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A poucos dias de ir de férias, António Ramalho até chegou mais cedo que o marcado. Um final de tarde especialmente ventoso obrigou a mudanças logísticas que atrasaram o início da entrevista, mas não perturbaram o gestor, que se manteve focado nas respostas, mesmo enquanto o cenário ameaçava levantar voo. Para começo de conversa, vieram dois gins, preparados à moda que renovou o tradicional gin tónico. António Ramalho foi gestor público e privado, passou pelo setor financeiro, pelos transportes e infraestruturas, mas define-se como um filho da banca, setor ao qual voltou há dois anos, quando assumiu presidência do Novo Banco. A banca foi o tema dominante, mas também se falou de bicicletas e de Camilo Castelo Branco.
Enquanto homem da banca não foge às perguntas difíceis e reflexões “duras” para um fim de tarde de verão. Apesar de o sigilo ser um valor fundamental na ética bancária, admite que se justifica, em casos excecionais, divulgar os créditos dos grandes devedores que deixaram de pagar. Defende que a banca tem de reconquistar a reputação e a confiança dos clientes e admite preocupação com a “expansão territorial” dos bancos espanhóis.
António Ramalho diz ainda que não esquece quem ajudou os bancos em geral e o Novo Banco, em particular. Como legado, gostava de deixar a “parte bela” do antigo Banco Espírito Santo, que é a ligação às pequenas e médias empresas, mas não alimenta otimismos em excesso. Recuperar o banco vai demorar tempo — é uma maratona — e vai custar mais dinheiro.
[Veja no vídeo o best of da entrevista a António Ramalho no terraço do Observador]
É mais uma sessão das Summer Sessions no terraço do Observador onde recebemos o presidente do Novo Banco. António Ramalho pediu como bebida um gin tónico. Prefere a versão moderna ou a mais clássica?
É uma bebida que aprecio no verão desde que seja tomada fraca e gelada. Sou um tradicionalista, sou do tempo do gin Lários, do gin Gordons e do Bombay, que era azul. A tónica era sempre Schweppes e o gelo era sempre gelo. Não tínhamos estes condimentos especiais que tornam mais difícil a preparação, mas não deixa de ser engraçada a forma como hoje é preparado o gin. Deu-lhe uma nova graça e emoção.
É uma bebida associada ao final de tarde e a algum relax. No seu caso, se calhar o final da tarde é muito cedo para descontrair, mas o que faz para descontrair quando tem de tomar uma decisão difícil?
A minha cultura de decisão provém da sala de mercados — que é a melhor escola — porque é uma decisão tomada no pressuposto de que a informação não é total, nem é global. Há sempre a possibilidade de errar (…). A sala de mercados ensina-nos que só as decisões tomadas atempadamente têm o valor da decisão. E para lhe dizer a verdade, estou habituado a tomar decisões em qualquer circunstância. No entanto, todos nós temos pontos de refúgio e o meu é a fortaleza da minha casa, do meu silêncio e da minha família. Para tomar decisões mais complexas, sobretudo de carácter mais pessoal, é o único refúgio que tenho.
Qual foi a decisão mais difícil de tomar enquanto presidente do Novo Banco?
…. Aceitar o lugar de presidente.
Na altura ainda não se sabia, mas e se o comprador do Novo Banco fosse um grupo chinês, teria pensado duas vezes?
É uma pergunta teórica. Não é a origem do investidor que me levaria a tomar qualquer decisão e agora estamos a falar da decisão de continuar na presidência do Novo Banco após a sua venda (ao fundo americano Lone Star). E gostaria de separar as duas decisões. Aceitar o lugar no Novo Banco (na altura, em 2016, António Ramalho estava na presidência da Infraestruturas de Portugal) foi difícil porque tinha muitas razões para não ser aceite. O banco passava por momentos particularmente difíceis, e no quadro do que eram as exigências, era curto o tempo para assegurar a venda, que se tinha tornado inevitável e necessária. Fazia parte dos acordos que existiam entre o Fundo de Resolução, a Comissão Europeia e o BCE.
