Começou oficialmente a corrida à sucessão de Angela Merkel, a mulher que governou a Alemanha nos últimos 16 anos e que foi o principal rosto da política europeia durante esse período. Armin Laschet, candidato pela União Democrata-Cristã (CDU), e Annalena Baerbock, candidata pelos Verdes, são os principais favoritos a ocupar o lugar da chanceler, num processo eleitoral que promete transformar a Alemanha.
As escolhas dos dois partidos que, atualmente, lideram as sondagens foram feitas esta semana, apenas com um dia de diferença, mas com contextos internos muito distintos. Enquanto os Verdes vivem um momento de estabilidade e união, sólidos nas sondagens, a CDU atravessa um momento conturbado, com grande divisão dentro de um partido que também acusa o desgaste de 16 anos de governação.
De acordo com as sondagens das últimas semanas, a coligação da CDU com a União Social-Cristã (CSU), o seu partido irmão na Baviera, reúne 27% das intenções de voto, enquanto os Verdes surgem logo em segundo lugar, com 23%, oito pontos à frente do Partido Social Democrata alemão (SPD), que atualmente integra o governo chefiado por Merkel.
No entanto, esta terça-feira, pela primeira vez, os Verdes ultrapassaram os conservadores como o partido com mais intenções de voto: 28% contra 21%, o que pode ser explicado pelo impasse da última semana vivido na CDU e com o anúncio de Baerbock como candidata a chanceler.
Perante este cenário de queda da CDU e subida dos Verdes, os ecologistas assumem-se cada vez mais como um partido de governo, que dificilmente poderá ser excluído da formação do próximo executivo. É neste contexto que, pela primeira vez na sua história, os Verdes decidiram apresentar uma candidata a chanceler, recaindo a escolha sobre Annalena Baerbock, que co-lidera o partido desde 2018. Num discurso de consagração perante os jornalistas , Baerbock deixou bem claro o que pretende para setembro.
“A candidatura de uma ecologista a chanceler representa uma nova forma de ver a liderança política — decisiva e transparente, adaptável e autocrítica. A democracia vive da mudança”, defendeu Annalena Baerbock na segunda-feira. “Queremos liderar este governo”, assegurou, remetendo a decisão para os eleitores, ao mesmo tempo que garantia que iria disputar o eleitorado do centro, tanto da CDU como do SPD.
Uma jovem ecologista moderada que ascendeu rapidamente na política
Aos 40 anos, Annalena Baerbock tem ascendido rapidamente na política alemã. Natural de Pattensen, na Baixa Saxónia, estudou Direito em Hanôver antes de prosseguir os estudos na London School of Economics, onde estudou Direito Internacional.
Em 2009, quando tinha 29 anos, concorreu pela primeira vez ao parlamento alemão (Bundestag), vindo a ser eleita deputada quatro anos depois, em 2013, ano em que também se tornou porta-voz do partido para as questões climáticas. A sua ascensão nos Verdes continuou e em 2018 chegou ao topo do partido, em co-liderança com Robert Habeck, que, tal como Baerbock, integra a corrente mais centrista.
“Annalena Baerbock é uma ecologista moderada. A política ecologista é o seu tópico central, mas também é favorável à intervenção do Estado e defensora do Estado social”, sublinha ao Observador Uwe Jun, professor de Ciência Política na Universidade de Trier, na Alemanha.
Entre as propostas que já apresentou, a candidata dos Verdes a chanceler defende uma aceleração na descarbonização, de forma a que tal objetivo possa ser cumprido antes de 2038, o reforço do Estado social e até a imposição de um limite de velocidade de 130 km/h nas autoestradas alemãs, um tema sempre polémico naquele país. Além disso, defende uma limitação nos gastos anuais com Defesa e tem sido das vozes na Alemanha mais críticas em relação à China e a Rússia, sendo particularmente crítica do megaprojeto Nord Stream 2, entre Berlim e Moscovo.
Nesse sentido, a ascensão de Baerbock coincide também com a evolução pela qual os Verdes têm passado nos últimos anos, apresentando-se cada vez mais como um partido moderado, mas também mais coeso e sólido.
“Ao contrário da CDU, os Verdes mostraram um grau surpreendente de harmonia. Não há disputas internas e a escolha da candidata foi consensual do partido. Annalena Baerbock terá o partido consigo, o que deixa os Verdes nunca posição muito forte”, afirma ao Observador Joerg Forbrig, analista do think tank German Marshall Fund, com sede em Berlim.
“Os Verdes podem tornar-se não só no segundo maior partido do Bundestag, como o partido decisivo para a formação do próximo governo. Isso dá-lhes uma enorme confiança para esta campanha”, acrescenta o analista alemão.
Quanto às fragilidades de Baerbock, a falta de experiência em cargos governativos é apontada como o principal ponto fraco da candidata dos Verdes, um partido muito popular entre o eleitorado mais jovem, mas que terá ainda de convencer outros setores do eleitorado alemão.
“Annalena Baerbock é deputada e tem sido bem-sucedida na liderança do seu partido, mas é muito jovem e não tem experiência executiva. Penso que o seu principal desafio será convencer os eleitores liberais e conservadores”, sublinha o politólogo Uwe Jun.
Divisão nos conservadores quanto ao candidato a chanceler
Mas se, por um lado, a pouca experiência executiva de Baerbock pode ser uma fragilidade, por outro, os Verdes podem continuar a beneficiar do desgaste da CDU para continuar a subir nas sondagens, existindo uma forte possibilidade de uma futura coligação entre os dois partidos. E, na eventualidade de os Verdes serem o partido mais votado, talvez até seja possível uma solução de governo com o SPD ou com o Die Linke (esquerda radical), caso haja uma maioria parlamentar para tal.
