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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Amnistia. Rui Pinto escapou à prisão, o atacante da FCUL pode ser libertado e há quem já esteja em liberdade

Amnistia valeu a Rui Pinto o perdão de 78 crimes e escapar a uma prisão efetiva. Sem vinda do Papa, pena seria maior? Para quem já está preso, são precisas muitas contas para chegar ao perdão.

Rui Pinto beneficiou da lei da amnistia em mais de 70 crimes e escapou a uma pena de prisão efetiva, mas a lei aprovada no primeiro dia deste mês de setembro ainda está longe de traduzir todos os seus resultados, sobretudo em relação ao perdão das penas de quem já foi condenado. Os juízes estão ainda a olhar para os processos — e existem dúvidas e diferentes entendimentos sobre a aplicação do perdão de penas. Já foram libertados presos graças a esta lei e um dos que ainda pode beneficiar da vinda do Papa Francisco a Portugal é João Carreira, o jovem que planeou um ataque à Faculdade de Ciências e que foi condenado no final do ano passado a dois anos e nove meses. O seu advogado já enviou, na semana passada, um requerimento para o tribunal, mas ainda não obteve resposta.

Rui Pinto foi condenado a quatro anos com pena suspensa, mas não se livra de voltar ao tribunal, uma vez que já foi deduzida mais uma acusação pelo Ministério Público (MP) — desta vez, são 377 crimes. Por agora, e enquanto não é revelado se o MP, os assistentes ou a própria defesa do hacker vão recorrer da decisão, fica a questão: a vinda do Papa Francisco salvou Rui Pinto de uma pena de prisão efetiva?

Crimes pelos quais Rui Pinto foi condenado, absolvido e amnistiado

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Condenado: 

  • Um  crime de extorsão na forma tentada – Dois anos
  • Um crime de acesso indevido ao Sporting Clube de Portugal – Um ano e três meses
  • Um crime de acesso indevido à Federação Portuguesa de Futebol – Um ano e três meses
  • Um crime de acesso indevido à Doyen – Um ano e seis meses
  • Um crime de acesso indevido à PLMJ – Um ano e seis meses
  • Um crime de acesso indevido à PGR – Um ano e seis meses
  • Um crime de violação de correspondência agravado (João Medeiros) – Nove meses
  • Um crime de violação de correspondência agravado (Rui Costa Pereira) – Seis meses
  • Um crime violação de correspondência agravado (Inês Almeida Costa) – Seis meses

Absolvido: 

  • Um crime de acesso ilegítimo (à Plataforma Score)
  • Um crime de sabotagem informática (ao Sporting Clube de Portugal)

Amnistia: 

  • 67 crimes de acesso indevido
  • 10 crimes de violação de correspondência

Podem existir, naturalmente, várias respostas. Primeiro, é necessário ter em conta que Rui Pinto foi absolvido de dois crimes — um de sabotagem informática e um de acesso ilegítimo —, foi condenado por nove crimes — um de extorsão na forma tentada, cinco de acesso ilegítimo e três de violação de correspondência agravado — e beneficiou do perdão da pena em 77 crimes — 67 de acesso indevido e 10 de violação de correspondência simples. Os nove crimes resultaram numa sentença de quatro anos de prisão, com pena suspensa, depois de aplicado o cúmulo jurídico (a suspensão é possível em penas de até cinco anos de prisão). Foi essa a decisão anunciada esta segunda-feira pelo coletivo de juízes presidido pela juíza Margarida Alves.

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A pena suspensa de quatro anos só inclui, portanto, os nove crimes — apesar de Rui Pinto ter sido considerado culpado dos outros 78, o decreto aprovado pela Assembleia da República a propósito da vinda do Papa ao nossa país na Jornada Mundial da Juventude fez com que fossem todos retirados da equação. O Observador falou, por isso, com vários advogados especialistas em Direito Penal para procurar a resposta à pergunta: se não fosse a amnistia, teria sido impossível a Rui Pinto escapar à prisão?

“A amnistia caiu do céu. Dificilmente haveria margem para uma pena suspensa” se não tivesse sido aprovada — e, depois, naturalmente, aplicada — a amnistia papal, considera o advogado Rogério Alves, acrescentando que isso “limpou a esmagadora maioria dos crimes, que tinham molduras penais relativamente baixas”.

