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Foi uma das novidades das últimas eleições legislativas e obrigou o Parlamento a mudar hábitos enraizados há quase duas décadas. O PAN é um dos protagonistas desta legislatura. Conseguiu colocar temas na agenda mediática nacional, como a despenalização da morte assistida, ou aprovar medidas como o fim do abate dos animais em canis, o aumento do preço dos sacos de plástico ou o fim da utilização de animais selvagens no circo. Algumas das suas propostas foram alvo de caricaturas e outras tantas sofreram críticas de quase todos os partidos, como foi o recente caso da Ritalina. Um currículo que foi sendo construído com apenas um deputado – e respetiva equipa de assessores.
Ao longo dos últimos três anos, no meio de grupos de trabalho, comissões de inquérito, debates quinzenais, sessões plenárias e Orçamentos do Estado, o líder do PAN, André Silva, consegue arranjar tempo para manter os seus hobbies. Dão-lhe o equilíbrio que entende ser fundamental para uma função como a sua. Fomos conhecer este deputado de 42 anos que, apesar de gostar da vida que leva, confessa que só queria fazer mais um mandato no Parlamento. Para bem dele mas, sobretudo, para bem do partido.
Aulas de biodanza. “O meu escape ao stress parlamentar”
O andar é seguro e o olhar determinado. Com os olhos fixos no horizonte, avança com vigor, pé firme ante pé firme. Cada passo parece ser a confirmação de que está no rumo certo. Focado no local que definiu como destino desta caminhada, André Silva anda de forma confiante e com um ligeiro sorriso no rosto. De repente, sem que nada o faça prever, muda de direção. O foco é agora outro, mas tudo o resto continua igual. A determinação e a segurança não se desmancham. Ao fundo, as colunas projetam para a sala uma canção de Adele. Rolling in the deep parece ser a escolha adequada para marcar o passo. Este é um dos exercícios que compõem a aula de biodanza de terça-feira, dia 25 de setembro. É assim todas as semanas. Às terças-feiras, depois de deixar a Assembleia da República, o deputado do PAN dirige-se para Alvalade e durante duas horas encontra o seu refúgio na prática desta modalidade. “É o meu escape ao stress parlamentar“, confessa ao Observador.
Os ensinamentos transmitidos nas aulas têm como premissa influenciar a forma como se encara a vida. Cada exercício tem uma espécie de moral. No caso, o objetivo era trabalhar a segurança através de uma caminhada firme. A modalidade torna-se um misto de terapia com dança – ou através dela. A parte performativa, a mais técnica, não é tida em conta, até porque não há espetáculos deste tipo de dança para apresentar ao público. O foco é outro.
“Ao início gostava mais da primeira parte da aula, que é mais ativa, para soltar o stress. Mas agora prefiro a segunda, a mais relaxada, em que os exercícios lentos permitem que eu sinta, por exemplo, o ar a passar lentamente pelos meus dedos através de um movimento mais leve”, explica enquanto faz a mão esquerda viajar vagarosamente do seu ombro direito até à cintura, exemplificando o exercício.
Os alunos sabem que contam com uma figura pública e política entre os seus, mas raramente tocam no assunto. Esta atitude de aceitação e normalização ajuda o deputado de 42 anos a sentir-se mais confortável e distante da sua exigente rotina diária. “Às vezes mandam umas bocas sobre política, mas nada de especial. Respeitam muito a minha opção”.
Aos olhos dos restantes alunos, é visto como uma pessoa simples e que se entrega de forma natural, descomplexada. André Silva sabe-o e até brinca com a situação. “Tento manter essa simplicidade. Se calhar já serviu para conquistar alguns votos neste grupo”, ironiza, soltando uma gargalhada que rapidamente contagia aqueles que o ouvem.
Apesar de fazer os possíveis para ser apenas mais um membro do grupo, acaba por não o ser. Seja qual for o contexto, “as bocas” podem surgir inadvertidamente. Podem vir de qualquer pessoa, a qualquer momento. O deputado assegura estar sempre preparado para responder. Umas vezes fá-lo de forma mais descontraída; outras entra no debate – desejavelmente saudável.
