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Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Ana Jorge, ouvida na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão a requerimento do grupo parlamentar do PSD, sobre a situação financeira da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa,  Assembleia da República em Lisboa, 27 de fevereiro de 2023. MIGUEL A. LOPES/LUSA
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Ana Jorge foi exonerada pelo Governo de provedora da Santa Casa, mas fica até ser substituída

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Ana Jorge foi exonerada pelo Governo de provedora da Santa Casa, mas fica até ser substituída

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Ana Jorge tinha um plano de reestruturação para a Santa Casa ou eram apenas "medidas avulsas"?

Ex-provedora diz que tinha desenhado um "plano de reestruturação sólido". Governo garante que lhe foi dito que não havia um plano. "Medidas avulsas" de Ana Jorge eram "insuficientes".

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A inexistência (ou não entrega) de um plano de reestruturação para responder à grave crise financeira da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) foi o principal argumento para fundamentar a exoneração da presidente da mesa, Ana Jorge, e da sua equipa. No entanto, a ainda provedora (estará em funções até ser substituída), na mensagem que enviou aos trabalhadores esta terça-feira, falou num “plano de reestruturação sólido que desenhámos e que queríamos implementar”.

O que fez Ana Jorge ao longo dos 12 meses (assumiu funções a 1 de maio de 2023) que esteve à frente da Santa Casa? E porque isso foi considerado tão pouco pelo novo Governo?

No despacho de exoneração de Ana Jorge, publicado esta terça-feira, a ainda provedora é acusada pelo Governo de “atuações gravemente negligentes que afetam a gestão” da Santa Casa, incluindo a “ausência de um plano de reestruturação financeira, tendo em conta o desequilíbrio de contas entre a estrutura corrente e de capital” desde que tomou posse.

Plano ou medidas avulsas?

A argumentação do Governo é que esse “plano” não passava de “medidas avulsas” que foram “insuficientes” e não estavam enquadradas num plano de reestruturação propriamente dito. “Essas medidas eram insuficientes para a grave situação financeira da Santa Casa. Além disso, eram medidas avulsas, não integradas num plano de reestruturação”, respondeu fonte oficial do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que tem a tutela da entidade, às perguntas do Observador.

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O gabinete de Rosário Palma Ramalho garante que não só não lhe foi entregue qualquer plano de reestruturação, como lhe foi indicado que esse plano não existia, embora constasse no plano de atividades para 2024. “Se houvesse um plano de reestruturação esse plano teria sido entregue à tutela. Quando a 12 de abril a ministra e a provedora reuniram, e a ministra perguntou pelo plano de reestruturação, foi-lhe respondido que não havia”, refere o Ministério, na resposta ao Observador.

O plano de atividades para este ano preparado pela gestão de Ana Jorge no final de 2023 trazia um diagnóstico financeiro preliminar que apontava para uma provável rutura de tesouraria nesse ano com um défice de 25 milhões de euros e uma necessidade de reforço de 55 a 65 milhões de euros. Eram identificados problemas com garantias prestadas (a empréstimos da Santa Casa Global no Brasil), dependência da receita aos jogos sociais, gastos com pessoal, negócios internacionais e áreas da saúde.

Além de medidas urgentes para assegurar a solvabilidade financeira, a gestão sinalizou que iria “iniciar um processo de reformas com a finalidade de alcançar sustentabilidade a médio e longo prazo, sem comprometer os níveis de serviços assistenciais aos mais vulneráveis”.

O documento referia ainda o objetivo de “desenvolver o processo de reestruturação e redução da estrutura orgânica” e previa que, no primeiro semestre deste ano, fosse elaborado internamente um “plano estratégico” para substituir o aprovado em 2021 pelo anterior provedor, Edmundo Martinho.

Mas sinalizava que “a prioridade essencial da atual mesa foi e será, até ao final do ano e em 2024, a definição e implantação de medidas e ações urgentes, para mitigar e evitar riscos financeiros e reputacionais”.  Prioridade que era justificada “pela necessidade premente de enfrentar a situação crítica da SCML, diagnosticada em junho passado”.

Para o ministério, “é preocupante que, estando há um ano em funções, tendo consciência da situação financeira da SCML, não tenha elaborado um plano de emergência para inverter a trajetória negativas das contas”, acrescenta.