Os crimes abrangidos pela lei da amnistia, que entrou em vigor no primeiro dia de setembro, têm penas de até um ano de prisão ou multa de até 120 dias, no caso do acesso indevido; e até um ano de prisão ou multa de até 240 dias, para a violação de correspondência simples. Ora, a não ser que o tribunal considerasse condensar a pena pelos 78 crimes de acesso indevido e de violação de correspondência num único ano — o que levaria a um cúmulo jurídico de cinco anos —, já não seria possível aplicar uma pena suspensa, pois seria ultrapassada a barreira máxima de cinco anos de uma sentença, a partir da qual a suspensão da pena não pode ser aplicada. Para Rogério Alves, a amnistia foi “indiscutivelmente” uma salvação para Rui Pinto.

"Era concretamente mais difícil, embora não fosse impossível. Se a amnistia não tivesse existido, a pena podia ser suspensa? Podia. Agora, com certeza que a pena concreta podia ser mais elevada do que os quatro anos. Isso inevitavelmente"
Paulo Sá e Cunha, advogado

Mas a discussão não é consensual. “Era concretamente mais difícil” escapar a uma pena de prisão efetiva, “embora não fosse impossível” que o cúmulo jurídico se fixasse nos cinco anos, por exemplo, originando igualmente uma pena suspensa, admite Paulo Sá e Cunha. As reticências de Sá e Cunha explicam-se pela moldura penal dos crimes amnistiados, que também é baixa. “Se a amnistia não tivesse existido, a pena podia ser suspensa? Podia. Agora, com certeza que a pena concreta podia ser mais elevada do que os quatro anos. Isso, inevitavelmente”, acrescenta ao Observador.

Manuel Magalhães e Silva tem menos dúvidas de que a sentença fosse muito diferente da aplicada com a amnistia, admitindo como “perfeitamente possível” que o cúmulo jurídico não fosse além dos cinco anos de prisão, mesmo que todos os crimes fossem considerados para a aplicação da pena. “Era possível que aumentasse a pena em concreto aplicada, mas que não fossem ultrapassados os cinco anos e houvesse na mesma a suspensão da pena [em cúmulo jurídico]”, diz este advogado. “Penso que era capaz de se chegar, no fim do dia, a um resultado semelhante.”

Neste contexto, o único cenário em que não existiriam dúvidas de que a amnistia salvou, de forma indiscutível, Rui Pinto da prisão seria se a pena aplicada tivesse sido de cinco anos. “Aí já não havia suspensão da pena, porque o limite já estava nos cinco anos”, concretiza Paulo Sá da Cunha.

Amnistia e perdão de penas. Como funciona, quais as exceções e as dúvidas nos tribunais

No caso de Rui Pinto, as contas são fáceis de fazer. Mas o Observador apurou que a situação não é clara e transparente em todos os tribunais e que a aplicação da amnistia — a processos que ainda não foram julgados — e do perdão de penas — para quem já foi condenado — está a gerar dúvidas entre os magistrados. Já iremos a esse pontos. Neste momento, o que os juízes estão a fazer é olhar para as dezenas ou mesmo centenas de processos que tiveram em mãos e que envolvem arguidos já condenados, para depois definirem como vão transpor para cada processo a letra da lei.

É o caso do processo que envolve João Carreira, o autor do plano de ataque à Faculdade de Ciências de Lisboa.

O jovem foi condenado a dois anos e nove meses de prisão efetiva por detenção de arma proibida e este crime está dentro do catálogo de penas abrangidas pelo perdão, onde se incluem penas de entre um a oito anos de prisão para crimes cometidos por menores de 30 anos. Estando dentro de todos esses critérios, João Carreira será um potencial beneficiário do perdão de pena. Segundo as contas feitas pelo seu advogado, Jorge Pracana, o jovem já cumpriu cerca de um ano e seis meses e, por isso, a ser aplicado o perdão de um ano, faltar-lhe-á cumprir apenas três meses. Na passada sexta-feira, o advogado enviou um requerimento para o tribunal de Lisboa a solicitar que seja aplicado o perdão, mas ainda não lhe foi dada resposta.