No Parlamento, a descontração não entra. O dia-a-dia de André Silva raramente permite que encontre tempo para relaxar. Isso acontece apenas fora de São Bento. Seja na biodanza, seja nos centros de vegetarianismo – onde vai para retiros de maior duração – ou em bares onde se fuma shisha, o deputado gosta de criar distanciamento da vida parlamentar também fisicamente. Libertar a cabeça faz parte das suas preocupações. Ou pelo menos, assim vai tentando. “Obrigo-me a sair da bolha do Parlamento”, explica.
A tentativa de conciliar trabalho com hobbies vem de antes. É uma condição sine qua non para manter-se estável e satisfeito. Sempre foi. Mas essa gestão ficou mais difícil desde a noite de 4 de outubro de 2015, quando o PAN conseguiu eleger um deputado para a Assembleia da República. Foi a primeira vez em quase 20 anos que um novo partido conseguiu entrar para o Parlamento. E logo um partido que mais do que uma ideologia defende causas. Um discurso alternativo mais do que antissistémico que foi suficiente para entrar na piscina dos grandes e que muitos consideram demasiado radical e utópico.
A história do PAN cruza-se com a história de André Silva. São indissociáveis, mas não são a mesma coisa. “Não é um partido de um homem só”, assegura. Mas, aos olhos da sociedade, é líder e deputado único do partido. Falar do PAN é falar de André Silva. E vice-versa. Se foi assim desde que chegou à liderança do partido, a noite de 4 de outubro de 2015 não permitiu que jamais fosse diferente.
A noite que mudou os destinos de André Silva – e do PAN
Acordou tranquilo e foi votar ao início da tarde. Sabia que os resultados daquela noite podiam alterar o seu futuro e o do partido que liderava, mas tinha chegado o dia da decisão. Havia algum nervosismo, claro, mas também serenidade. As sondagens que tinha em sua posse permitiam sonhar de forma realista. “Existia muita expetativa”, assume. A campanha tinha corrido bem apesar de ter tido pouco destaque na imprensa. A confiança que tinha num bom desfecho para aquele dia não podia sobressair em demasia. Era preciso conter as emoções. A tarde passou de forma lenta e quando chegou à sede do PAN na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, já ao fim da tarde, o ambiente de otimismo ponderado era transversal a todos os presentes. Todos sabiam como podia acabar aquele dia, mas ninguém se atrevia a cantar vitória antecipadamente.
Quando as urnas fecharam não havia nenhum órgão de comunicação social na sala. Apenas membros do partido, apoiantes e simpatizantes. As primeiras sondagens previam a entrada de um novo partido no Parlamento. Os três canais televisivos anteviam essa possibilidade mas nenhum falava do PAN. O partido LIVRE, de Rui Tavares, e o PDR, de Marinho e Pinto, pareciam estar com um pé dentro do hemiciclo. “Era certo que havia espaço para um novo partido. Ninguém falava do PAN, mas não perdemos a confiança”, relata. No entanto, conta quem acompanhava com redobrada atenção a evolução dos resultados, o medo de falhar o objetivo instalou-se com mais vigor. Por dentro, as incertezas podiam ser muitas, mas fazia o que podia para não transmitir essa ideia para fora. Afinal, os votos estavam a começar a ser contados e até chegarem os resultados oficiais não poderia haver lugar para o desalento.
Os primeiros números foram criando algum entusiasmo: a possibilidade de o PAN eleger um deputado por Lisboa era real. As expetativas começavam a ser correspondidas. O sonho parlamentar ganhava forma. Aconselhava-se cautela, mas a excitação ia crescendo junto daqueles que iam sabendo da boa-nova. Nas televisões também começava a inverter-se o cenário. Quando António Costa falava ao país desde o Hotel Altis para reagir aos resultados já todos os meios de comunicação social contemplavam a hipótese de o PAN vir a entrar no Parlamento. Os resultados já apurados catapultavam o partido e colocavam-no à beira da eleição.
