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As gruas estão a funcionar, há baldes com cimento no chão, fios de eletricidade pendurados no teto e algum cheiro tinta. Depois de estar 12 anos na gaveta, envolta em polémicas e guerras políticas, a obra da nova ala pediátrica do Hospital S. João, no Porto, está finalmente a erguer-se. O projeto arrancou em outubro de 2019, tinha conclusão prevista em 18 meses, mas ficará pronto no último trimestre deste ano.
O novo edifício terá três mil metros quadrados, duas entradas principais, cinco pisos e 98 camas disponíveis, nele estarão concentradas todas as valências de pediatria, até agora dispersas por várias zonas do hospital. “Representa uma mais valia enorme, vamos conseguir ter um espaço digno para receber os nossos doentes e podemos voltar a sentir a pediatria unida. Neste momento, temos os serviços da criança pulverizados dentro do hospital, o que no dia a dia representa um esforço suplementar para os profissionais que têm de dar resposta em vários locais, perdendo tempo. Desta forma, seremos mais eficazes”, explica Eunice Trindade, diretora do serviço de pediatria do S. João.
O piso térreo terá ligação direta ao serviço de urgência pediátrica e uma área lúdica, o segundo piso será dedicado ao internamento geral e o terceiro ficará reservado a internamentos diferenciados, com unidades de queimados, oncologia e cardiologia. O quarto piso albergará a unidade de neonatologia, dividida entre cuidados intermédios e intensivos, e ainda as atividades do hospital de dia, já no último andar funcionará a unidade cirúrgica.
“Teremos um edifício totalmente integrado no hospital, o que é uma grande vantagem. Destaco a integração da área neonatal com o bloco de partos, que vai permitir a entrada das grávidas pela urgência do serviço de obstetrícia e ginecologia, a integração de toda a área cirúrgica e a integração do internamento pediátrico geral e todas as valências que são necessárias à atividade clínica, como a ressonância, a radiologia ou a ecografia”, sublinha Manuel Melo, administrador hospitalar na área da mulher e da criança.
Uma unidade de queimados, uma ponte suspensa e quartos com mais privacidade
Um dos pontos fortes do projeto é a criação da primeira unidade de queimados pediátrica da região Norte, que representa “mais um salto na prestação de serviços com qualidade”. “Infelizmente tem havido um crescimento grande nos últimos anos deste grupo de doentes, com necessidades muito particulares e com muitas idas ao bloco operatório, por exemplo. Esta nova unidade vai permitir dar resposta a todos eles”, afirma Eunice Trindade, diretora do serviço de pediatria, que salienta ainda a vantagem de existir um novo esquema de enfermaria.
Na nova ala pediátrica do São João haverá duas entradas principais — uma pelas urgências e outra para atividades programadas –, quartos individuais e enfermarias com um máximo de duas camas, todos com direito a casa de banho e uma zona para os familiares descansarem ou trabalharem. “Neste momento, temos ainda um esquema antigo de enfermaria com três ou quatro camas, mas na nova ala a realidade será diferente e irá permitir que os doentes estejam internados com privacidade. Numa altura em que a situação pandémica é uma preocupação, vamos conseguir diminuir o contágio hospitalar, o que também é importante”, enfatiza a médica.
Com 240 metros quadrados e uma ponte suspensa para um jardim, a área lúdica é outra das novidades do projeto e irá proporcionar “uma experiência diferente” às crianças internadas por períodos prolongados. O espaço vai incluir uma biblioteca, uma sala de leitura, uma zona de estudo, uma área polivalente para trabalhos manuais, jogos virtuais e atividade física.
As dificuldades de uma obra que não parou durante a pandemia
Jorge Sousa faz parte da direção de instalações e equipamento e garante que tudo tem decorrido dentro do previsto, mas não esconde as dificuldades no processo. “É um projeto assente sobre um edifício antigo, que aglomera a urgência pediátrica e urgência geral, e foi construído sem fecharmos nenhuma cama. Tivemos uma grande dificuldade, sobretudo na primeira fase, mais estrutural, em conseguir fazer tudo isto com todas as unidades a trabalhar em simultâneo. Exigiu uma coordenação muito grande entre a obra e a parte clínica, mas as coisas têm corrido bem, estamos com um ótimo ritmo de construção e contamos concluir dentro dos prazos já estabelecidos”, esclarece ao Observador.
