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É comum dizer-se que não há pessoas insubstituíveis, mas a verdade é que nos confrontos entre nações – sejam eles abertos ou subterrâneos – há homens (são quase sempre homens) que, pela sua astúcia, visão, determinação, inflexibilidade, crueldade ou capacidade organizativa, se têm revelado mais decisivos para o desfecho de um conflito do que um esquadrão de cavalaria, uma divisão blindada ou um porta-aviões. Estas figuras-chave convertem-se, naturalmente, em alvos a abater pelos beligerantes do outro lado. Os “assassínios selectivos” são quase sempre realizados à margem das regras do cavalheirismo e do direito internacional, mas quem os comete ou ordena presume que os protestos indignados e as juras de vingança que tais actos quase sempre desencadeiam são males menores quando comparados com os que o seu alvo produziria se continuasse vivo.
A morte, a 3 de Janeiro de 2020, do general iraniano Qasem Soleimani num ataque de drones norte-americanos no aeroporto de Bagdad, é apenas o mais recente episódio numa longa história de atentados contra militares ou políticos proeminentes, levados a cabo por uma potência rival e que tem tido o Próximo e Médio Oriente como um dos seus palcos privilegiados – uma das “organizações” cuja política de assassínios selectivos se revelou mais eficaz e abrangente, os Hashishiyyin, tinham as suas bases implantadas nas regiões montanhosas do Irão e da Síria e uma zona de acção que se estendia do Mediterrâneo ao Golfo Pérsico.
Quem é Qassem Soleimani, o general de elite do Irão morto pelos EUA?
A história do assassínio selectivo está juncada com tantos cadáveres que nesta breve síntese se reterão apenas magnicídios perpetrados entre nações rivais, o que deixa de fora o imenso número de mortes de monarcas, estadistas, líderes políticos e comandantes militares no contexto de “conflitos domésticos”, ou seja, de lutas entre facções políticas, grupos étnicos ou seitas religiosas dentro de um país, bem como de disputas pelo poder no seio de uma família (em tempos, os ocupantes de um trono e os seus presumíveis herdeiros tinham menos razões para temer os monarcas de outras nações do que os seus familiares próximos).
Embora os Hashishiyyin, activos entre os séculos XI e XIII, sejam vistos como os grandes mestres do “assassínio selectivo” e poderão mesmo estar na origem do vocábulo “assassino”, a “tradição” do “assassínio selectivo” é tão antiga quanto a civilização.
Holofernes
Ano: século VI a.C.; local: Bethulia, Judeia; sucesso: sim; arma: espada
Um dos mais antigos, famosos e pitorescos (no sentido etimológico da palavra) casos de “assassínio selectivo” é o do general assírio Holofernes. É provável que não tenha acontecido nos moldes em que tem sido narrado, pode nem sequer ter acontecido e há quem entenda que a vítima, a assassina e a cidade em que terá ocorrido não passem de ficção. A única fonte de que dispomos para estes “eventos” é o Livro de Judite, que, embora integre o Antigo Testamento dos católicos, é considerado apócrifo pelos protestantes e mesmo os católicos admitem que Livro de Judite será uma peça de propaganda composta no século II a.C. para exortar os judeus à resistência.
A versão bíblica dos eventos é a seguinte: o rei assírio Nabucodonosor enviou um exército comandado pelo general Holofernes para punir a Judeia por se ter negado ao pagamento de um tributo destinado a financiar uma guerra dos assírios contra os medos. Holofernes cercou a cidade judia de Bethulia e cortou-lhe o abastecimento de água, o que enfraqueceu a vontade de resistência dos sitiados. Estes estavam dispostos a render-se, mas Judite, uma jovem viúva, foi de entendimento diverso: acompanhada pela sua criada, insinuou-se no acampamento assírio e fez com que fosse levada à presença de Holofernes, a quem informou do fraco moral dos judeus e da sua rendição iminente. Holofernes ficou tão agradado com a notícia – e com os predicados físicos da mensageira – que ofereceu um banquete em honra de Judite. Quando Holofernes recolheu aos seus aposentos, já com uns copos a mais, Judite aproveitou-se do seu estado de entorpecimento para o degolar e, com a ajuda da criada, cortou-lhe a cabeça e levou-a consigo no regresso a Bethulia, o que teve o condão de reavivar a coragem dos seus conterrâneos. Em contrapartida, os sitiantes ficaram profundamente desmoralizados com a morte do seu comandante e levantaram o cerco.
Esta história nada tem que a sustente do ponto de vista factual: Nabucodonosor (Nebuchadnezzar II) foi rei de Babilónia (no período c.605-c.562 a.C.) e não da Assíria e, embora tenha empreendido uma campanha que resultou na conquista da Judeia, não há qualquer fonte, para lá do Livro de Judite, que mencione Holofernes, Judite ou. Isto (e o facto de “Bethulia” significar “virgindade”, em hebraico) leva a maioria dos historiadores a considerar que a história de Judite simboliza a resistência tenaz de Israel a ameaças de potências estrangeiras. A escassa consistência factual não impediu que o episódio inflamasse a imaginação de muitos artistas do mundo cristão, nomeadamente Donatello, Caravaggio, Mantegna ou Tiziano – e também uma das raras pintoras do período barroco, Artemisia Gentileschi (1593-c.1656), que terá talvez sido atraída por um episódio em que uma mulher assume um papel activo e determinado, o que era raro na temática da pintura da época.