Aos poucos, a sede foi enchendo e a comunicação social já ia marcando presença. Os sinais apontavam todos no mesmo sentido, para surpresa de muitos portugueses e gáudio dos vários apoiantes do partido que já se preparavam para fazer a festa. Por esta altura, André Silva ia preparando o seu discurso. Foi já depois de os restantes partidos eleitos terem falado que o líder do PAN subiu ao palanque para agradecer o apoio e para falar de “um dia histórico” para Portugal e para o partido. Eram um dos vencedores da noite. Aproveitando o tempo de antena, não poupou nas críticas à comunicação social e às sondagens, que acusou de nunca terem dado a devida atenção ao PAN.
Naqueles instantes soube imediatamente “que os quatro anos que tinha pela frente seriam certamente um desafio”, conta. Um tiro no escuro, que ia implicar uma mudança radical no seu quotidiano. “Sabia que ia ter de me habituar a um mundo novo, com regras próprias e que teria de o fazer depressa”, diz.
Quando chegou ao Parlamento demorou a acostumar-se aos hábitos existentes, sobretudo por não ter um grupo parlamentar para o apoiar. “Todos os anos entram deputados novos mas têm uma estrutura partidária oleada que facilita a integração. Nós fomos um partido novo. A estrutura também teve de se adaptar”, explica.
Hoje em dia já conhece os cantos à casa e já não se perde nos corredores, mas a integração levou o seu tempo e nem sempre foi fácil aceitar as novas rotinas. “Tive ajuda de todos os partidos. Foram todos solidários comigo e nunca nenhum me fez sentir como um estranho”, reconhece.
“O próprio Parlamento não estava preparado para a circunstância de receber um novo partido”. As dificuldades iniciais foram muitas e colocaram-se sobretudo a nível burocrático. O PAN, por ter apenas um deputado, não tem um grupo parlamentar. Por consequência, não existe líder da bancada e os estatutos da conferência de líderes, onde os presidentes dos grupos parlamentares agendam os trabalhos e propõem votações, não permitem formalmente que alguém na situação de André Silva possa participar nesses encontros. Algo que, desde o primeiro momento, considerou discriminatório e que cedo tentou combater. “Não me parecia justo que estivesse de fora dessas decisões. Temos um mandato que nos foi conferido pelos portugueses e temos de dispor de todas as ferramentas para podermos cumpri-lo”, relata.
Por isso, e sem ser convocado, apresentou-se à porta da sala onde iria decorrer a primeira conferência de líderes desta legislatura, como todos os outros. “Fui para a porta porque queria expor esta injustiça regimental e para encontrar uma solução, não se tratou de um ato hostil”, garante. Quando os líderes das bancadas o viram a chegar estranharam, mas não o condenaram. “Eles próprios ficaram confusos, acho que nem todos sabiam se eu podia ali estar”, comenta. De pé, e ao lado dos líderes parlamentares, aguardou a chegada do Presidente da Assembleia da República. Quando a sala abriu e puderam entrar, André Silva fê-lo com a naturalidade possível de quem pela primeira vez, e sem autorização, anda por aquelas paragens.
Depois de debaterem qual a melhor solução para incluir o PAN nestas reuniões respeitando as regras parlamentares, entenderam que André Silva poderia assistir a todas como observador. Mais tarde, permitiram que pudesse fazer agendamentos de trabalhos uma vez por sessão legislativa. Atualmente, pode fazê-lo três vezes por cada ano parlamentar.
“Houve conquistas que foram alcançadas devido ao esforço do deputado, mas também graças à benevolência dos outros partidos”, afirma ao Observador o líder do grupo parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães. Algo que André Silva corrobora, embora ressalve que do lado dos restantes partidos existe muitas vezes “algum paternalismo e uma certa condescendência” em relação a si e ao PAN.
Este tipo de atitude não é novo no Parlamento. Em 1999, quando o Bloco de Esquerda elegeu deputados – dois – pela primeira vez, Francisco Louçã e Luís Fazenda estiveram de pé durante toda a sessão plenária que inaugurava aquela legislatura. Protestavam por lhes terem sido atribuídos dois lugares na quarta fila e não na primeira. Argumentavam que, como grupo parlamentar que eram, mereciam estar na linha da frente do hemiciclo, como os restantes. Acabaram por conseguir um lugar nessa linha da frente.