A decisão na banca é diferente das que são tomadas noutras indústrias, porque no momento em que se aceita ser presidente de um banco com aquelas características, assume-se a responsabilidade sobre os trabalhadores e as suas famílias, mas também perante todos os seus clientes, as suas poupanças ou créditos. Não vou negar esse peso que a banca tem para mim, porque sou filho da banca. O meu pai foi bancário toda a vida e eu nasci na banca, nasci a ouvir falar de banca.
Atingido o objetivo de assegurar a venda do banco com um nível de capitalização adequado e os instrumentos necessários para a reestruturação, ou como prefiro dizer, a reconstrução do banco, a segunda decisão era se deveria ou não ficar. O convite que partiu da Lone Star – fundo americano que ficou com 75% do banco após a operação de capitalização de mil milhões de euros – colocava um desafio adicional. Era o desafio de assegurar não só que o banco tinha sido vendido, mas também que era possível reconstruir um banco que servisse a economia, que fosse um dos cinco grandes bancos portugueses, e voltasse a ser lucrativo. Achei que esse desafio continuava a justificar que ficasse. Também não vou negar que, aos 58 anos, só grandes desafios é que entusiasmam este tipo de decisões.
Extensão territorial da banca espanhola preocupa
A minha pergunta era um bocadinho uma provocação para lançar o tema do controlo estrangeiro da banca. Acha que é um fator que deve preocupar ?
É uma pergunta profunda numa tarde de verão. A primeira preocupação é a que a estrutura de capital que é preciso encontrar para sustentar as empresas passará hoje em dia, inevitavelmente, por capital estrangeiro. Não só porque a banca precisa de capital para se desenvolver e para apoiar a economia portuguesa, como também porque o capital disponível na sociedade portuguesa, não sendo muito, está a ser aplicado em outros projetos que têm mostrado maior atratividade para os investidores portugueses, como a agricultura ou o turismo.
Outra realidade é algo que não deixa de me preocupar, é uma espécie de extensão territorial da banca espanhola sobre o território português. Esta expansão territorial – e já trabalhei para um banco espanhol bastante multinacional (o Santander) – poderá tender a tentar aproximar os valores estruturais da economia de uma área territorial da Península Ibérica com a outra e que têm diferenças enormes. A estrutura industrial dos dois países é substancialmente distinta. A própria textura e perfil das empresas portuguesas é distinta com muito mais ênfase nas pequenas e médias empresas. E terceiro, a estrutura de proximidade que existe, e que é inevitável em relação às respostas bancárias dadas aos empresários, também é diferente. Ainda por cima, estamos a falar de uma banca de elevadíssima qualidade e que obrigou a banca portuguesa ser mais competitiva. Os bancos espanhóis em Portugal só crescem com aquisições, não crescem por via orgânica. Um dos grandes bancos espanhóis tentou várias vezes, anunciando que cresceria de 1% para 10% em dez anos e acabou, dez anos depois, com o mesmo 1%.
A verdade é que essa territorialidade pode justificar tipologias de banca distintas. Continuo a achar que faz muito sentido que se mantenham bancos de raiz nacional e com decisão nacional. Nós estamos nessa circunstância, a Caixa Geral de Depósitos também e também acho que o BCP tem uma estrutura tipicamente nacional do ponto de vista de gestão.
Cliente foi bem servido, mas banca tem de aprender com os erros
Isso leva-nos a uma entrevista que deu em 2009, na qual elogiou os grandes banqueiros que Portugal teve nos anos da década de 1990 – incluiu Ricardo Salgado nesse grupo – e concluiu que estes criaram um dos melhores sistemas financeiros da Europa. Hoje concorda com esta visão da banca portuguesa?
