À medida que as sanções foram aumentando, em vários países houve russos das mais diferentes áreas que viram contratos anulados: desportistas ficaram sem patrocínios, estilistas foram banidos e até no meio académico se assistiu à possibilidade de boicotar grandes clássicos da literatura (neste caso, não passou de uma ameaça). O fosso entre o ocidente e a Rússia cresce além das questões económicas, financeiras e bélicas. Que boicotes são estes e quem são os russos que estão a ser cancelados na sequência da invasão ordenada por Vladimir Putin à Ucrânia?
Bienal de Veneza sem artistas escolhidos para representar Rússia
Ainda em Itália, a 59.ª Bienal de Veneza não vai contar com Alexandra Sukhareva e Kirill Savchenkov, os dois artistas escolhidos para representar a Rússia. Não porque a organização os tenha excluído, mas porque os próprios se recusam agora a representar o país, tal como o curador Raimundas Malašauskas, lituano, que se juntou ao protesto dos artistas.
A organização já informou que o Pavilhão da Rússia na Bienal deste ano irá ficar fechado, sem que tenha sido nomeado qualquer outro artista em substituição de Alexandra Sukhareva e Kirill Savchenkov.
Valentin Yudashkin, o estilista que criou a farda do exército russo banido da Semana da Moda de Paris
Estava previsto para esta terça-feira um desfile virtual do estilista Valentin Yudashkin, na Semana da Moda de Paris, mas o facto de o estilista russo não se ter demarcado da decisão de Putin de invadir a Ucrânia levou ao cancelamento da participação de Yudashkin no importante certame de moda.
O anúncio foi feito pelo presidente da Federação da Alta-Costura e Moda no domingo, que não hesitou na decisão de “retirar de imediato” o estilista do painel de criadores que se apresentaria na semana da moda. “A Semana da Moda de Paris queria fazer um trabalho intelectualmente honesto para ver se ele, tal como outros artistas, se demarcavam. Como não foi esse o caso, [a decisão foi] tirá-lo”, explicou Ralph Toledano o presidente da Federação da Alta-Costura e Moda.
Valentin Yudashkin já apresentou as criações várias vezes em Paris e é um dos criadores das novas fardas do exército russo.
O Lago dos Cisnes, da companhia de bailado Bolshoi, fora da programação da Royal Opera House, do Carnegie Hall e do Teatro Real de Madrid
Também a tour europeia do Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky, da companhia de bailado Bolshoi, vai sofrer várias alterações ao longo dos próximos meses, na sequência da invasão russa. No caso da Royal Opera House, as apresentações do Ballet de Bolshoi estavam agendadas para o verão.
Também o The Helix, em Dublin, cancelou a apresentação do Lago dos Cisnes, que devia ser apresentado pela Companhia Real de Ballet de Moscovo.
Sokhiev demite-se do Teatro Bolshoi e da Orquestra de Toulouse
No caso de Tugan Sokhiev, foi o próprio que optou por se demitir das funções de diretor musical do Teatro Bolshoi em Moscovo e da Orquestra Nacional do Capitólio de Toulouse, falando da pressão que sentiu para se posicionar sobre a invasão russa.
“Sei que muita gente espera que fale e que dê a conhecer a minha posição sobre o que se passa neste momento” na Ucrânia, escreveu o maestro, que é tido como um dos melhores da sua geração, num comunicado divulgado no domingo pela agência France Press.
Nascido na Ossétia, zona no Cáucaso russo, Tugan Sokhiev disse ainda ser incapaz de “suportar ser testemunha da forma como os colegas, artistas, atores, cantores, bailarinos, realizadores são ameaçados, tratados com desrespeito e vítimas da cultura de anulação”.
Lembrando o que acontece na Polónia, onde a “música russa foi proibida”, Sokhiev deixou críticas ao cancelamento que os artistas têm vivido. Diz que os músicos “estão lá para lembrar através da música de Chostakovitch os horrores da guerra”: “Nós, músicos, somos os embaixadores da paz. Em vez de nos usarem, a nós e à nossa música, para unir as nações e os povos, somos divididos e ostracizados”.
Pavel Sorokin o maestro dispensado da britânica Royal Opera House
Pavel Sorokin estreou-se no palco da Royal Opera House em 2007, na apresentação do Lago dos Cisnes. No repertório conta também com Romeu e Julieta, Cinderela, Carmen ou O Quebra Nozes. Nascido na Rússia, formou-se no conservatório de Moscovo, começou a trabalhar como pianista de ballet no Teatro Bolshoi, em 1983, e quatro anos mais tarde recebeu uma bolsa para integrar o conservatório em Paris.
Foi aprendiz do americano Leonard Bernstein e do japonês Seiji Ozawa na Orquestra Sinfónica de Boston e foi daí que saiu para ser nomeado maestro do Teatro Bolshoi, em Moscovo, com o qual mantém colaboração, ainda que este ano tivesse sido escolhido também para dirigir o Royal Ballet, mantendo a companhia britânica a escolha regular dos últimos anos.