Táticas para poupar tempo, almoços veganos e o exemplo do Butão
Por norma, André Silva chega ao Parlamento por volta das 8h00 e dirige-se à sala do PAN, que se encontra mais perto da sala do senado do que do hemiciclo. Deixa os seus pertences e toma o pequeno-almoço no bar. “São dois sumos de laranja, por favor”, pede. O facto de ser vegan não interfere diretamente nesta escolha. “Gosto muito de fruta”, justifica. Aproveita este momento no bar para começar a olhar para os jornais e para a agenda do dia.
Quando volta ao seu gabinete, a sala continua vazia. A restante equipa, composta por quatro assessores, chega apenas por volta das 10h00. Este hiato temporal permite que André Silva organize o trabalho diário, se concentre em escrever intervenções e responda a e-mails com um silêncio pouco habitual naquele espaço. “Gosto de ter este tempo para mim. Adianto muito trabalho e quando chega a minha equipa já tenho as tarefas distribuídas, prontas para serem entregues”, explica.
São muitos dossiês para uma equipa necessariamente pequena. “Não podemos ir a todas”, comentam muitas vezes entre si para tentarem priorizar temas. Preferem assumir esta posição, sendo “pragmáticos”. São o único partido que assume não ter capacidade de abordar todas as frentes de ataque, algo que qualquer outro partido da Assembleia da República não poderia dizer. “Quando nos perguntam se estamos interessados em participar numa conferência ou numa entrevista, por exemplo, brincamos entre nós e dizemos que um dos nossos deputados terá de ir”, conta animado. Com ou sem piadas, é na agenda de André Silva que acaba por cair a maior parte destes convites.
Até mesmo a nível pessoal “há táticas” que André Silva adotou para poder tornar o desperdício de tempo quase nulo. “Por exemplo, o PAN tem sempre pouco tempo para intervir. Eu já sei que demoro, mais coisa menos coisa, um minuto a ler um discurso de uma página A4. Mas para chegar a este dado tive de preparar muitos discursos e de agilizar a forma como leio”, afiança. É tudo contado. À palavra, ao segundo.
As comissões parlamentares e os grupos de trabalho em que o PAN está inserido exigem do seu deputado uma disponibilidade quase total e da sua equipa uma distribuição e preparação de temas rigorosas e exigentes. Mas às vezes não chega e André Silva assume que chega ao plenário sem preparação para os assuntos na agenda. Muitas vezes vota pela abstenção, por não conhecer os temas a fundo.
No gabinete, e já com toda a equipa à sua disposição, André Silva gosta de promover um ambiente informal e descontraído. As piadas costumam atropelar os comentários sobre trabalho. “Tenho meia hora para preparar aqui umas coisas para a conferência de líderes”, avisa num tom descontraído, mas que serve para colocar os olhos dos seus assessores novamente nos ecrãs. O silêncio toma conta da sala até que André Silva o quebra: “Olha, olha! Hoje temos direito a duas notícias no Público”. Gera-se um pequeno debate sobre a atenção que a comunicação social dá ao PAN, ouvem-se piadas que disfarçam mais críticas e no fim silêncio. “Depois dá uma olhadela aqui na minha intervenção”, pede a uma das assessoras enquanto se prepara para atender mais um telefonema.
A vida na sala do PAN é acelerada e terá contribuído para a existência de alguns cabelos brancos na cabeça de André Silva. “Ele anda sempre a mil à hora”, comenta uma assessora. “Até a almoçar! Ele não come, ele aspira a comida!”. Um hábito que vem de antes mas que se acentuou nos últimos três anos. “Mas eu sempre comi rápido”, compõe André Silva.
Se houver tempo, a equipa do PAN gosta de ir almoçar fora. São todos vegetarianos ou veganos, o que facilita o consenso em torno da escolha do restaurante. Durante a refeição fala-se de trabalho de forma descontraída, mas também de temas que em nada se relacionam com a vida parlamentar. É a altura do dia em que a equipa melhor consegue libertar-se da pressão, limpar a cabeça e respirar um pouco fora das paredes de São Bento.