Hoje consigo fazer uma separação clara. A minha avaliação sobre a qualidade da banca portuguesa, do ponto de vista do serviço que foi e é prestado aos clientes, é extraordinariamente positiva. E só quem não queira determinar uma avaliação correta do serviço prestado aos clientes é que dirá que não. Admito que outros sistemas tenham recuperado muito do atraso em relação aos sistemas português e espanhol, mas quer o sistema de pagamentos, quer o sistema de ATM, quer a capacidade de resposta bancária que os comerciais podem dar aos seus clientes e a qualidade dos produtos levam-me a dizer que o cliente português foi muito bem servido. E, curiosamente, a crise veio a prová-lo.
É inegável que tivemos uma crise de qualidade dos ativos da banca portuguesa que se refletiu na perceção reputacional da banca. Aconteceu na Irlanda, na Espanha e na Grécia. E enquanto estes países tiveram uma fuga de capitais maciça, Portugal manteve a lealdade dos seus clientes. Os clientes bancários acreditaram nas suas instituições financeiras.
O que foi feito nos anos 90 — desenvolvimento acelerado e a recuperação de níveis elevadíssimos de crédito vencido e a adaptação às necessidades dos clientes — tem uma exigência otimista. Devemos ser sermos capazes de fazer outra vez essa recuperação.
Mas temos de assumir que houve um excesso de leverage (alavancagem, endividamento) dos bancos que assumiram muita dívida face ao valor dos depósitos – chegamos a ter um rácio próximo dos 170% e hoje trabalhamos abaixo dos 90%. Essa dívida era financiada no mercado internacional e com isso contribuímos para uma visão excessivamente otimista da nossa economia, baseada em dívida, e não em crescimento e produtividade. E se não quisermos aprender com esse erro e com alguns excessos que fizemos, não estamos a fazer o exercício de reavaliação adequado. O que disse em 2009 é uma visão que continuo a ter em relação a determinadas áreas, mas tenho de reconhecer que era inesperado para todos nós – e para mim foi totalmente inesperado – algumas quebras que se vieram a verificar no sistema financeiro e que, objetivamente, não faziam parte de nenhuma estimativa que tivesse em 2009.
Divulgar grandes devedores? Pode-se justificar em casos excecionais
O banco do qual é presidente sofreu particularmente com más decisões de crédito a grandes devedores, que trouxeram perdas ao banco. Nesse sentido, qual a sua posição sobre as propostas políticas para expor os donos dos créditos problemáticos que obrigaram o Estado a meter dinheiro nos bancos?
Essa é talvez a pergunta moralmente mais difícil de responder. Para uma tarde de verão, é uma pergunta pessoalmente bem dura porque é séria. Estamos entre os dois valores que neste momento rigorosamente conflituam. Por um lado, o valor do sigilo profissional – que é uma coisa que percebe, porque também vive com ele – e que faz parte do que é o centro da minha ética bancária. Mas não deixo de reconhecer que temos de fazer uma séria reflexão sobre se esse valor não cede em casos muito excecionais, e excecionais, a um valor mais elevado: o reconhecimento perante a sociedade de debilidades que globalmente custaram caro.
Em algumas circunstâncias, o valor da transparência reputacional do sistema pode justificar que haja alguma clareza neste tipo de informação. Não com uma ideia persecutória, mas com uma ideia de transparência em relação à sociedade. A banca tem que se reconstruir. O nosso negócio é um negócio de confiança e também tem de se reconstruir na confiança não só dos seus clientes, mas também da sociedade. Os bancos fazem parte de uma infraestrutura muito importante para a sociedade, mas quanto mais as pessoas confiarem num sistema financeiro fiável, racional e rentável, e que simultaneamente suporte a sociedade, obviamente mais fácil será assegurar a gestão dos riscos que estão subjacentes. Por isso, não consigo dar uma resposta definitiva, mas deixe-me dizer que o ‘mon coeur’ balança em algumas destas situações excecionais.
A bicicleta. Só não leva para o trabalho
Vamos aligeirar a conversa. Já esteve de férias.