Vários foram os compositores do período barroco a musicar este episódio bíblico sob a forma de oratória: entre eles estão Marc-Antoine Charpentier (c.1675), Alessandro Scarlatti (1693), Antonio Vivaldi (1716) e o português Francisco António de Almeida (1726). O libreto La Betulia liberata, escrito por Pietro Metastasio em 1734, tornou-se na base para mais de 30 oratórias por diferentes compositores, um dos quais foi um rapaz de 15 anos chamado Wolfgang Amadeus Mozart.
[Após a descoberta do cadáver de Holofernes, Vagaus, o seu braço-direito, lança o alerta e apela a que se persigam implacavelmente os homicidas e se vingue a morte do general, na ária “Armatae face et anguibus”, da oratória Juditha Triumphans, de Vivaldi, pela mezzo-soprano Lea Desandre e pelo ensemble Jupiter, em instrumentos de época, com direcção de Thomas Dunford (Alpha):]
Embora seja provável que Judite nunca tenha existido, a imaginação de pintores e compositores acabou por lhe conferir uma presença mais poderosa no nosso imaginário do que a de muitas figuras históricas pelo que, se a Mossad recorresse a cartazes de recrutamento, Judite seria certamente a sua pin-up girl.
Jónatas
Ano: c. 58 d.C.; local: Jerusalém; sucesso: sim; método: adaga
Israel não esperou pela Mossad para criar uma organização especializada em assassínios selectivos: por alturas da Primeira Guerra Romano-Judaica (66-73 d.C.), no seio dos zelotas – movimento judeu que advogava a expulsão dos romanos pela força (ver Jerusalém: 3800 anos a criar sarilhos (parte I)) – destacou-se uma facção de radicais que ficaram conhecidos como sicarii. O nome, do latim sicarii, provém da adaga curta (sica) que usavam para assassinar romanos e judeus que se prestavam a colaborar com o ocupante romano. É possível que sica derive do termo do albanês antigo para faca (tsikā); por sua vez, sicarius (singular de sicarii) deu origem ao português sicário (e ao espanhol sicario), com o significado genérico de assassino ou faquista.
O primeiro magnicídio atribuído aos sicarii foi o do Sumo-Sacerdote Jónatas, que foi assassinado no Templo, de acordo com o relato do historiador judeu Flávio Josefo nas Guerras Judaicas. Em 68 d.C. os sicarii despacharam dois ex-Sumos-Sacerdotes, Ananias (Ananus ben Ananus, no cargo em 62 d.C.) e Josué (Joshua ben Gamaliel, no cargo em 63-64 d.C.), quando tentavam desalojar do Templo um grupo de zelotas que aí se barricara e repor a ordem numa Jerusalém invadida por grupos radicais que tinham sido expulsas da Galileia pelas legiões romanas comandas por Tito. Estas não tardaram a cercar Jerusalém e a tomar e destruir a cidade, tarefa que foi facilitada pelas constantes e azedas dissensões entre judeus.
Alcibíades
Ano: 404 a.C.; local: Frígia Helespontina; sucesso: sim; método: flechas
O assassínio selectivo de Alcibíades pouco teve de inesperado – aliás, dada o seu talento militar e a facilidade e frequência com que mudava de lealdades, pode estranhar-se é que tenha vivido até aos 46 anos.
Alcibíades (c.450-404 a.C.) nasceu numa família da elite ateniense – era primo de Péricles e foi discípulo de Sócrates, que o instrui na arte da retórica e da oratória e terá, em vão, tentado dissuadi-lo de entregar-se a uma vida de prazeres (ambos os assuntos inspiraram numerosos pintores dos séculos XVIII e XIX).
Estreou-se ainda adolescente numa das constantes batalhas em que as cidades-estado gregas de então se entretinham. Na eterna rivalidade entre Atenas e Esparta, Alcibíades cedo assumiu o papel de “falcão”, tentando anular a trégua obtida pelo general ateniense Nícias em 421 a.C., que suspendera a devastadora Guerra do Peloponeso (ao que se suspeita, Alcibíades terá sido motivado pelo ressentimento, uma vez que fora excluído, pela sua juventude, das negociações de paz).
Alcibíades distinguiu-se nos conflitos com os espartanos e advogou a conquista da Sicília, mas acabou por ver-se envolvido num escândalo ao ser acusado de, numa noite de bebedeira, ter profanado estátuas sagradas em Atenas. Quando o comando da “sua” expedição à Sicília lhe foi retirado e entregue ao seu rival Nícias, Alcibíades terá informado Siracusa – a principal cidade da Sicília – da ofensiva ateniense em preparação, contribuindo para que esta redundasse em fiasco.