“Ser vegetariano não é um requisito para entrar no partido, mas se defendemos o bem-estar animal é normal que os vegetarianos se identifiquem mais connosco”, explica o líder do PAN. Apesar de ser um partido de causas, também existe uma ideologia por trás. O modo de vida que apregoa tem por base uma série de preceitos que André Silva defende. “A nossa ideia de sociedade é diferente daquela que é defendida por todos os outros partidos”, começa por explicar. “É por isso que não nos consideramos nem de esquerda nem de direita, porque para mim, para nós, a discussão deve ser tida num plano anterior a esse. Nós não queremos um modelo de sociedade em que não se questione o produtivismo, os meios de produção ou em que a economia seja o centro da política: aquilo que pretendemos é ter a vida e o bem estar no centro da nossa atuação, sem desperdiçar recursos”, resume. No entanto, não explica em que moldes pretende fazê-lo: “É preciso mudar uma coisa de cada vez”.
“Há uma série de conceitos que nem os partidos de esquerda nem os de direita questionam e que até aceitam”, afirma. Um dos exemplos relaciona-se com o PIB. “Por exemplo, porque é que a riqueza de um país se mede em função do PIB? Há mais valores que podem ser mensuráveis… Nós entendemos que em vez de nos compararmos com outros países através do Produto Interno Bruto podíamos fazê-lo utilizando o Índice de Felicidade, que, de resto, já é calculado em alguns estados dos Estados Unidos ou em alguns países como o Butão”.
Não é a primeira vez que André Silva utiliza este argumento para defender um modelo de sociedade diferente, mais concentrado no bem-estar do que nas contas certas. A 25 de Abril de 2016, na primeira vez que participou numa cerimónia parlamentar comemorativa daquela data, o deputado recorreu ao exemplo do Butão para defender um modelo de sociedade diferente. Trata-se de um país que em vez de utilizar o PIB como indicador principal de riqueza prefere usar aquilo a que, numa tradução livre, poder-se-ia chamar FIB (Felicidade Interna Bruta).
O Butão, situado no sul do continente asiático no meio dos Himalaias, surge frequentemente nos rankings de países mais felizes do mundo. Mas também tem sido alvo de duras críticas por discriminar refugiados e estrangeiros. É uma democracia apenas desde 2008 e a experiência é ainda curta, mas nem só de bem-estar e felicidade vivem os butaneses. Sobretudo os de origem nepalesa, que são desde sempre segregados pela monarquia e pela restante população. Confinados a uma região do território, estes cidadãos são diferenciados dos restantes com base na sua origem, através de bloqueios ao acesso à saúde ou à cidadania.
O respeito pelos Direitos Humanos é muitas vezes questionado por organizações internacionais, com a ONU à cabeça. Em 2009, as Nações Unidas avaliaram esta questão e deixaram uma lista com 99 recomendações para que o país pudesse estar em linha com os países considerados respeitadores desses direitos. Entre as sugestões, aconselharam que se tomassem medidas para proteger a liberdade de expressão e de imprensa ou para respeitar a liberdade religiosa e étnica. No entanto, foi este o país que o deputado do PAN decidiu apresentar como modelo a seguir no dia em que se celebra a liberdade em Portugal.
André Silva justifica-se dizendo que “não é um país perfeito”, mas continua a defender que o índice de felicidade não pode vir a ser descurado pelos governos de todo o mundo. “Mais cedo ou mais tarde, sem que seja necessário eliminar qualquer indicador já existente, o indicador relativo ao bem-estar será criado e será tido em conta. Será apenas mais um. Mas acredito que, a médio prazo, todos os países vão ter um indicador semelhante”, antevê.
Segundo o deputado, a fórmula far-se-ia juntando vários fatores “que já são calculados para outros fins”, como o acesso à escolaridade, a liberdade de imprensa, a qualidade da Justiça, os cuidados de Saúde ou as medidas ambientais existentes. A isto podia até acrescentar-se perguntas sobre bem-estar que pudessem ser incluídas nos censos.