Já tive uma semana de férias, mas foi uma semana especial em que casou a minha filha mais nova e tirei umas férias logo a seguir para me adaptar a esse fim de ciclo que é ficar sem filhos em casa. Tenho duas filhas, a outra já tinha casado e esta casou agora e encerrei o ciclo. É normal, mas qualquer fim de ciclo reabre outro. Mas merece alguma adaptação.
Sou muito prático. Tiro sempre 15 dias de férias e faço a vida mais calma que se pode fazer no Algarve. Vou serenamente à praia, normalmente a horas que não se deve dizer porque não é exemplo para ninguém, depois do almoço. É um tempo de família e acabo quase sempre por jantar em casa, é uma vida recatada e descansada. Aproveito para por leituras em dia. Leio um livro técnico, sempre intercalado com ficção, e nas férias exijo a mim próprio só ler romances.
O que vai levar para ler?
Vou reler um livro da Christa Wolf que há muito tempo que não lia, a Cassandra, que já escolhi porque já comecei a preparar os livros para férias. Vou ler o último do Steven Saylor, um romancista histórico de que gosto particularmente. E vou ler um livro que curiosamente nunca li. O Eusébio Macário é uma paródia ao realismo e o teste mais ácido do Camilo Castelo Branco, que é um dos meus escritores preferidos de língua portuguesa – vou ser crucificado em casa por não ter citado Eça de Queiroz.
Também gosta de andar de bicicleta. Anda muito?
Ando a sério uma vez por semana.
Mas não vai para o trabalho de bicicleta?
Tenho essa possibilidade e já pensei em fazê-lo, mas tenho sempre a dúvida existencial que é ir de fato para o trabalho e [o banco] não ter ainda uma situação de duches organizados. É uma coisa que temos de organizar, agora que temos as bicicletas Gira (partilhadas) perto de nós (Novo Banco), vamos ter de dar um apoio sério a este projeto. Ando a sério de bicicleta uma vez por semana, normalmente ao domingo de manhã, e de férias. Levanto-me cedo e faço um percurso de manhã. Normalmente no Algarve, como estamos a falar em terreno plano, vou muitas vezes até Tavira, portanto faço 50 a 55 km de bicicleta e depois venho de comboio. Os comboios do Algarve têm um sítio para pôr a bicicleta. Faço muitas vezes esse circuito e todos os dias de manhã faço fitness. Sou bastante disciplinado a manter a forma física.
Falou de comboios, vou aproveitar a deixa. Passou pela presidência da CP e quando saiu disse que tinha sido uma decisão dolorosa, mas apontou razões para a sua saída, referindo como uma certa devassa sobre os salários. O que o fez regressar a uma empresa pública anos depois em 2011?
Eu tive três experiências em empresas públicas. Fui gestor do Banco Pinto e Sotto Mayor ainda público e contribui para a privatização do banco em 1993 (comprado por António Champalimaud). Na altura aceitei o lugar na administração porque não haveria mais ninguém para convidar. O banco tinha falhado a primeira privatização e julgo que ninguém queria ser administrador financeiro. Mantive-me no Pinto e Sotto Mayor (hoje parte do BCP) durante oito anos, mas o banco passou a ser privado e deixei de ser gestor público.
Mais tarde fui presidente da CP. Sair foi uma decisão difícil porque não foi no tempo adequado. Saí da CP a meio de mandato (nomeado em 2004 pelo então ministro António Mexia e saiu em 2006 para a Unicre). Tive que obter autorização do meu acionista e terei causado com isso os constrangimentos normais de quebrar um projeto a meio, independentemente de haver razões.
A gestão pública e a privada foram-se tornando mais escrutinadas, na banca sobretudo. A similitude entre a gestão privada e a gestão pública, do ponto de vista do escrutínio e da forma como somos avaliados acaba por tornar menos difícil — em 2011 — a decisão que tomei mais tarde quando, numa situação particularmente difícil do país, achei que devia dar o meu contributo. Na altura (tinha acabado de sair da administração do BCP) pediram-me, e, depois de uma profunda reflexão, achei que devia ajudar no que podia ajudar como gestor. Tendo a particularidade de ter sido gestor público e privado, eventualmente adapto-me com mais facilidade a estes convites.