Calculando que esta traição deixaria os atenienses furibundos, Alcibíades passou-se para o lado dos outrora odiados espartanos e, na qualidade de conselheiro militar, forneceu a estes preciosa informação sobre os métodos e segredos do exército ateniense. Porém, um caso amoroso com Timea, esposa do rei de Esparta, Agis II, de que terá resultado um filho, forçou Alcibíades a buscar refúgio junto do inimigo comum de Atenas e Esparta: o Império Persa. Foi acolhido por Tissafernes, sátrapa (governador) da Lídia (província persa situada na actual Turquia), a quem dispensou conselhos sobre a melhor forma de combater os gregos. Ao mesmo tempo, começou a conspirar para derrubar o regime democrático ateniense, pois sabia que este nunca lhe perdoaria ter traído Atenas e fugido para Esparta.
As suas retorcidas intrigas junto dos gregos, que tiravam partido da sua (suposta) influência sobre Tissafernes, não se desenrolaram com ele esperava, mas acabaram, ainda assim, por produzir o resultado que pretendia: a democracia ateniense foi derrubada e o novo governo aceitou o regresso de Alcibíades e reconduziu-o no posto de general, onde voltou a distinguir-se nos intermináveis conflitos com Esparta. Estando consciente das acusações que ainda pendiam sobre si em Atenas, só regressou à cidade em 407 a.C., onde acabou por ver retiradas as acusações e restaurados os seus direitos e propriedades. Não teve muito tempo para desfrutar deles, pois a sua derrota na Batalha de Notium, em 406 a.C., contra os espartanos comandados por Lisandro, fê-lo cair em desgraça junto dos atenienses (aparentemente a derrota resultou de Alcibíades ter confiado a condução da frota ateniense a Antíoco, um timoneiro presunçoso e sem experiência de comando, mas que era seu amigo pessoal). O brilho da estrela de Alcibíades como estratega apagou-se definitivamente com nova (e agora definitiva) derrota ateniense na Batalha de Egospótamo (Aegospotami), em 405 a.C.
Mais uma vez, Alcibíades procurou refúgio no Império Persa, mais precisamente na província da Frígia Helespontina (ao norte da Lídia, na actual Turquia), governada pelo sátrapa Farnabaso II. Quando se preparava para viajar até à corte de Persépolis, para obter o apoio de Artaxerxes na luta contra Esparta, a casa de Alcibíades foi cercada e incendiada por um grupo armado e quando fez frente aos atacantes, caiu sob uma saraivada de flechas. Embora as circunstâncias desta morte não sejam claras, é provável que o ataque tenha sido orquestrado por Lisandro (quiçá com a conivência do sátrapa Farnabaso II), que pretendeu ver-se livre, de uma vez por todas, de tão obnóxia e escorregadia figura.
Nizam al-Mulk
Ano: 1092; local: estrada Isfahan-Bagdad, perto de Nahavand; sucesso: sim; método: adaga
O conceito dos sicarii judeus ressurgiu, cerca de um século depois, mais a Leste, sob forma mais “profissional”, mantendo uma inspiração religiosa mas sem a componente nacionalista dos sicarii, com a Ordem dos Assassinos (Hashashiyan em persa, Hashishiyyin em árabe). Os Hashishiyyin foram fundados em 1090, mas tiveram origem remota nas clivagens na fé islâmica que surgiram logo após a morte de Maomé e representavam uma seita radical xiita, que se opunha ferozmente ao domínio sunita, representado pelo Império Seljúcida, que estava então no seu apogeu.
Os Hashishiyyin eram uma facção dos nizaris, que por sua vez representavam um segmento dos ismaelitas, uma corrente do xiismo (a facção ismaelita ainda se mantém viva, sob a liderança espiritual de Aga Khan, e a sua sede actual está instalada em Lisboa). Uma vez que na viragem do primeiro para o segundo milénio, os ismaelitas (e os xiitas em geral) estavam “na mó de baixo”, face à pujança dos sunitas, Hassan-i Sabbah (c. 1050-1124), o fundador dos Hashishiyyin, entendeu que a única forma de combater o que via como uma perversão da mensagem original do Islão, seria através da astúcia, da “guerra assimétrica” e do terrorismo, e criou uma rede de assassinos-justiceiros que matavam em nome do entendimento “correcto” do Islão. A sua base principal era um castelo nas bravias regiões montanhosas da Pérsia junto ao Mar Cáspio, cujo nome, Alamut, significa em persa “ninho de águia”, o que expressa adequadamente a sua localização alcandorada e praticamente inexpugnável.
Quando o vizir Nizam al-Mulk (1018-1092), que era, na prática, quem governava Império Seljúcida desde que o sultão Alp Arslan fora assassinado em 1072, teve conhecimento do fervilhar de sectarismo ismaelita no Norte da Pérsia, enviou tropas para o reprimir, mas estas foram incapazes de desalojar os nizaris. E a resposta não se fez esperar: quando, em 1092, Nizam al-Mulk se deslocava, de liteira, da capital do império, Isfahan, para Bagdad sucumbiu sob os golpes de uma adaga de um Hashishiyyin que se aproximou dele sob o disfarce de um dervish.
