André Silva anunciou a saída de deputado e da liderança do partido já em junho — quando o partido tem agendado um Congresso —, alegando não querer “perder o comboio da parentalidade”. Quem conhece bem o deputado e líder do Pessoas-Animais-Natureza (PAN) estranhou o argumento. Nos corredores do partido, denuncia-se o excesso de protagonismo de uma certa fação, recordam-se as duras críticas dos fundadores do PAN e arriscam-se apostas: as saídas não ficarão por aqui.
A raiz do problema, dizem ao Observador fontes conhecedoras dos bastidores do PAN, está a Norte do país. A ‘corrente Norte’, como é tratada por alguns militantes, já se faz sentir há vários meses. O partido deu os primeiros passos nessa região e, até hoje, há quem nas estruturas não concorde com o estabelecimento da sede do partido em Lisboa. Pode parecer um pormenor, mas o irritante tem provocado ondas de choque dentro partido.
O pináculo dessa tensão entre a direção e outras figuras do partido aconteceu há um mês, depois de três fundadores do PAN terem tornado pública, no início de fevereiro, uma carta duríssima para com André Silva. António Santos, Pedro Taborda e Fernando Leite diziam-se “desapontados e indignados” com o atual estado do PAN e acusavam André Silva de ter transformado o partido numa “anedota inofensiva”.
Inês Sousa Real. O próximo alvo?
“Conseguiram ir afastando as pessoas que davam algum apoio ao André Silva até que ele se sentisse completamente sozinho e tivesse tomado esta decisão”, garante fonte próxima de André Silva ao Observador.
A saída de André Silva, em ano de eleições autárquicas e depois de o partido se ter congratulado com o resultado da candidata presidencial que apoiou, causa estranheza a quem não conhece bem o partido. O argumento usado pelo próprio, no entanto, não cola. A saída estará relacionada com as tensões internas que se vão sentido no partido.
No limite, afiançam alguns membros do partido, pode ter sido apenas uma forma de antecipar um desfecho anunciado: a ‘corrente Norte’ já tinha tomado a iniciativa de tentar uma “maioria de delegados na Comissão Política Nacional”, através do apoio de vários novos filiados, e estará a tentar tomar o partido.
Nos últimos tempos, ao contrário do que tem acontecido no resto do país, o número de filiados na distrital do Porto tem subido e a maioria no Congresso estará garantida. Ao contrário do que aconteceu no penúltimo Congresso do PAN, neste será mesmo o Norte a sair vencedor.
Nesse cenário, André Silva pode não ser a última vítima. A deputada Inês Sousa Real, que vem ganhando protagonismo no partido e na Assembleia da República, poderá estar numa situação delicada por não pertencer à corrente fundadora do partido.
O Observador sabe, no entanto, que Sousa Real não estará disposta a cair sem dar luta. A deputada estará já a fazer contactos para formar uma lista a apresentar ao Congresso e para se manter à tona, mas pela frente terá a oposição na distrital do Porto liderada por Bebiana Cunha (que está secundada pelos fundadores).
Dentro do partido já se vai assumindo que os próximos resultados eleitorais não serão tão expressivos como em eleições anteriores e que isso se refletirá numa redução do número de eleitos. O Observador sabe que é com essa perspetiva em mente que a distrital do Porto avança para o próximo Congresso de forma a garantir um maior controlo no partido.
Considerando os atuais deputados do PAN, em cima da mesa há dois cenários mais óbvios. Num deles Inês Sousa Real ganhará mais importância no partido, fora da tal ‘corrente fundadora’ o que, de momento, torna o menos provável. Caso consiga reunir os apoios necessários, Inês Sousa Real poderá assumir o cargo de porta-voz do partido e Bebiana Cunha ficaria com a liderança parlamentar. No segundo cenário, poderá ser Bebiana Cunha a assumir o cargo de porta-voz do partido e Inês Sousa Real continuará como até aqui, na posição de líder parlamentar.
Em declarações ao Observador, Inês de Sousa Real prefere não comentar a informação de que estará já a encetar contactos para formar uma lista. Mas deixa um aviso: não se exclui “da reflexão” e vai fazer parte da “renovação” que terá necessariamente de existir no PAN com a saída de André Silva.
“Não me excluo desta reflexão, atenta às responsabilidades que tenho, mas oportunamente serão dadas a conhecer as candidaturas. Felizmente, o PAN tem tido um coletivo de pessoas fortemente empenhadas em contribuir para este projeto comum, onde se inclui o André e o trabalho que desenvolveu, pelo que certamente que vamos ter um Congresso participado e em que os valores que defendemos vão sair reforçados”, afirmou ao Observador.
A “palhacização” e o “mero floreado” de André Silva
“Porque quando o barco afunda ou vai na direção errada é o timoneiro o culpado, consideramos pessoalmente o porta-voz André Silva o grande responsável pela anedota inofensiva que o PAN se está a tornar”. Eram estes termos que três dos fundadores do PAN usavam para se referir a André Silva e à sua direção.