O tema não era propriamente o mais expectável para um discurso do 25 de abril, mas muitas vezes a estratégia de André Silva passa por isso mesmo: fugir à norma, falar de temas que não estejam na agenda mediática e marcar posição pela diferença. “Às vezes pecam por algum excesso e algum radicalismo na forma como defendem as suas propostas. Mas isso até pode ser intencional”, considera o deputado centrista Nuno Magalhães.
O deputado do PAN reconhece que para conseguir ter algum destaque, para poder marcar a agenda e para a mensagem ser mais eficaz, tem de recorrer a um “discurso alternativo”. “Até porque foi com esse programa que fui eleito”, recorda. De outra forma, no seu entender, estaria a “trair o mandato” que lhe conferiram e a sua intervenção ficaria recorrentemente “escondida entre as outras”.
Indignação, paternalismo, gozo e aceitação. O PAN visto pelos outros deputados
O desconforto que as suas ideias causaram num Parlamento pouco habituado a novatos era “inevitável”. André Silva sabe que as ideias que leva a plenário são muitas vezes alvo de chacota ou de gozo. Mas isso não o incomoda. É algo que já enfrentou no período que antecedeu a sua eleição – e, ainda hoje, “nas redes sociais”, recorda.
Recentemente, nas negociações para o Orçamento do Estado para 2019, André Silva convenceu o Governo e o PS a incluírem no documento o fim da isenção de IVA para os artistas tauromáquicos. Uma medida pela qual o partido se batia desde o início da legislatura e que só foi acolhida no último OE. Esta alteração levou a um curto mas aceso debate entre a Ministra da Cultura e a bancada do CDS, na terça-feira 30 de outubro, no dia em que se votava o diploma orçamental na generalidade. Os centristas acusaram o Executivo de promover uma “cultura de primeira” e uma “cultura de segunda” com base no gosto, e deram como exemplo o fim da isenção do IVA para os agentes tauromáquicos. A essa crítica Graça Fonseca respondeu de forma dura, criando indignação até entre os socialistas: “trata-se de uma questão de civilização e não de cultura“. A frase não caiu bem em vários setores mas terá certamente sido do agrado do líder do PAN, que via uma medida do seu partido ser defendida pelo próprio Executivo.
Esta troca de galhardetes não contou com a intervenção de André Silva mas teve na sua génese uma medida do PAN. Apesar de o deputado ser uma peça cada vez mais oleada na complicada engrenagem parlamentar, nem todos o recebem de bom grado. Os exemplos são vários e não têm diminuído com a passagem do tempo. A 21 de setembro, por exemplo, o PAN apresentou em plenário um voto de pesar pela morte de Fabián Tomasi, um ativista argentino que faleceu devido a uma polineuropatia tóxica severa, que terá sido causada pela exposição a materiais que continham glifosato.
O facto de terem de votar este tema causou indignação a alguns deputados. “É um triste sinal dos tempos que estejamos a votar um voto sobre um alegado mártir do glifosato na Argentina, no plenário da Assembleia da República, Sr. Presidente”, lamentou o socialista Sérgio Sousa Pinto, que acabou por ser o único deputado a votar contra. Contudo, a sua intervenção arrancou aplausos das bancadas do PSD e do CDS e suscitou uns tímidos sorrisos em alguns deputados do PS, que também aplaudiram.
À saída, André Silva relativizou esta posição. “Eles primeiro gozam, depois batem mas, no fim, vão acabar por aceitar”, antevê confiante. Tem sido esta a postura que tem adotado perante ataques deste tipo. Críticas que considera “paternalistas” mas compreensíveis, já que “as causas por que o PAN se bate” não estavam na agenda política e colocaram os restantes partidos a pensar debatê-los.
De resto, Sérgio Sousa Pinto é um dos maiores críticos do modelo de sociedade defendido por André Silva. No lado do PSD há um nome para que apontam todos os dedos quando se pergunta por um opositor desta agenda: Nuno Serra. Ao Observador, o social-democrata diz não ter dúvidas de que o PAN tem como objetivo “destruir as tradições portuguesas”, algo que se recusa a aceitar. “Mais do que impor uma ideologia, querem destruir o que temos de mais rural e de mais tradicional. Mas não vão conseguir. Graças a eles, dá-se agora mais atenção à ruralidade”, entende. “Têm estado a atirar areia para os olhos das pessoas para esconder uma ideologia maior por trás. Pode correr bem nos centros urbanos mas não no meio rural, que está cada vez mais atento”, avisa. “Não podemos aceitar, não podemos ser um povo acéfalo”.