O assassinato de Nizam al-Mulk foi o primeiro magnicídio atribuído a esta seita, que pela combinação de planeamento meticuloso, astuto e paciente, de hitmen adestrados em técnicas de combate e sem receio da morte e de bases de operações situadas em lugares remotos e inacessíveis, não tardou a granjear uma reputação e um poder completamente desproporcionados face aos seus magros números.
No prefácio à reedição de 2003 da sua obra seminal sobre os Hashishiyyin, The assassins: A radical sect of Islam (de 1967), o historiador Bernard Lewis tem o cuidado de estabelecer distinções entre os Hashishiyyin e as organizações terroristas islâmicas do nosso tempo: enquanto estas visam sobretudo cidadãos anónimos, os Hashishiyyin “apenas atacavam os grandes e os poderosos e nunca molestaram as pessoas comuns. A sua arma era quase sempre a mesma: a adaga”, desdenhando o recurso a métodos menos perigosos para o assassino mas menos fiáveis, como veneno ou flechas. “Ou seja, escolhiam os alvos mais inacessíveis e protegidos e o método de ataque mais arriscado. O próprio Assassino, depois de abater a sua vítima, não fazia qualquer esforço para escapar e os seus pares não faziam qualquer esforço para o resgatar. Pelo contrário, sobreviver a uma missão era visto como desonroso”.
O termo “hashishiyyin”, que está na origem da palavra portuguesa “assassino” e nas palavras similares nas outras línguas europeias, está envolto em incerteza e polémica. É possível que tenha por origem o termo com que Hassan-i Sabbah designava os seus fiéis: “asāsiyyūn”, que significa “os que são fiéis às fundações [da fé]”, convertendo-se em “hashishiyyin” por influência de “hashish” (o estupefaciente obtido da Cannabis sativa), pois corria a lenda de que os assassinos executariam as suas missões sob o efeito desta droga. É provável que tal não passe de um boato espalhado pelos sunitas para denegrir os Assassinos – afinal de contas, a execução de missões tão difíceis e arriscadas exigia ter os sentidos plenamente despertos, não entorpecidos pelo haxixe. Outra lenda pretendia que o haxixe era antes usado pelos líderes da Ordem para manipular os seus assassinos, proporcionando-lhes um vislumbre das recompensas que os aguardariam no Paraíso quando perecessem no cumprimento da sua missão – mas também esta história tem escassa congruência, já que, na Idade Média, o haxixe tinha já amplo uso naquelas paragens e os seus efeitos estavam longe de ser um segredo.
Corrado del Monferrato
Ano: 1192; local: Acre, Terra Santa; sucesso: sim; método: adaga
Os líderes políticos e religioso sunitas eram o alvo de eleição dos Hashishiyyin, mas estes também acabaram por envolver-se em confronto com os cruzados, que chegaram à Terra Santa mais ou menos na mesma altura em que a seita iniciou actividade. Durante algum tempo os Templários e Hospitalários foram capazes de impor aos castelos dos Assassinos na Síria o pagamento de um tributo, o que pode explicar-se por os líderes destas ordens de cavalaria serem apenas primus inter pares e facilmente substituíveis, não vivendo, portanto, no terror do magnicídio. Por outro lado, dada a proficiência dos Hashishiyyin no assassinato selectivo, é de supor que líderes cristãos e sunitas tenham sido tentados a usar os seus serviços para se desembaraçarem de inimigos e rivais.
À medida que a reputação dos Hashishiyyin se foi difundindo pelo Oriente e pela Europa, qualquer magnicídio cujo perpetrador e mandante não fossem inequivocamente identificados passou a ser atribuído à seita nizari. É talvez o caso do assassinato de Corrado del Monferrato, um nobre piemontês que participou na III Cruzada e se tornou Rei de Jerusalém em 1190, por casamento com Isabel I de Jerusalém.
A ascensão de Corrado a Rei de Jerusalém só foi ratificada formalmente pelos nobres cruzados numa eleição (por unanimidade) em 1192, mas o nobre piemontês nem sequer chegou a ser coroado, pois dois dias após a eleição foi vítima de um ataque levado a cabo por Hashishiyyin, ao que parece como represália por, no ano anterior, Corrado ter capturado um navio da seita em Tiro, executando o seu capitão e apropriando-se do tesouro a bordo. Há quem defenda que o assassinato de Corrado terá antes sido encomendado aos Hashishiyyin por Ricardo I de Inglaterra (conhecido como Ricardo Coração de Leão), que tivera vários atritos com Corrado e ficara agastado por os cruzados terem preferido Corrado ao candidato que apoiava para Rei de Jerusalém, Guy de Lusignan (que já ocupara o trono de Jerusalém em 1186 mas fora privado do seu reino no ano seguinte ao ser derrotado e feito prisioneiro por Saladino). A verdade é que, passados apenas oito dias sobre o assassinato de Corrado, foi celebrado o casamento da sua viúva, Isabel I, com o sobrinho de Ricardo I, Henrique II de Champagne, que subiu assim ao trono de Jerusalém.