Esse até será, à partida, um caso de simples resolução. Mais desafiantes para os juízes que estão neste momento a analisar os processos de arguidos presos são aqueles casos em que existe um cúmulo jurídico das penas aplicadas por diferentes crimes, e que incluem crimes que são abrangidos pelo perdão e outros que ficam fora. É que, apesar de o perdão da pena ser de até um ano, isto não significa que todos os presos vão ter um perdão de um ano nas suas penas, mesmo que tenham sido condenados por crimes que estão incluídos na lei.

Exemplo prático: uma pessoa é condenada pelo crime de roubo agravado — excluído do perdão —, com uma pena de quatro anos, e pelo crime de detenção de arma proibida — incluído no perdão —, com uma pena de oito meses. Do cúmulo jurídico resulta uma pena de quatro anos e seis meses. Neste caso, o perdão nunca poderá ser superior à pena aplicada pelo crime de detenção de arma proibida antes do cúmulo jurídico. Ou seja, o perdão a aplicar deverá ser de oito meses.

Mas há mais um ponto a acrescentar ao exemplo anterior: o tempo de prisão que ainda estiver para cumprir depois de aplicado o perdão nunca poderá ser inferior à pena aplicada pelo crime que está excluído da lei. Ou seja, se essa pessoa estiver a cumprir pena há um mês, por exemplo, significa que ainda tem quatro anos e cinco meses pela frente. Como foi condenada a quatro anos pelo crime de roubo agravado, significa que o perdão aplicado não poderá ser de oito meses, mas sim de cinco meses, para garantir que o tempo não é inferior a quatro anos.

Estas contas que os juízes de todas as comarcas estão a fazer neste momento vão demorar meses. Um dos juízes contactado pelo Observador, da comarca do Porto, explicou que está agora a olhar para os processos cujas penas terminam em setembro de 2024 e só depois vai tratar dos restantes, definindo assim uma ordem temporal progressiva. Terminado um bloco de processos, avança para o bloco seguinte. De todos os processos analisados até agora, este juiz conta que já libertou duas pessoas que estavam a cumprir pena de prisão efetiva.

Mas há pouco falávamos sobre dúvidas — ou diferentes interpretações da lei — dentro dos tribunais. O Observador sabe que, dentro de uma mesma comarca, há vários entendimentos sobre esta lei. Uma das dúvidas é precisamente sobre o crime de roubo, na forma simples. Este crime não está contemplado na lista de exclusões, portanto, seria abrangido pela amnistia ou alvo de um perdão. No entanto, o roubo integra a definição legal de criminalidade especialmente violenta, porque é um crime dirigido também contra a vida ou contra a integridade física de alguém. E todas as vítimas dos crimes incluídos na criminalidade especialmente violenta são, por lei, consideradas vítimas especialmente vulneráveis.

Ora, a lei da amnistia exclui do perdão de penas todos os crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis. Por isso, alguns juízes consideram que os arguidos condenados pelo crime de roubo não podem beneficiar de um perdão de pena — não pelo tipo de crime pelo qual foram condenados, mas pela categoria da vítima. No entanto, outros magistrados consideram, como explicou ao Observador um dos juízes com casos deste tipo, “que o legislador teve a oportunidade de excluir o roubo e não o quis excluir” e, por isso, aplicam o perdão. Este entendimento vai resultar, por isso, em diferentes decisões para o mesmo tipo de crime. 

“É uma pena generosa do ponto de vista da dimensão”

No caso de Rui Pinto, a questão da amnistia e da sua relevância para uma pena suspensa ou efetiva levanta, de imediato, outro ponto: será o cúmulo jurídico aplicado é relativamente baixo para os nove crimes em causa? Aqui, a opinião parece unânime entre os advogados ouvidos pelo Observador, que consideram que a pena aplicada foi, de facto, “generosa”.

Primeiro, há que ter em conta os fatores atenuantes e que foram, aliás, explicados durante a sessão de leitura do acórdão pela juíza Margarida Alves, esta segunda-feira. Rui Pinto tinha menos de 30 anos quando cometeu os crimes em questão, pelo que o fator idade jogou a seu favor; e também confessou a autoria de certos atos, “ainda que parcialmente, em julgamento”, tendo ainda mostrado arrependimento e colaborado com as autoridades (uma colaboração, aliás, que se manterá ativa).