O Ministério nega que Palma Ramalho tenha dado um prazo de 15 dias à provedora para apresentar o plano, mas o Observador sabe que foram pedidos muitos documentos a Ana Jorge na reunião de 12 de abril, noticiada pelo jornal Público, desde relatórios e contas, passando pelo tal plano que Rosário Palma Ramalho considerava que devia estar pronto, pontos de situação sobre operações na saúde, a famosa auditoria à internacionalização e dados provisórios sobre a execução orçamental dos primeiros meses.

Após essa reunião, Ana Jorge achava que ia ficar no cargo e que as mexidas seriam na composição da mesa. O Governo, por seu turno, esperava que a provedora se demitisse, como fez Fernando Araújo, da direção executiva do Serviço Nacional de Saúde.

Alguns dos documentos foram sendo entregues ao longo desta semana, inclusive já depois de ter sido noticiada a exoneração. Há ainda um parecer de uma consultora externa sobre o qual seria desenhado o tal plano com um redirecionamento das atividades assistenciais.

Ao Observador, o Ministério explica que os “elementos” a que o gabinete de Palma Ramalho teve acesso, e que levaram à decisão de exoneração, “foram devidamente analisados e alguns deles, que ainda não tinham sido enviados, foram remetidos para o Tribunal de Contas”.

Fachada do edifício da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 16 de abril de 2024. CARLOS M. ALMEIDA/LUSA

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa teve resultados positivos de 10 milhões de euros em 2023.

CARLOS M. ALMEIDA/LUSA

Que medidas foram implementadas pela provedora afastada?

Numa audição parlamentar em setembro, em que anunciou o envio de “indícios de irregularidades” no negócio de internacionalização da Santa Casa para a Procuradoria-Geral da República (PGR), Ana Jorge garantiu que a instituição ia manter “todas as linhas de atividade assistencial”, mas que, perante a situação financeira que encontrou na Santa Casa, a nova mesa tinha revisto em baixa alguns contratos de prestação de serviços, tinha suspendido novos contratos na área da saúde e ação social e tinha tomado “medidas de contenção” na área dos recursos humanos, para reduzir os cargos de chefia numa lógica de “maior fluidez de recursos” e nas “decisões”.

Essa reorganização da estrutura orgânica passou pela eliminação de cargos de dirigentes, reenquadrados noutras funções. Segundo o plano de atividades e orçamento para este ano, elaborado ainda em 2023, no ano passado o número de cargos dirigentes caiu 18% face ao ano anterior, de 344 para 281, sendo que para este ano se esperava nova diminuição para 279 dirigentes.

Outra das medidas adotadas pela provedora agora exonerada foi o travão a novas transferências para as operações internacionais, que estavam a ser alvo de uma auditoria forense, de forma a evitar a assunção de novos compromissos financeiros por parte da Santa Casa numa operação que já tinha gerado prejuízos de mais de 20 milhões de euros. Os resultados preliminares dessa auditoria feita pela BDO apontaram para indícios de práticas ilícitas e crime económico, nomeadamente nos negócios no Rio de Janeiro, e para perdas que poderiam chegar aos 50 milhões de euros.

Mas se este fechar de torneira procurou conter prejuízos adicionais na instituição portuguesa, houve também alertas — sobretudo do ex-provedor cuja atuação é visada nesta auditoria — para as consequências financeiras negativas que isso teria para a Santa Casa, em particular no que troca a processos judiciais por incumprimento de contratos.

Uma das medidas que mais polémica gerou foi a tentativa de rever em baixa os apoios da Santa Casa às federações desportivas e que suscitou uma resposta forte do então secretário de Estado do Desporto, João Paulo Correia, o que pode ter levado a instituição a cortar menos do que previa.

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Reestruturação pode levar a despedimentos?

Ana Jorge sempre recusou a ideia de despedimentos na Santa Casa, mas o plano de atividades feito durante a sua gestão dizia que era “urgente” a “tomada de medidas destinadas à diminuição e racionalização do número de trabalhadores que nos permitam assegurar parte dos valores necessários” para acomodar o novo acordo de empresa, que prevê aumentos de salários. O Observador questionou, em março, a Santa Casa sobre se isso significaria haver despedimentos, e quando, mas não obteve resposta.

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O Observador tem indicação de que a redução do número de funcionários da instituição foi um dos temas de fricção na conversa entre a nova ministra e a provedora na qual Rosário Ramalho terá procurado saber qual era o plano específico da Santa Casa para esta área. Questionado pelo Observador sobre a possibilidade de serem realizados despedimentos ou rescisões no quadro de uma futura reestruturação, o Ministério não se compromete com redução do número de trabalhadores ou um corte na prestação de serviços e de apoios. “Compete à mesa apresentar esse plano que a tutela depois analisará e validará”.