As críticas eram violentíssimas. “Exigimos que o mesmo assuma que as suas decisões estão a levar-nos a todos para a irrelevância, e que tenha a hombridade e coragem de colocar o seu lugar à disposição, para que outros e mais competentes candidatos possam erguer mais uma vez a chama do animalismo e ambientalismo e mobilizar as hostes para esta luta, que cada vez mais urge cumprir”, pediam os fundadores, que se continuam a referir-se ao PAN na denominação original: Partido pelos Animais (PPA).
Leia aqui a carta dos fundadores do PAN
André Silva desmente qualquer relação entre a sua saída e a carta entretanto publicada. “Não pesou absolutamente nada”, corta a eito. Pedro Taborda discorda e acrescenta. “Encontrou uma maneira cobarde de escapar ao contraditório. É uma saída airosa para um mero floreado.”
Inês de Sousa Real, por sua vez, também não convence Taborda. “É mais do mesmo, o PAN precisa de uma mudança radical de rumo”. Quem está agora no partido, insiste, desvirtuou o projeto e que quem esteve na génese do partido foi “completamente posto de lado” enquanto assistem à “palhacização” do PAN.
Os subscritores da carta e fundadores do partido ainda não se reuniram, mas Pedro Taborda diz que pondera apresentar uma lista à liderança do partido e que essa hipótese “está em cima da mesa”.
António Santos, o filiado número um, tem uma visão mais benigna do trabalho conjunto das deputadas Inês Sousa Real e Bebiana Cunha que considera capazes de voltar a colocar o PAN no caminho da proteção dos animais e das causas climáticas.
“A Inês foi provedora do animal, a Bebiana está no Porto e tem feito trabalho em prol dos animais. Acho que há condições para o partido retomar a sua matriz. Mas repare: não basta ser uma pessoa, tem que ser o partido a reconhecer e centrar-se naquilo para o qual foi criado, essa vertente animal“, diz António Santos, acrescentando que é necessária uma “reflexão” sobre o que o PAN conseguiu alcançar nas áreas das “alterações climáticas e da redução de carne intensiva”, dois princípios basilares do partido.
Processos em tribunal poderão ter pesado na decisão
As alegações de falta de democraticidade interna no PAN não são sequer uma novidade. Quando se tornou deputada não-inscrita, Cristina Rodrigues deu uma entrevista ao Observador onde acusava o André Silva de “acumular demasiado poder no partido”. Agora, na despedida do até agora líder, a deputada não resistiu. “Já vai tarde. Se mais alguns saírem pode ser que o PAN volte a ser um partido livre e plural.”
Quando o então eurodeputado do PAN, Francisco Guerreiro, decidiu bater com a porta, assumiu denunciar publicamente as “divergências” que mantinha com André Silva. Para a história da relação entre os dois, bons amigos, de resto, ficou a discussão sobre os falsos recibos verdes, assessores parlamentares pagos pela Câmara de Lisboa e as dúvidas sobre as contas do partido que chegou a motivar receios sobre a implosão do PAN.
Três dos ex-funcionários do PAN, que trabalharam para o partido em regime de falsos recibos-verdes avançaram com processos no Tribunal do Trabalho de Lisboa, pedindo indemnizações de 30 mil euros, segundo documentos a que o Observador teve acesso. Os processos terão dado entrada já depois da notícia do Observador e os julgamentos foram adiados graças à pandemia, mas deverão realizar-se nos próximos meses.
Em junho, os três assessores que avançaram com processos contra o PAN explicavam que “nunca trabalharam para a Câmara de Lisboa”, ainda que tivessem celebrado contratos de avença com a autarquia lisboeta: “Nunca pus os meus pés nem na Assembleia Municipal nem no próprio edifício da câmara”.
Mas a verdade é que, mensalmente, passavam os recibos verdes endereçados ao número de identificação fiscal da Câmara Municipal de Lisboa, segundo as faturas-recibo a que o Observador teve acesso.
Outra fonte confirmava ao Observador que trabalhou na Assembleia da República “a título permanente e sem nunca ter trabalhado na Câmara de Lisboa”, justificando com as palavras da pessoa que lhe deu conhecimento dessa prática, em 2015: “Isto é um procedimento comum no PAN”. Por isso, diz, teve de se “conformar e assinar” a avença de prestação de serviços.
Mais saídas nos próximos dias
André Silva não é o único a sair por estes dias. O grupo parlamentar do PAN está sem chefe de gabinete e, ao Observador, há quem indique que nos próximos dias “haverá mais mudanças”, sendo uma delas a saída, no mês de maio, de Artur Alfama, o tesoureiro do partido.
André Nunes, que assumiu a posição depois da saída de Sara Martins (que integra atualmente o gabinete de Cristina Rodrigues), em junho, confirmou ao Observador ter saído da posição e já “retomado a anterior profissão”, mantendo-se ligado ao partido para o qual trabalhava desde 2019.