O fim do poderio Hashishiyyin não foi obra de sunitas nem de cristãos mas de novos protagonistas vindos de Oriente em meados do século XIII: os mongóis. Hulagu Khan (c.1218-1265), neto de Genghis Khan e irmão de Möngke Khan, líder máximo dos mongóis, foi encarregado por este último de submeter o Califado de Bagdad e todos os estados islâmicos do Próximo Oriente e a rede de 50 fortalezas da Ordem dos Assassinos claro que não poderia ficar de fora deste programa, sobretudo depois de (ao que consta) terem feito uma tentativa para liquidar Möngke Khan.
Os mongóis tinham vindo a erodir o poderio dos Hashishiyyin sob a liderança de Alā ad-Din Muhammad, 26.º imã nazari (no poder entre 1211 e 1255), e o processo intensificou-se a partir de 1255, quando, por morte deste, lhe sucedeu o filho mais velho, Rukn al-Din Khurshāh. No ano seguinte, Khurshāh viu-se forçado a entregar Alamut aos mongóis, pondo assim término ao reino de terror dos Assassinos.
Murad I
Ano: 1389; local: Kosovo Polje; sucesso: sim; método: adaga
Não há dúvida de que a Batalha de Kosovo Polje (ou “Batalha do Campo dos Melros”) teve lugar a 15 de Junho de 1389, perto da actual Pristina, e de que opôs uma coligação cristã liderada pelo príncipe sérvio Lazar Hrbelejanović ao exército otomano comandado pelo sultão Murad I. Também é certo que os líderes de ambos os exércitos pereceram na refrega. Porém, sobre muitos dos contornos deste embate decisivo na história dos Balcãs, que opôs uma força de 12.000 a 30.000 sérvios, bósnios, croatas e albaneses a um exército otomano de 27.000-40.000 homens, paira uma névoa de ambiguidade, resultante de as fontes sérvias ou turcas apresentarem divergências apreciáveis.
O seu desfecho foi algo inconclusivo, já que ambos os lados sofreram pesadas baixas, mas ainda assim, a vitória coube aos otomanos. Para mais, quando se considera uma perspectiva temporal mais larga, enquanto os cristãos eslavos perderam na batalha a fina-flor da sua nobreza, os turcos foram capazes de reconstituir o seu exército sem grande dificuldade. Todavia, os sérvios viriam a proclamar que o sacrifício dos seus valentes em Kosovo Polje terá sido crucial para retardar o avanço otomano sobre a Europa Oriental – esta crença continua a ser um elemento central no imaginário sérvio e não terá sido alheio a muito do que se passou nos Balcãs após a desintegração da Jugoslávia.
Se o príncipe Lazar parece ter sido morto em combate, a morte de Murat parece ter resultado de um assassínio selectivo: quando a sorte da batalha começou a inclinar-se inequivocamente para o lado otomano (após a retirada dos bósnios de Vuk Branković), Miloš Obilić, um cavaleiro sérvio, fingiu desertar e pediu para ser levado à presença do sultão – quando se viu perante este, sacou de uma adaga que levava escondida e matou-o, sendo imediatamente trucidado pela guarda do sultão.
O acto de sacrifício de Obilić converteu-o num herói aos olhos dos sérvios e valeu-lhe a imortalização em lendas e canções e a atribuição, em 1913, do seu nome a uma medalha que distingue os soldados sérvios que dão mostras de coragem excepcional em combate (a medalha foi reinstituída em 2010 pela República Sérvia). Porém, os detalhes da vida de Obilić e do seu papel na batalha e na morte de Murad variam muito consoante as fontes – o lado turco tende a eclipsar Obilić e uma fonte refere que Murad terá sido assassinado quando atravessava o campo de batalha por um soldado sérvio ferido que se fazia passar por morto entre os cadáveres.
Guilherme I, Príncipe de Orange
Ano: 1584; local: Delft; sucesso: sim; método: pistola
A juventude de Guilherme I, Príncipe de Orange (1533-1584), que os holandeses conhecem como Willem van Oranje e que também é designado como Guilherme o Taciturno (Willem de Zwijger), foi marcada por um relacionamento muito próximo com os Habsburgos: foi pajem na corte de Carlos V, que assumiu as funções de regente do Principado de Orange durante a menoridade de Guilherme, e a sua educação foi supervisionada de perto por Maria, irmã do imperador. Aos 22 anos já era comandante no exército imperial e em 1559, aos 24 anos, foi nomeado governador (stadtholter) das províncias espanholas da Holanda, Zelândia e Utrecht por Filipe II (em cujo favor Carlos V abdicara em 1555). Porém, nesse mesmo ano, as relações de Guilherme com os Habsburgos começaram a deteriorar-se: os holandeses começavam a manifestar descontentamento com o domínio espanhol, e, numa visita aos Países Baixos Espanhóis, Filipe II acusou Guilherme I de ter-se tornado no líder da oposição da nobreza holandesa à coroa espanhola.
