram no PS há dois, este projeto é para vós. Para aqueles que se desiludiram. O PS desperdiçou a bela oportunidade que lhe deram”, apelou Montenegro.
Mesmo tendo feito duras críticas aos resultados da governação socialista, em particular na Saúde, o presidente do PSD procurou fugir à personalização dos ataques — essa despesa seria assumida por Nuno Melo — e por evitar cair na tentação de responder diretamente a Pedro Nuno Santos e aos vários socialistas que, reunidos em Lisboa, passaram três dias a tentar colar ao PSD o fantasma da troika e do corte das pensões e salários. Montenegro tentou pôr-se noutro plano e falar sobre o futuro, recusando a narrativa do “medo” alimentada pelo PS.
“Estamos hoje, aqui e agora, para dar esperança e confiança a Portugal. Este projeto político é de esperança num país mais próspero e confiança numa sociedade mais justa. Não se alimenta nem pela ameaça, nem pela hostilidade. Não se move pela instigação infantil do medo ou do terror. Ao contrário do PS, não somos um movimento político ressabiado. É feito a favor das pessoas, não contra ninguém”, afirmou Montenegro.
É nuance importante vinda de Montenegro, que tem procurado, desde 7 de novembro, dia em que o Governo de António Costa, fugir ao corpo a corpo com os socialistas e à medição direta de decibéis. À exceção do discurso, no 41.º Congresso do PSD, em que se referiu a Pedro Nuno Santos como a reencarnação do “gonçalvismo” e a Mariana Mortágua como “cinderela”, Montenegro tem evitado entrar nessa batalha retórica.
Este domingo não foi diferente. “Tal como no final dos anos 70, Portugal encontra-se hoje num impasse: estamos em tempo de estagnação; estamos em tempo de ressaca de todas as experiências de governo socialista. E todas as [fórmulas] redundaram num falhanço clamoroso dos objetivos a que se propuseram”, resumiu Montenegro. Se não existirem desvios à estratégia, a crítica vai estar centrada nos resultados da governação e na urgência de um projeto de mudança para o país.
Seria Nuno Melo a assumir o outro lado da estratégia. O líder do CDS foi o único, aliás, a defender o legado da coligação PSD/CDS que conduziu o país durante os quatro anos de intervenção da troika em Portugal. “A culpa [pelo estado do país] não é de Pedro Passos Coelho, nem de Paulo Portas. É de António Costa. E, já agora, tenho muito orgulho de ter feito parte desse Governo.”
Num discurso muito aplaudido, o ainda eurodeputado puxou por temas como a imigração (falando no “absoluto descontrolo de fronteiras que se vive em Portugal”), atacou diretamente o currículo de Pedro Nuno Santos, um ministro que de tão “incompetente” acabou a sair pela porta pequena, e o perfil do agora secretário-geral socialista, que está a deixar o PS “ainda mais radicalizado à esquerda”.
Foi também nesta sequência que foi feita a única referência ao Chega e a André Ventura — e coube mais uma vez a Melo fazê-la. Sem nunca nomear o adversário, o líder democrata-cristão colou Ventura a Pedro Nuno Santos e sugeriu que o presidente do Chega, “dizendo-se de direita”, antecipa que “vai apresentar uma moção de censura” a um eventual Governo da AD. Não há grandes dúvidas de que será esta parte da estratégia de PSD, CDS e PPM para as próximas legislativas: apresentar um voto em Ventura como um voto cuja consequência última será a perpetuação do PS no poder.
Ainda de Melo partiu a única referência ao parceiro que se pôs de fora desta solução à direita — a Iniciativa Liberal. Mesmo não tendo concretizado as críticas, o líder do CDS deixou claro que só esta coligação — sem os liberais, portanto — oferece condições de governabilidade e estabilidade ao país. “A AD é a única alternativa credível, experimentada e com quadros extraordinários capazes de dar um novo rumo a Portugal. Não temos tempo para experimentalismos em Portugal.”
Antes do líder do CDS, já Gonçalo da Câmara Pereira, parceiro simbólico nesta AD, já tinha picado o ponto, radicalizando o combate contra Pedro Nuno Santos. “[Em 1979], o perigo da eternização da esquerda era um risco. E continua a ser um risco e um problema dos nossos dias”, nota. Para o presidente do PPM, esta coligação é a única esperança de derrotar o PS e os seus aliados da ‘geringonça’. “Se assim não for, o PS instalar-se-á no poder durante anos.”
Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos, serviu para personificar a aposta na tal consciência crítica da sociedade civil que se quer reunida em torno da nova AD. “Não posso continuar calado perante o que está a acontecer no país”, começou por dizer o mais do que provável cabeça de lista da coligação pelo distrito do Porto.
“São quase nove anos em que os aspetos negativos suplantam claramente aquilo que foram os aspetos positivos. O Governo está a destruir o Serviço Nacional de Saúde. Estamos a falar da falência daquilo que são os responsáveis pela Saúde em Portugal. Falta estratégia, planeamento e orientação. A [AD] tem todas as condições para poder governar Portugal. Para fazer mais e melhor”, endossou Guimarães.