O digital e disrupção do negócio. O que aproxima a banca da imprensa
E o que achou mais complicado de gerir, a banca ou as parcerias público privadas (PPP)?
O que é mais difícil de se gerir é o que se está a gerir hoje. Aí sou muito prático. Tenho de gerir banca e é hoje em dia uma indústria complexa. Por um lado, é uma indústria muito regulada, escrutinada e sob o escrutínio reputacional que é, talvez, o mais duro porque num negócio de confiança é um elemento determinante. Mas também é um setor que está a sair de uma crise, fortemente apoiado para sair dessa crise e isso obriga a um conceito de devolução da responsabilidade perante quem nos ajuda a sair da crise. E não me esqueço de quem ajudou a sair da crise todo o sistema financeiro e o Novo Banco, em particular.
Mas também está num grande momento de disrupção no seu modelo de negócios. Temos um respeito pelo passado, uma dificuldade no presente, um modelo de regulação poderoso e, simultaneamente, uma disrupção futura. E essa disrupção tem a ver com a introdução do digital e com uma mudança substancial do que é o relacionamento entre os clientes e o sistema, e com a forma como o sistema reage em tempo aos clientes. É um desafio tremendo para um gestor. Por um lado, parece extraordinariamente aliciante, mas quando se tem de conjugar esse aliciante com as dificuldades naturais da origem do legado, naturalmente ocupam-nos muito tempo, muita atenção e uma coisa com a qual a banca vive mal: a incerteza.
A banca traduz certeza na incerteza do mundo moderno. Durante anos foi essa a sua função e, momentaneamente, a banca está num modelo de disrupção incerto. É parecido com o que se passa na imprensa. A imprensa também era, de alguma maneira, uma espécie de refúgio de segurança e racionalidade e de informação. E de repente, a mudança dos meios, a mudança da origem da receita altera substancialmente e introduz um modelo disruptivo que altera profundamente o modelo de negócios.
Passou pela CP e pelas Infraestruturas de Portugal. Como é que vê as notícias sobre a queda de investimento e as falhas no serviço. Da sua experiência estes problemas resultam apenas da falta de dinheiro?
Tenho uma regra de ouro de nunca comentar empresas onde trabalhei por uma questão de respeito por quem me segue, porque aprendi também a respeitar quem antes de mim tentou fazer o melhor possível pelas empresas. Isto aplica-se ao meu anterior presidente, Eduardo Stock da Cunha, e ao meu sucessor no Novo Banco. Acho que as pessoas que lá estão tentam sempre fazer o melhor. Às vezes sou chamado por presidentes de algumas empresas publicas e privadas para lhes dar a minha imagem. Eu próprio faço isso. Falo regularmente com o Dr. Stock da Cunha para lhe dar um exemplo e tive o cuidado de, em alguns momentos cruciais, lhe dar nota quase em primeira mão, porque sei que ele ficava tão satisfeito como eu pelos bons resultados atingidos ou pelas soluções encontradas. Somos parte de uma cadeia coletiva e devemos respeitar isso.
Do ponto de vista prático, também não gosto de comentar muito notícias imediatas, sei que a CP tem vindo a ganhar clientes. E no meu tempo, o grande desafio era não perder clientes e conseguir crescer em mercadorias. Vejo muitas coisas boas e algumas coisas más que são momentâneas. Estou convencido que vão ser muito bem resolvidas pelos gestores das empresas.
Conta do Novo Banco não está fechada. Vai custar mais, mas vai valer mais
Prometi que não falar sobre o mecanismo de capital contingente, mas há uma pergunta que tenho de fazer. O Novo Banco recebeu este ano, cerca de 800 milhões de euros apoio público (do Fundo de Resolução). É expetável que venha a precisar de mais?