A acusação poderia ser injusta, mas não tardaria a ganhar validade: o desagrado dos Países Baixos face ao domínio espanhol foi agravando-se com a nomeação de Margarida de Parma como governadora e com a introdução da Inquisição, chefiada pelo cardeal Granvelle, que tentou sufocar o alastramento do protestantismo na região, e a posição de Guilherme foi deslizando para o lado da nobreza holandesa que reclamava autonomia política e liberdade de culto. As posições foram radicalizando-se, Guilherme assumiu frontalmente a oposição aos espanhóis – embora sem obter sucesso nos confrontos militares – e em 1581 Filipe II anunciou que o antigo favorito de Carlos V era agora um fora-da-lei e que oferecia uma recompensa de 25.000 coroas e um título de nobreza a quem o matasse.
Gaspar de Anãstro, um basco que tinha um comércio de peles em Antuérpia e que acabara de sofrer um pesado prejuízo com o naufrágio de três dos seus navios, achou a proposta de Filipe II oportuna, mas como lhe faltava coragem, persuadiu Juan de Jáuregui, um rapaz basco de 19 anos que trabalhava para ele como aprendiz de contabilista, a fazer o serviço por uma pequena fracção da recompensa.
Jáuregui dirigiu-se à residência de Guilherme em Antuérpia e, a pretexto de lhe apresentar uma petição, desfechou-lhe um tiro no rosto à queima-roupa. O pobre Jáuregui e os seus co-conspiradores estavam longe de ser hitmen experientes e a pistola (arma ainda relativamente recente e de manuseio complexo) fora carregada atabalhoadamente, pelo que, embora o disparo tenha ferido Guilherme e lhe tenha incendiado a barba, não o matou – já Jáuregui foi prontamente massacrado pelos guardas de Guilherme.
Balthasar Gérard, um nativo do Franche-Comté (hoje em território francês mas na época também um domínio espanhol), pusera-se a caminho dos Países Baixos quando soube da recompensa e deve ter suspirado de alívio quando lhe chegou a notícia do fiasco de Jáuregui. Gérard não era pessoa de meios e quando, em 1584, começou a rondar a residência de Guilherme, que, entretanto, se mudara para Delft, tinha o vestuário e o calçado em mísera condição. Um dos guardas condoeu-se dele e intercedeu junto de Guilherme, que ordenou que lhe fossem dadas 50 coroas, com as quais Gérard comprou não uma nova indumentária mas um par de pistolas. Uns dias depois, insinuou-se na casa de Guilherme e disparou sobre ele, matando-o. Pôs-se em fuga, mas foi capturado, julgado e condenado a ser morto num processo requintadamente demorado e doloroso, que melhor será nem reproduzir aqui.
Guilherme o Taciturno não só teve a duvidosa honra de ser a primeira figura proeminente a ser assassinada a tiro, como provavelmente continua hoje a ser a única vítima de magnicídio que pagou do seu bolso a arma com que foi abatido.
Franz Ferdinand
Ano: 1914; local: Sarajevo; sucesso: sim; método: pistola
Há homens de Estado que se rodeiam de rigorosas medidas de segurança, o que obriga os seus potenciais assassinos a arquitectar planos sumamente rebuscados, mas o magnicídio de mais ponderosas consequências do século XX – quiçá da História da Humanidade – contou com amadorismo, displicência e inépcia de ambos os lados.
Em 1878, o Tratado de Berlim dera ao Império Austro-Húngaro a responsabilidade de administrar a província otomana da Bósnia-Herzegovina, mas com o continuado enfraquecimento do poderio otomano, em 1908 a Áustria-Hungria sentiu-se suficientemente confiante para ocupar militarmente o território, o que deixou furiosa a Sérvia, que, após ter readquirido a independência, em 1878, aspirava a reconstruir a Grande Sérvia de outrora, que incluía parte da Bósnia-Herzegovina.
Os triunfos militares da Sérvia contra o Império Otomano nas Guerras dos Balcãs de 1912-13, que lhes permitiram anexar a Macedónia e o Kosovo, serviram para acicatar a sua determinação em não permitir que a Bósnia ficasse sob domínio austro-húngaro. Foi assim que a Sérvia tratou de instigar a agitação entre os sérvios da Bósnia, nomeadamente promovendo atentados contra oficiais e altos funcionários austro-húngaros.