Certo é que ainda faltam mais de cinco meses para as eleições legislativas — marcadas para 26 de setembro — e, até lá, tudo pode mudar, sobretudo tendo em conta a imprevisibilidade causada pela pandemia de Covid-19. No entanto, a CDU de Angela Merkel não pode deixar de olhar com preocupação para o futuro, e as divisões expostas no seio do partido contrastam com a imagem de união vinda dos Verdes.
“O cenário mais provável é que a CDU vença as eleições. A questão é como é que a disputa quanto ao seu candidato às eleições vai afetar o partido”, sublinha Joerg Forbrig. “Está em causa se o partido consegue melhorar os resultados e ir além dos 30% ou se fica num nível relativamente baixo para os seus padrões”, acrescenta.
Depois de uma sucessão falhada com Annegret Kramp-Karrenbauer, que chefiou os conservadores entre 2018 e 2020, ano em que saiu após uma polémica aproximação à Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, a CDU escolheu Armin Laschet como presidente do partido no congresso realizado no início deste ano.
Já na altura, a escolha não foi totalmente consensual entre os membros da CDU, mas Laschet derrotou o empresário Friedrich Merz, com 521 votos contra 466. Três meses depois, no entanto, o fantasma da sucessão de Merkel regressou e criou-se nova divisão no seio dos conservadores, com o líder da CSU e ministro-presidente do governo da Baviera, Markus Söder, a avançar e disputar o lugar com Laschet.
A CDU e a CSU concorrem sempre em coligação, e a liderança de Angela Merkel foi consensual entre os dois partidos irmãos. Com a saída da chanceler, e com as dúvidas levantadas quanto à capacidade de liderança de Laschet, Söder entrou na corrida, desafiando a liderança da CDU, que se manteve ao lado do líder que escolheu em janeiro.
Após uma votação no conselho nacional da CDU realizada na segunda-feira, a direção nacional da CDU reiterou o apoio a Laschet, que reuniu 77,5% da preferência (31 votos) contra os 22,5% (nove votos) de Söder. O lider da CSU saiu de cena e esta terça-feira declarou o apoio a Armin Laschet.
Laschet e o desafio de unir o partido e melhorar a imagem aos olhos do eleitorado
Apontado como o sucessor natural pela proximidade que tem com Angela Merkel, Armin Laschet, de 60 anos, não é considerado um político tão carismático como Markus Söder, que tem um perfil mais combativo e agrada particularmente à ala mais conservadora da CDU.
Nascido em Aachen, no estado da Renânia do Norte-Vestefália, estudou Direito em Munique e chegou a ser jornalista. Aos poucos, foi entrando na política, primeiro como conselheiro municipal na sua terra natal, até chegar a deputado em 1994. Cinco anos depois, em 1999, foi eleito eurodeputado e em 2012 chegou à liderança regional da CDU.
Direção da CDU apoia Armin Laschet para suceder a Merkel, na Alemanha
Desde 2017, Laschet é ministro presidente da Renânia do Norte-Vestefália, o estado mais populoso da Alemanha, o que é visto como um dos pontos fortes a seu favor. É um europeísta convicto e é conhecido pelas suas posições mais centristas, próximo de Angela Merkel, tendo sido um dos seus maiores apoiantes quando a chanceler defendeu a entrada de refugiados na Alemanha, uma política migratória que causou desagrado em alguns setores da CDU. A colagem ao legado de Merkel é por isso encarada como um dos motivos de divisão entre os conservadores, com alguns setores a defenderem uma política mais à direita.
“Muita gente na CDU sente-se mal com a perda dos valores tradicionais e quer políticas mais restritivas em relação à imigração, uma visão mais liberal na economia, ou a defesa dos valores tradicionais da família”, reitera o politólogo Uwe Jun, notando que Laschet “não tem a reputação de ser um líder forte”, apesar da sua experiência política.
Nesse sentido, o candidato a chanceler ainda não conseguiu impor-se junto do eleitorado da CDU: de acordo com a sondagem do instituto Forsa, apenas 32% dos eleitores que votaram na CDU ou na CSU em 2017 apoiam Laschet como candidato. Como se não bastasse, a popularidade Markus Söder é muito maior: a nível nacional, apenas 12% dos alemães veem Laschet como um bom candidato a chanceler, enquanto 43% mostraram preferência pelo líder da CSU e ministro-presidente da Baviera.
Apesar destas divisões, o analista Joerg Forbrig considera que os conservadores vão acabar por unir-se em torno de Laschet: “Depois desta disputa, penso que vamos ver o partido sair em apoio de Armin Laschet, e vão ser capazes de conduzir uma campanha normal”.
Nesse sentido, nos próximos meses, o grande desafio de Armin Laschet será conseguir unir o partido em torno da sua candidatura, à semelhança do que aconteceu nos Verdes, e ganhar popularidade, não só junto do eleitorado típico da CDU, como dos restantes eleitores, expectantes quanto ao futuro político e económico da Alemanha no contexto da pandemia de Covid-19.
“ArminLaschet tem três tarefas, que não serão fáceis: tem de unir o partido, melhorar a sua imagem, que não é boa por estes dias, e convencer o eleitorado alemão de que a CDU ainda consegue governar o país eficientemente”, conclui o politólogo Uwe Jun.