A obra envolve 300 trabalhadores da construção civil e o responsável recorda que, apesar dos constrangimentos provocados pela pandemia, nunca foi interrompida. “Nunca parámos a obra, estabelecemos vários protocolos de segurança para isso não acontecer e conseguimo-lo. Estamos agora numa fase final.”
A par da construção do edifício, é necessária a instalação de todo o equipamento necessário para as unidades funcionarem. “No final do ano passado, fizemos, junto de todos os serviço que vão trabalhar nesta ala, o levantamento de todo o equipamento necessário e lançámos todos os concursos para a aquisição desse material. Vamos dedicar o final do verão e o início do outono para a instalação do equipamento, de forma a que seja possível trabalhar mal as instalações estejam prontas.”
Jorge Sousa garante que mais importante do que o número de camas é a qualidade do serviço. “O São João é um dos hospitais pediátricos com o maior número de valências integradas e o projeto foi ao encontro dessas especificidades. Mais do que fazer um hospital com imensas camas, queremos fazer camas com imensa qualidade e diferenciadas.” O responsável confessa a vontade de ver o resultado final. “Sinto uma ansiedade grande, com mais de dez anos. Depois de alguns avanços e recuos, vejo as pessoas com grande expectativa de ter isto concluído no final do ano.”
Um projeto envolto em polémica e que demorou a sair do papel
Corria o ano de 2009 quando o então presidente do conselho de administração do Hospital de São João, António Ferreira, anunciou a ideia que prometia mudar a vida das crianças internadas em pediatria. O projeto remontava já a 2007 e propunha construir um hospital pediátrico inserido numa das alas do hospital, financiado por patrocinadores e com quatro milhões de euros angariados. A campanha ‘Um lugar pró Joãozinho’ prometia um novo hospital com cem camas, cuja inauguração estava prevista para o primeiro semestre de 2011. No entanto, a transferência das crianças para as instalações provisórias, que se tornaram definitivas, deu-se precisamente nesse ano.
Em 2014 é criada a associação “Um Lugar para o Joãozinho”, tendo como objetivo obter financiamento para a nova ala pediátrica, e a obra é entregue ao consórcio Lúcios/Somague, por 25 milhões de euros, que seriam angariados através de contribuições de mecenas. Em março de 2015, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho deslocou-se ao Porto para a cerimónia de lançamento da primeira pedra, mas durante quatro meses a empreitada esteve parada devido a divergências entre a administração do hospital e a associação.
A obra começou em novembro de 2015 com fundos privados. Um ano depois, António Oliveira e Silva tornou-se o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar e Universitário de São João, afirmando que empreitada só será possível com investimento público. O hospital argumentava que havia um “desfasamento total entre as verbas angariadas” pela Associação Joãozinho e “o orçamento total”.
Em novembro de 2018, os pais das crianças internadas nos 36 contentores provisórios alertaram para as condições “indignas e desumanas” do internamento pediátrico, descrevendo “quartos minúsculos sem janelas”, “cartão a tapar buracos na parede”, portas vedadas com “adesivo do hospital” e “uma sanita e duche para os 40 ou 50 pais”. Nesse mesmo mês, o Parlamento aprovou por unanimidade, a proposta de alteração do PS ao Orçamento do Estado para prever o ajuste direto para a construção da ala pediátrica.
Em julho de 2019, o hospital deslocou o internamento de crianças para o edifício principal, uma mudança que só foi possível com a utilização de espaços deixados livres com a relocalização de outros serviços. Orçada em 27,6 milhões de euros, a obra arrancou no dia 1 de outubro de 2019 e está a cargo da empresa Casais – Engenharia e Construção, S. A., tendo o projeto sido elaborado pela empresa Aripa Arquitetos.
“Foi um processo longo e muito desgastante para todos. Em determinados momentos, nós, profissionais, sentimos que isto poderia não acontecer, felizmente com este conselho de administração as coisas seguiram em frente e de facto em pouco tempo começámos a ver a nova ala a crescer”, afirma Eunice Trindade, diretora do serviço de pediatria do São João.
A médica coordena uma equipa de 40 especialistas que em breve vai poder trabalhar no novo edifício e não esconde a ansiedade pela mudança. “É um momento que esperamos com muita ansiedade, acho que as pessoas só vão acreditar quando puserem os pés na nova ala. Muitas vezes ainda me perguntam se vamos mesmo mudar para lá. Esperamos que até ao final do ano sejamos capazes de estar a trabalhar no novo edifício com doentes, pelo menos é essa a mensagem que o conselho de administração nos tem passado.”