Nos corredores, alguns colegas comentam que tem uma agenda irrealista, que não se coaduna com a realidade. “É a típica agenda simpática”, caracteriza um deputado que não quis ser identificado. “Ele às vezes faz-se de sonso porque sabe que assim consegue normalizar o PAN, sem entrar em radicalismos. Mas as ideias são demasiado radicais e irrealistas. Ele percebeu que conseguia pequenas conquistas se não exagerasse e é isso que tem feito”, acrescenta.
“Às vezes o André [Silva] é tratado com alguma condescendência e com algum paternalismo sobretudo por alguns setores dos partidos de direita, e essa postura é até pouco comum naquilo que é prática parlamentar”, analisa o deputado Jorge Costa, do Bloco de Esquerda. “É certo que tem uma agenda suscetível a alguma caricatura mas nós, no Bloco, por exemplo, sempre optámos pela não ostracização do PAN“, explica.
O deputado do PAN não faz distinção entre o tratamento dos partidos de direita e os partidos de esquerda. Todos, à sua maneira, foram essenciais para a sua integração. E diz estar agradecido por isso. “Tentei sempre manter uma relação cordial com todos os agentes parlamentares, até com os jornalistas”, sublinha. Algo que todos os partidos que se dispuseram a falar sobre André Silva confirmam. “Foi uma certa lufada de ar fresco no Parlamento”, considera Nuno Magalhães. “Não sei se é uma mais-valia ou não”, refuta António Costa Silva, do PSD. “Mas é sempre bom contar com diversidade no Parlamento. E no trato pessoal é um indivíduo impecável. Temos muito respeito por ele. É simpático e simples”, acrescenta o social-democrata.
A perceção dos restantes deputados sobre a postura de André Silva coincide em dois pontos: simplicidade e uma certa informalidade. Algo que, segundo o líder da bancada do CDS, o deputado conseguiu inclusivamente transportar para dentro do plenário. “Começou a dizer ‘bom dia’ em vez da fórmula mais habitual do ‘sr.presidente, senhores deputados, etc’. E já há mais deputados a fazer o mesmo. O que significa que já mudou algumas coisas no funcionamento da Assembleia da República”, salienta entre risos Nuno Magalhães.
Como que confirmando a antevisão de aceitação profetizada pelo próprio, os restantes partidos já se habituaram a contar com o PAN na lógica de funcionamento do Parlamento. “Não é um adversário nem um amigo”, cataloga António Costa Silva. “É um partido cujas causas seguimos com atenção e com humildade, embora não deixemos de notar que, ainda que recuse ser conotado como sendo de esquerda ou de direita, votou sempre ao lado de PS, Bloco de Esquerda, PCP e PEV nas medidas para-simpáticas, como a da subida do salário mínimo nacional para 650€”, salienta Nuno Magalhães.
Um comportamento que se verificou também em todos os Orçamentos do Estado desta legislatura. Através da abstenção ou do voto favorável, desde 2015 André Silva tem contribuído para a aprovação dos sucessivos OE. “Embora não me reveja em todos os documentos não posso votar contra a devolução de rendimentos”, sintetiza de forma simplista. Mais do que valorizar esse sentimento, o bloquista Jorge Costa destaca “o pensamento próprio” que o deputado do PAN conseguiu criar “em relação a algumas propostas”.
A relevância de um partido de deputado único será tanto maior quanto mais distribuídos forem os assentos parlamentares. O facto de esta legislativa ter contado com uma solução governativa inédita contribuiu, assim, para dar mais destaque a André Silva e às causas ambientalistas e de defesa dos animais e da natureza. São ideias “que têm muito eco na sociedade e entre os jovens”, como lembram Jorge Costa e Nuno Magalhães.