O número de trabalhadores da Santa Casa diminuiu ligeiramente em 2022, face a 2021, mas desde então tem-se mantido estável nos seis mil e o plano de atividades para 2024 não previa uma redução.

Para este ano, a mesa de Ana Jorge acordou aumentos salários médios de 6,5% aos trabalhadores. O plano de atividades de 2024 referia que os gastos com pessoal “continuam a representar uma parte muito significativa dos gastos totais, cerca de 60%, e os fornecimentos e serviços externos e custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas representam 24,3%”.

As medidas estavam a resultar?

Na audição de setembro no Parlamento, Ana Jorge garantiu que o Orçamento da instituição para 2024 “assegura a sustentabilidade da Santa Casa, está equilibrado, sem recorrer à venda de património ou empréstimos” e prevê “a adoção de medidas de redução de despesas não relacionadas com a missão da Santa Casa”.

O plano de atividades do final do ano passado, e que é o documento mais atualizado público sobre a situação financeira da Santa Casa, previa um saldo de gerência positivo para 2023, mas um saldo de capital negativo de 26 milhões de euros, muito equivalente ao registado em 2022. Ainda para 2024, estava previsto um novo saldo de capital negativo de 22,8 milhões de euros, com um alerta de que se fosse necessário gastar verbas provisionadas em 2023, poderia ser necessário encontrar fontes de financiamento adicionais.

A Santa Casa alertava também para o impacto do reconhecimento nas contas de 2021 e de 2022, que a anterior ministra Ana Mendes Godinho se recusou a homologar, das perdas com os investimentos no Brasil. Esta correção de contas foi feita ainda com o anterior Governo em funções, o que permitiu nessa altura a luz verde por parte da então ministra da tutela.

Santa Casa passa de lucros a prejuízos em 2022. Contas já foram aprovadas por Ana Mendes Godinho

Segundo os dados que terão sido apresentados à ministra, a Santa Casa teve resultados positivos de 10 milhões de euros em 2023, mas muito graças ao pagamento de 34 milhões de euros por parte da Segurança Social de uma dívida reclamada pelo reforço da prestação de serviços com utentes de lares de terceira idade durante a pandemia. Este pagamento foi feito no final do ano passado pelo Instituto de Segurança Social que era à data tutelado por Ana Mendes Godinho, a mesma ministra que deu o apoio a Ana Jorge no desempenho de funções na Santa Casa.

Já este ano, a instituição conseguiu atualizar para cima os valores recebidos pelo Ministério da Saúde pelos serviços prestados pelas unidades hospitalares da Santa Casa e pelo Centro de Reabilitação de Alcoitão. No entanto, os dados disponíveis sobre as receitas de jogo apontam para desvios face às previsões.

Na avaliação do novo Governo, a administração cessante “não tomou as medidas adequadas que se impunham para inverter rapidamente a situação financeira de extrema gravidade e riscos de insustentabilidade da SCML”. E dava como exemplo o facto de, ao longo do último ano, não ter sido “apresentado um plano estratégico ou de reestruturação, nem tão pouco um plano para fazer face às fortes quebras sentidas pela diminuição das receitas provenientes dos Jogos Sociais, principal fonte de rendimento da instituição”.

Ana Jorge acusada de “atuações gravemente negligentes” pelo Governo. Provedora fala em exoneração “rude”

A mesma nota é invocada no despacho publicado no dia seguinte, mas com uma carga mais pesada, quando justifica a exoneração com “atuações gravemente negligentes que afetam a gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, nomeadamente a ausência de um plano de reestruturação financeira, tendo em conta o desequilíbrio de contas entre a estrutura corrente e de capital, desde que tomou posse até agora”. Para além de invocar a falta da prestação de informação à tutela, nomeadamente o relatório e contas de 2023.

Face a este parágrafo em particular e a exoneração anunciada presencialmente na véspera pela ministra da Segurança Social, Ana Jorge lamentou a forma “rude e caluniosa” como foi afastada e promete contar a sua verdade no local e tempo próprios (no Parlamento). Apesar da demissão ter produzido efeitos esta terça-feira, a provedora vai ficar em funções até ser substituída, indica o Ministério.

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