Depois, importa também olhar para as molduras penais dos crimes e qual a pena aplicada a cada um deles. No caso do crime de extorsão na forma tentada, a moldura penal pode ir até aos cinco anos e quatro meses de prisão. O tribunal condenou Rui Pinto a dois anos de prisão por esse crime. Em relação à violação de correspondência agravada, a pena aplicada tem um limite de um ano e três meses, tendo sido aplicado menos de um ano para cada um dos três crimes — nove e seis meses. Por último, o crime de acesso indevido pode ser punido com pena de prisão até dois anos e, no caso de Rui Pinto, a condenação pelos cinco crimes não ultrapassou um ano e seis meses.

Rogério Alves considerou ser "uma pena bastante generosa, do ponto de vista da dimensão". "Situa-se num limiar baixo do cúmulo possível. Nesse sentido, foi uma pena branda, que permite, por essa via, decretar a respetiva suspensão. É uma pena baixa, sem dúvida nenhuma, face ao conjunto de crimes, mas é um cúmulo possível", acrescentou.

Para estes nove crimes (três dos quais com uma pena inferior a um ano), o coletivo de juízes decidiu-se por um cúmulo jurídico de quatro anos. Algo que Rogério Alves considera ter sido “uma pena bastante generosa, do ponto de vista da dimensão”. “Situa-se num limiar baixo do cúmulo possível. Nesse sentido, foi uma pena branda, que permite, por essa via, decretar a respetiva suspensão. É uma pena baixa, sem dúvida nenhuma, face ao conjunto de crimes, mas é um cúmulo possível”, acrescentou.

Dizer que a pena é justa, ou não, “é muito difícil”, considera o advogado Paulo Sá e Cunha. O que se pode dizer neste momento, no entanto, é que o tribunal deu grande peso aos fatores atenuantes. “E aí tenho algumas dúvidas sobre uma certa benevolência com que pode ter sido tratado o Rui Pinto. Não podemos esquecer que ele andou em fuga durante muito tempo e que não se entregou voluntariamente. Teve de ser detido, teve de ser extraditado para Portugal. Diria que não foi a atitude mais colaborante”, explicou o advogado.

Paulo Sá e Cunha considera, aliás, que o tipo de crimes em questão poderia também levar a uma prisão efetiva, sobretudo quando se olha para o crime de extorsão na forma tentada. “Parece que o primeiro objetivo de Rui Pinto não era fazer justiça e revelar uma série de coisas que corriam mal no futebol. O primeiro objetivo era extorquir dinheiro. Mas mesmo que não fosse extorquir dinheiro, que fosse a melhor das intenções, não podemos tolerar uma investigação criminal assente em provas obtidas assim. A prova que não é legalmente obtida não pode ter valor no processo”, acrescentou.

“Não vale tudo, nem nunca poderá valer tudo. Na justiça, tal como no futebol, os fins nunca poderão justificar os meios”

Apesar de o resultado ter sido uma pena suspensa, o coletivo de juízes fez questão de dizer durante a leitura do acórdão que, “no essencial, os factos descritos [na acusação] resultaram provados”. E a juíza Margarida Alves não poupou as críticas a Rui Pinto: “Não vale tudo, nem nunca poderá valer tudo. Na justiça, tal como no futebol, os fins nunca poderão justificar os meios”.

Teixeira da Mota, advogado de Rui Pinto, no início da sessão da leitura do acórdão

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Rui Pinto falou durante o julgamento — explicou, aliás, a sua versão durante quatro sessões —, mas nem todas as justificações convenceram o tribunal. Um desses exemplos é a sua participação nas publicações feitas no blogue ‘Mercado de Benfica’, em que Rui Pinto negou qualquer envolvimento, tendo mesmo dito que a divulgação naquela plataforma era “lamentável”. “A ser assim, não haveria motivo para o blogue ter parado as suas publicações depois da detenção do arguido”, referiu a presidente do coletivo, acrescentando que o blogue “serviu para agitar as águas de um público sedento de notícias mediáticas”.

Nas alegações finais, o Ministério Público disse não ter ficado convencido com a versão dada por Rui Pinto durante as últimas sessões de julgamento, altura em que explicou que não terá feito os acessos às contas de empresas, advogados e clubes de futebol sozinho. E esta segunda-feira, o coletivo de juízes seguiu a mesma linha, considerando não ter ficado provado que “o arguido Rui Pinto tenha trabalhado conjuntamente com algumas pessoas no Football Leaks”.

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