Maestro russo Pavel Sorokin dispensado da britânica Royal Opera House
Orquestra de Munique despede o maestro Valery Gergiev, um dos nomes da música erudita russa
La Scala de Milão, Carnegie Hall em Nova Iorque, Festival de Edimburgo, Festival de Verbier, na Suíça, Filarmónica de Munique e de Paris e ainda o Festival de Lucerna, na Suíça. Em comum, o corte de relações com Valery Gergiev, um dos nomes da música erudita russa, por ser um dos apontados como próximos do Presidente russo e por se ter recusado a condenar a invasão da Rússia à Ucrânia.
Perante a recusa em distanciar-se das decisões do Presidente russo, a solução das casas de espetáculo foi a de afastar o maestro. Dia após dia, vários países anunciaram o fim das ligações ao maestro.
Primeiro, o Carnegie Hall, em Nova Iorque, e a Filarmónica de Viena dispensaram Gergiev de várias apresentações. Depois, o Festival de Verbier, na tradicionalmente neutra — mas não nesta invasão à Ucrânia — Suíça, decidiu afastar o maestro do cargo de diretor musical e, mais além, proibir qualquer apresentação de artistas que suportem as ações de Putin; à semelhança do que aconteceu também na cidade de Lucerna, onde as apresentações agendadas para agosto foram suspensas.
Ainda no mesmo dia, o Festival Internacional de Edimburgo (que tinha o maestro como presidente honorário) anunciou que Gergiev tinha renunciado ao cargo a pedido da organização do Festival. Já no próximo mês de abril, Valery Gergiev devia apresentar-se com a Filarmónica de Paris, mas os dois concertos foram cancelados.
À já extensa lista ainda se somam a Filarmónica de Hamburgo e a Orquestra de Roterdão.
Fórmula 1. Haas despede Nikita Mazepin e rompe com empresa patrocinadora
O piloto russo Nikita Mazepin foi despedido da equipa norte-americana de Fórmula 1, que confirmou também a rescisão de contrato com a empresa Uralkali, que pertence ao pai do piloto e era um dos patrocinadores.
Com o fim da ligação de Mazepin à Hass, a Rússia deixa de ter pilotos na Fórmula 1, já que Daniil Kvyat deixou de ser piloto de reserva da Alpine para entrar no FIA World Endurance Championship.
Além do fim da relação com Mazepin, a Fórmula 1 já tinha cancelado o Grande Prémio de Sochi, que estava agendado para setembro.
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— MoneyGram Haas F1 Team (@HaasF1Team) March 5, 2022
Eurovisão não será ganha por russos, país impedido de participar
É a única certeza na edição deste ano do festival da Eurovisão: ao contrário do que aconteceu em 2008, o galardão não irá para território russo. A União Europeia de Radiodifusão decidiu, logo no dia seguinte ao início da invasão da Ucrânia, anunciar que a Rússia está impedida de participar no concurso.
A decisão foi tomada já depois de países como a Estónia ou a Finlândia terem prometido desistir, caso a Rússia tivesse algum concorrente na Eurovisão. A organização considera que essa participação de Moscovo “traria descrédito à competição.”
Em 2008, a Rússia venceu a Eurovisão, que nesse ano teve como palco Belgrado, com a música “Believe” interpretada por Dima Bilan, tendo conquistado por mais que uma vez o segundo lugar no concurso.
Até os gatos russos são excluídos de competição internacional
Nos próximos dois meses, os gatos de origem russa estão proibidos nas competições internacionais, segundo um comunicado emitido pela Federação Felina Internacional. A notícia foi avançada pelo Washington Post, que cita o comunicado da Federação que sustenta a decisão na incapacidade de “assistir a atrocidades sem reagir”.
Para já a decisão vigora até maio, mas será revista nessa altura.
Em Milão, o quase cancelamento a Dostoiéviski
A Universidade Milão-Bicocca tinha decidido cancelar um curso sobre Dostoiéviski e a polémica ganhou espaço depois de o professor e escritor Paolo Nori ter denunciado a decisão da universidade num vídeo no Instagram. “Ser russo é sinónimo de culpa, mesmo que seja um russo morto”, denunciava na quarta-feira o professor, responsável por ministrar as aulas específicas sobre Fiódor Dostoiévski, o clássico autor russo.
Em pouco tempo, e já depois de a polémica ter sido amplificada através da imprensa e das redes sociais, a universidade emitiu um comunicado onde afirmava tratar-se de um “mal entendido” e a garantir que não havia “qualquer censura” ao autor russo e que o curso se mantinha conforme planeado.
Ainda assim, não foi suficiente para que o professor aceitasse continuar a dar as aulas do curso sobre Dostoiévski na universidade, tendo depois sido requisitado por várias outras instituições para que pudesse dar a especialização no autor de Crime e Castigo. O resultado é uma espécie de périplo por Itália que começa já no sábado com passagens por Bolonha, Roma, Cesena e Parma para falar da vida e obra do filósofo russo.