Foi neste contexto de fervilhar de paixões nacionalistas que Franz Ferdinand, herdeiro do trono austro-húngaro, decidiu visitar Sarajevo, a principal cidade da Bósnia, em Junho de 1914, acompanhado da esposa, a duquesa Sophie. À sua espera estavam conspiradores do movimento revolucionário Jovem Bósnia (Mlada Bosna), que se opunham ao domínio austro-húngaro e que contavam com o apoio da Mão Negra (Crna Ruka), uma sociedade secreta de militares sérvios que aspirava a unificar boa parte dos Balcãs sob liderança da Sérvia. Danilo Ilić, um sérvio bósnio, planeou o atentado em colaboração com a Mão Negra, recrutou cinco assassinos (dois sérvios e três sérvios bósnios), entregou-lhes as armas fornecidas pela Mão Negra (bombas e pistolas automáticas) e dispô-los ao longo do percurso que o príncipe-herdeiro iria fazer no dia 28 de Junho entre a estação de caminho-de-ferro e a câmara municipal de Sarajevo.
É oportuno referir que, após séculos de guerras conduzidas sem outras regras do que voláteis noções de cavalheirismo, a comunidade internacional aprovara sete anos antes a Convenção de Haia, destinada a regular conflitos bélicos e que proibia os países de, num “conflito armado”, matar “traiçoeiramente indivíduos na nação ou exército adversário”. Porém, entre a Sérvia e o Império Austro-Húngaro não havia um conflito armado aberto, nem os sérvios nem os sérvios bósnios estavam dispostos a admitir que tratados internacionais se interpusessem entre eles e as suas aspirações.
As medidas de segurança na vista de Franz Ferdinand a Sarajevo eram mínimas, pois o comandante militar entendera que a população local se melindraria se enchesse as ruas de tropas, mas a caravana passou pelos dois primeiros assassinos sem que eles tivessem coragem ou oportunidade para agir e só o terceiro, Vaso Čabrinović teve ensejo de atirar uma bomba que ressaltou no carro do príncipe e explodiu sob o carro seguinte, causando dois feridos graves, mas sem afectar o casal real. Čabrinović planeara suicidar-se ingerindo uma cápsula de cianeto e saltando de uma ponte para o rio, mas a cápsula passara do prazo de validade e o rio levava menos de um palmo de água, pelo que foi capturado vivo. Os restantes conspiradores, crendo o atentado falhado, bateram em retirada, com excepção de um estudante sérvio bósnio de 19 anos chamado Gavrilo Princip que, sem saber o que fazer, se limitou a vaguear pela cidade.
A caravana encaminhou-se apressadamente para a câmara municipal, onde teve lugar a recepção prevista – quando esta terminou, Franz Ferdinand manifestou o desejo de visitar os feridos na explosão da bomba, para consternação de quem advogava que não deveria sair do edifício enquanto não fossem trazidas tropas para providenciar segurança nas ruas. O governador da Bósnia, o general Potiorek, não só afastou a ideia de trazer soldados à pressa– sem uniformes de gala e, portanto, sem condições, para abrilhantar uma visita de Estado! – e ridicularizou os receios de que ainda houvesse conspiradores à solta.
Foi assim que a caravana se pôs de novo em marcha, agora em direcção ao hospital, mas o motorista do primeiro carro da comitiva seguiu um percurso diferente do acordado e o motorista do carro do príncipe dispôs-se a segui-lo. Porém, o general Potiorek, que seguia no mesmo carro, apercebeu-se do erro e instruiu o motorista para travar e fazer inversão de marcha, ali mesmo junto a uma loja de delicatessen. Quem estava à frente desta era Princip, cuja caminha errática o trouxera até aquela esquina. Tirando partido de o motor do carro ter ido abaixo, Princip aproximou-se e disparou à queima-roupa sobre Franz Ferdinand e a esposa, matando ambos.
O Império Austro-Húngaro não precisou de provas para atribuir de imediato o atentado aos serviços secretos sérvios (não é claro se estes estiveram directamente envolvidos ou se a responsabilidade foi apenas da Mão Negra) e confrontou a Sérvia com um ultimato cujos termos eram tão rigorosos que nunca poderiam ser aceites e declarou-lhe guerra quando não viu as suas exigências reconhecidas.
A Rússia colocou-se ao lado da Sérvia, sua aliada, e perante a declaração de guerra da Rússia, a Alemanha, aliada da Áustria-Hungria, apresentou por sua vez a declaração de guerra, o que teve o efeito de arrastar a França e a Grã-Bretanha para o conflito. A I Guerra Mundial estalou um mês depois do atentado, a 28 de Julho, e só terminou quatro anos, três meses e 20 milhões de mortos depois. Princip não assistiu ao fim da guerra nem aos desmembramento do detestado Império Austro-Húngaro, nem à incorporação da sua Bósnia-Herzegovina no Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos: a tuberculose matou-o na prisão de Therezín (Theresienstadt), a 28 de Abril de 1918.