Do radicalismo à moderação. E a ambição de eleger mais um deputado
A consciência ambientalista e defensora dos direitos dos animais despertou já tarde na mente de André Silva. Nascido em Lisboa, dois anos depois do 25 de Abril e um dia depois do Dia das Mentiras, teve sempre uma vida urbana. Estudou até ao décimo ano na zona da Portela. Os últimos três anos de escolaridade passaram por Alvalade, bairro a que regressaria décadas mais tarde para frequentar as aulas de biodanza.
Foi já depois de uma adolescência passada entre bairros lisboetas e bares de punk rock que André Silva acordou para o ativismo ambientalista. Licenciado em Engenharia Civil, foi nos tempos universitários que começou a interessar-se pela política e por causas que pudessem de facto modificar os comportamentos lesivos da sociedade. “Não foi uma questão de querer mudar o mundo, mas sim de consciencialização”, matiza.
Ao mesmo tempo que ia ganhando consciência ambientalista e ecológica começou a deixar de comer carne e peixe. Estabelece o ano de 2012 como sendo o da viragem no seu estilo de vida. “Quando nos apercebemos da quantidade de coisas que podemos alterar na nossa vida para reduzir a nossa pegada torna-se quase viciante. Vamos lendo coisas, falando com especialistas e associamo-nos a movimentos de forma quase natural”, explica. Foi através dessa pesquisa que se cruzou com o PAN e com os seus membros. Em Portugal apresentava-se como o único partido constitucionalmente formado disposto a defender as causas que por aquela altura começavam a ser também as do engenheiro civil André Silva. A partir daí, foi quase como uma bola de neve.
Entrou no partido, fez amigos entre os seus militantes e acabou por ganhar algum destaque devido à defesa acérrima que fazia dos seus argumentos nos debates internos do partido. “O PAN é um partido com muita diversidade, ainda que isso não passe para o exterior”, salienta o líder do partido. Nuno Magalhães, do CDS, também identificou essa característica: “O PAN é uma espécie de federação de pessoas, são muito diferentes. Nas autarquias chega a haver pessoas à minha direita. Acho que têm pessoas do PCP ao CDS”.
Nos primeiros anos de ativismo, aqueles em que se envolvia mais em debates e discussões sobre ambientalismo, vegetarianismo ou defesa dos animais, tanto dentro como fora do partido, era mais radical. “Tentava inclusive convencer os meus amigos e tínhamos longas discussões sobre o tema. Eu lia muito sobre o tema e sentia que toda a gente devia conhecer o meu ponto de vista”, reconhece. Esta situação foi sendo alterada com o passar do tempo. “Hoje em dia sou muito menos radical do que era nas minhas posições. E até acho que muitas vezes os argumentos mais radicais podem chegar a prejudicar a defesa ou o ativismo em torno de uma causa”, conclui.
Foi apenas em outubro de 2014, e já mais moderado, que chegou à liderança do PAN, que até então já tinha disputado as eleições legislativas de 2011, as autárquicas de 2013 e as europeias de maio de 2014. O partido tinha começado a ganhar terreno e as votações aumentavam de ato eleitoral para ato eleitoral. André Silva mostra-se confiante para as próximas eleições. “Acredito que consigamos duplicar mandatos no Parlamento já nas próximas legislativas. E talvez haja uma surpresa nas europeias”.
Se as coisas seguirem o rumo positivo que traça, a vida parlamentar não vai durar muito mais tempo. “Se conseguirmos duplicar mandatos e trazer mais pessoas para o Parlamento teremos rostos novos e afirmar-nos-emos como partido. Não serei o rosto único, o que vai permitir que no fim desse mandato deixe o meu lugar para que seja ocupado por uma outra pessoa, mais motivada e menos desgastada“, revela.
Gosta de viajar, mas diz sentir-se mal por ter de o fazer num avião devido à poluição inerente. “Para me sentir melhor tento sempre que as viagens que faço sejam duradouras, para que a pegada ecológica não tenha sido tão em vão. Pesa-me mesmo na consciência”, garante. Talvez pese, mas quando se fala dos planos de futuro, quando um dia já não estiver no Parlamento, André Silva já tem o passaporte na mão e o pé (pesado) dentro de um avião: “Vou viajar, vou para fora, conhecer o mundo”.