Tenho procurado ser muito preciso na gestão de expetativas sobre o Novo Banco. Primeiro – e tenho dito até uma frase popular – a reestruturação e a reconstrução do banco vão custar tempo e dinheiro. Não é possível fazer num dia, não é possível fazer num ano. Não há nenhum banco na Europa, dos 120 bancos intervencionados, que tivesse capacidade de o fazer — muitos fizeram-no em cinco, seis e sete anos — e também não é possível fazer aqui. E custa dinheiro. A forma como está organizado o mecanismo de capital contingente tem esse pressuposto. Tem um limite máximo (para injeções de capital no Novo Banco) que é 3,89 mil milhões de euros que se baseia nos prejuízos e nos rácios que existirem e que são dois agregados que trabalham autonomamente. E, simultaneamente, há também uma contrapartida, que são os 25% do capital do Novo Banco (que ainda são do Fundo de Resolução) que um dia poderão ser alienados. E esses 25% é que farão as contas finais sobre o que é foi a solicitação e o valor recuperável. A conta está longe de estar fechada. O banco ainda tem uma recuperação para fazer e essa recuperação vai naturalmente implicar ainda custos.
O processo de recuperação não está terminado?
Tenho dito que a recuperação é uma longa maratona. Não é uma corrida de 100 metros. Disse-o quando os resultados por acaso foram positivos no trimestre. Foi um trimestre que correu bem, mas no conjunto de medidas que temos de tomar, e quando digo que custa tempo e dinheiro não é expetável que se mantenha esse ritmo (os resultados do semestre foram negativos). O que é fundamental ter em conta é que a avaliação deste processo tem que ser feita com base nas necessidades de capital, que são óbvias, que a instituição irá gerando durante o período de funcionamento do mecanismo, e em simultâneo com o valor que decorrerá dos 25% do capital.
Quando terminar o mandato, qual é o legado que gostava de deixar?
Quero deixar um banco rentável, um banco com valorização de mercado que permita uma recuperação significativa dos montante solicitados ao Fundo de Resolução. E, simultaneamente, deixar um banco preparado para responder aquilo que é a grande vantagem que este banco tinha e que justificou este esforço todo. Um banco que tem dois terços dos seus ativos aplicados em empresas, nomeadamente em pequenas e médias empresas e pequenos negócios, que precisam da proximidade, do relacionamento próximo das equipas para continuarem a desenvolver a sua atividade e terem a capacidade financeira que o banco sempre lhes deu. Essa parte bela do banco era o que eu gostava de deixar, concentrado, digitalizado, renovado, diferenciado.
E o seu maior acionista, o fundo americano Lone Star, concorda?
O meu acionista não só concorda como comprou esse ativo. O que diferencia o Novo Banco de outros bancos portugueses, que são igualmente bons, é que os outros quatro grandes bancos têm metade do seu ativo aplicado em crédito à habitação ou particulares. O Novo Banco depois deste período tem 64% aplicado em ativos de empresas, pequenas e médias, uma quota de mercado elevadíssima no apoio à exportação, tem 60% das exportadoras suas clientes e tem uma responsabilidade adicional nesse segmento. Se calhar o Novo Banco não é fundamental no crédito ao consumo, mas somos fundamentais a este apoio à economia portuguesa e é isso que eu gostava de deixar e o meu acionista também.
Descreve-se como um homem da banca, mas já passou por outras áreas. Gostava de acabar a sua carreira no setor financeiro ou tem outros projetos?
A banca é o meu meio natural, sempre me senti bem e neste momento tenho um contributo para dar ao sistema financeiro e por isso aceitei o desafio. Acho que o meu sucesso só terminará no dia em que a minha sucessão for mais bem sucedida do que eu espero ser. O que vier a seguir será gerido com serenidade e algum descanso. Com a experiência acumulada tenho todo o gosto em continuar a contribuir para a sociedade enquanto tiver condições para isso, mas tenho consciência que assim como fomos chamado muito cedo às responsabilidades – aos 32 anos era administrador de um grande banco comercial — também devemos ter a consciência de que devemos chamar outros a assumir responsabilidades no futuro.