Está feita a primeira licitação. O tão aguardado debate sobre a redução de impostos, que promete marcar o próximo ciclo político, arrancou esta segunda-feira na Festa do Pontal, com o presidente do PSD, Luís Montenegro, a cumprir aquilo que se ia prometendo nos bastidores do partido: uma proposta de diminuição significativa de impostos.
À cabeça, os sociais-democratas vão levar ao Parlamento, a 20 de setembro, a diminuição em 1.200 milhões de euros no IRS das famílias portuguesas já em 2023. Na perspetiva do PSD, esta medida não viola a lei-travão do Orçamento do Estado, uma vez que esta redução será feita à custa do excedente de receita fiscal que o Estado está a ter para lá das previsões iniciais. Na prática, o partido propõe a diminuição das taxas de IRS para todos os escalões, com especial incidência na classe média, até ao 8.º, que ficaria inalterado. “O esbulho fiscal tem de acabar”, desafiou Montenegro.
Em segundo lugar, o líder do PSD voltou a insistir na definição de um IRS máximo até 15% para os jovens até aos 35 anos — e voltou a atirar a António Costa: “Deixe-se de cócegas. Temos a responsabilidade histórica de não perdermos o que de melhor temos. Não me conformo. Basta de andar assobiar para o ar. Se a aprovar [a medida], faça de conta que é sua, não há problema nenhum.”
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Os sociais-democratas recuperaram também outra ideia já defendida e que passa pela atualização obrigatória dos escalões do IRS em função da inflação. Paralelamente, o PSD pretende ainda que o Parlamento tenha a prerrogativa de deliberar sobre o destino que é dado aos excessos de receitas fiscal, promovendo, argumentam, a transparência e a obrigatoriedade de prestação de contas.
A terminar, como a quinta medida anunciada esta segunda-feira, o PSD quer ainda a isenção de IRS e de TSU nos prémios de desempenho entregues nos setores público e privado até 6% do vencimento base anual bruto.
Marcação cerrada começou muito antes
Prova provada de que os dois partidos — PS e PSD — estão a medir-se atentamente neste arranque de novo ciclo político foi a tentativa de antecipação socialista ao anúncio do anúncio de Luís Montenegro. Ao longo do dia, João Torres, secretário-geral adjunto do PS, falou à comunicação social (Observador incluído) para apontar o dedo àquilo que dizia ser a falta de coerência dos sociais-democratas em matéria de redução de impostos.
O facto não passou despercebido às topas de Montenegro. Muito antes do arranque do Pontal já Hugo Soares, secretário-geral do PSD, acusava os socialistas de “total desnorte” por terem reagido a uma “hipotética intervenção” do presidente social-democrata que só aconteceria dali a mais de duas horas. “O PS demonstra um grande nervosismo com PSD”, concluía Soares, citado pela agência Lusa.
No seu discurso de cerca de uma hora, Montenegro não deixaria o assunto passar em claro. “Foi um bocadinho insólito ter visto o PS a comentar aquilo que o líder do PSD ia dizer antes de o ter dito. É má consciência. Estavam com medo. É uma atenção muito grande ao PSD. Têm razão para isso: porque o partido está mobilizado. Deixem-se de politiquices e comentários mais imaturos. Vão ver estas cinco propostas. E decidam. Quando decidirem, assumam essa decisão”, devolveu Montenegro.
Quem não tem Passos, caça com Mendes e Moedas
Depois de largos anos afastado do calçadão de Quarteira, Montenegro devolveu o ano passado a Festa do Pontal ao lugar que a imortalizou no imaginário da política partidária. Nessa altura, para surpresa geral, o líder social-democrata fez-se acompanhar por Pedro Passos Coelho, na primeira aparição do antigo primeiro-ministro em eventos do partido desde que abandonara o cargo, em 2018. Qualquer expectativa de que a experiência fosse repetida nesta edição foi sendo morta à nascença pelos dirigentes do partidos, que foram lembrando o caráter excecional da presença de Passos no último Pontal.
Ainda assim, este ano Montenegro levou outros dois convidados de honra para o Algarve. Num Pontal bem composto mas sem a euforia de 2022, o líder do PSD entrou no recinto preparado para o efeito ao lado de Luís Marques Mendes e Carlos Moedas (um dos mais aplaudidos da noite, ainda que não tenha feito qualquer intervenção). Se o primeiro é tido como o favorito de muitos atuais dirigentes do PSD para ser candidato à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa, o segundo é apontado pelos detratores de Montenegro como possível solução para o partido, se o PSD falhar nas próximas europeias.
Indiferente a essas contas que se vão fazendo no partido, Montenegro só reservou elogios para ambos: o primeiro que, apesar de nem sempre o poupar no comentário político, é a personificação do PSD que quer — “unido, coeso” e respeitador da sua história; e o segundo, Moedas, por ter sido um “pilar fundamental” e o “principal anfitrião da Jornada Mundial da Juventude”.
E foi à frente desta comissão de honra que Montenegro voltou a repetir muitas das críticas que vem fazendo ao longo dos últimos meses ao Governo de António Costa e aos oito anos de poder socialista. “O socialismo é pagar impostos como nunca? É empobrecer uma parte da população e privilegiar a outra que tem mais recursos? É ter a Saúde abandonada? A Educação a deixar de fora muita gente? Muitas famílias a não conseguirem ter acesso a uma habitação condigna? E os nossos jovens a irem embora oferecer as suas qualificações de borla a outros países? O país não tem futuro com este Governo e com este primeiro-ministro. António Costa já não tem nada a oferecer ao futuro de Portugal”, insistiu o líder social-democrata.
Sem nunca se referir diretamente aos seus adversários à direita, nomeadamente ao Chega, uma pedra no sapato que Montenegro continua sem conseguir (ou sem querer) despachar, o líder social-democrata limitou-se a traçar a diferença entre o PSD enquanto partido líder da oposição e os demais. “Nós somos a oposição responsável, não somos a oposição histérica. Somos a oposição que é combativa, mas é alternativa”, vincou.
Montenegro atirou-se a este Pontal sabendo que esta não era uma rentrée qualquer: foi a última festa de família antes das regionais da Madeira, que o partido tem obrigação de ganhar sem perder a maioria absoluta, e, sobretudo, das próximas eleições europeias, agendadas para 2024 – quando em agosto do próximo ano o partido se voltar a encontrar no Algarve, o ambiente pode vir a ser muito diferente. Ora, o líder social-democrata terminou o seu discurso com uma promessa: “Vamos estar no Pontal de 2024 para festejar a vitória nas eleições europeias”. Tem menos de um ano pela frente para garantir essa vitória.