Alexandre I da Jugoslávia
Ano: 1934; local: Marselha; sucesso: sim; método: pistola
A I Guerra Mundial foi espoletada por uma disputa nos Balcãs, mas nem os quatro anos de combates nem os tratados de paz subsequentes foram capazes de produzir uma solução satisfatória e estável para a região. O melhor que se arranjou foi amalgamar o Reino da Sérvia com os despojos do Império Austro-Húngaro num novo reino, que começou por ser denominado Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos em 1918. Os sérvios desde logo se afirmaram como elemento dominante do novo país, cuja governação foi entregue ao rei sérvio Alexandre I, em 1918-1921 como regente, dada a avançada idade de seu pai, Pedro I, e, a partir de 1921, pela morte do pai, na qualidade formal de rei.
Alexandre I (1888-1934), que tinha carácter taciturno e autocrático e passara seis anos em combates como oficial do exército sérvio, primeiro nas Guerras dos Balcãs, depois na I Guerra Mundial, levou a peito a unificação da incongruente manta de retalhos étnica e religiosa que era o seu reino. Em 1929, depois de um deputado do Montenegro ter abatido a tiro Stjepan Radić, líder do Partido Croata dos Camponeses, que exigia uma Jugoslávia federal, o país ficou à beira da guerra civil e Alexandre I ripostou com a abolição da Constituição, com o rebaptismo do país como Reino da Jugoslávia (“terra dos eslavos do Sul”) e com a entrada em funções de um governo ditatorial, cujas medidas tendentes a amenizar a preponderância sérvia se revelaram insuficientes para agradar às restantes entidades étnicas (os croatas iniciaram uma campanha pela independência de inspiração fascista e recorrendo ao terrorismo), mas foram vistas como excessivas pelos sérvios. Para coroar o desagrado geral, a Grande Depressão não tardou a atingir o reino duramente.
A ascensão de Hitler ao poder em 1933 trouxe preocupações acrescidas a Alexandre I, que considerou um reforço dos laços com os aliados franceses, de forma a salvaguardar os Balcãs contra a ameaça fascista da Itália e da Alemanha. Com efeito, Mussolini estava consciente de que Alexandre I era o único factor que impedia a Jugoslávia de se desagregar, pelo que começou a deitar contas aos ganhos territoriais que poderia obter se o rei fosse eliminado.
Perante esta perspectiva, o Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Louis Barthou convidou Alexandre I para um encontro em Marselha para discutir a criação de uma aliança nos Balcãs. Quando, a 9 de Outubro de 1934, após o desembarque do rei, os dois estadistas desfilavam pela cidade num automóvel aberto, foram abatidos a tiro pelo búlgaro Vlado Chernozemski.
[O assassinato de Alexandre I foi o primeiro magnicídio registado em filme:]
Chernozemski era um experiente e implacável assassino que desde 1922 trabalhava para a Organização Revolucionária Interna Macedónia (VMRO, na sigla búlgara), organização terrorista que começara por lutar pela independência da Macedónia e passara a estar ao serviço dos interesses da Bulgária, que se sentira prejudicada nos rearranjos territoriais pós-I Guerra Mundial e também esperava tirar dividendos da desintegração do Reino da Jugoslávia (ver Macedónia: a história, a glória e as tragédias de um país).
O assassino foi prontamente dominado pelos guardas e sovado pela multidão enraivecida, perecendo pouco depois. Ao contrário do que esperavam Chernozemski, os dirigentes dos países vizinhos e os croatas, eslovenos, montenegrinos e outras unidades étnicas dos “eslavos do sul”, a Jugoslávia não só sobreviveu à morte de Alexandre I como durou mais 58 anos, como reino até 1941 e como República Federal entre 1945 e 1992 – até que os rancores e desavenças entre os seus elementos constituintes explodiram num conflito selvagem e esta penosa ficção política se extinguiu definitivamente.
Chernozemski ainda hoje goza de estatuto de herói entre os búlgaros, enquanto os sérvios continuam a prestar homenagem a “Alexandre o Unificador”
Erwin Rommel
Ano: 1941; local: Beda Littoria, Líbia; sucesso: não; método: um batalhão de comandos
Se houve um comandante militar capaz de mudar o curso de uma guerra foi Erwin Rommel, pelo que se compreende o empenho dos britânicos em capturá-lo ou suprimi-lo. Rommel desembarcara em Fevereiro de 1941 em Trípoli para assumir o comando de uma pequena força expedicionária alemã, o Afrika Korps, e em pouco tempo não só sustivera o avanço britânico, como empurrara os britânicos de volta para o Egipto.
Em Novembro de 1941 o 8.º Exército britânico preparava-se para lançar uma contra-ofensiva – a Operação Crusader – e foi decidido que, em jeito de prólogo, a Operação Flipper fosse desferida contra o quartel-general do Afrika Korps, que tinha sido referenciado como estando instalado em Beda Littoria, a uma trintena de quilómetros da costa. A operação foi confiada a uma unidade de comandos escoceses, que foram desembarcados na costa líbia, bem atrás da linha da frente, por dois submarinos, e o seu objectivo era capturar ou abater Rommel.
A operação começou logo mal: por um lado, a presença de Rommel em Beda Littoria tinha sido transitória e há semanas que mudara o quartel-general para Tobruk; por outro, o mau tempo fez com que só fossem desembarcados 34 dos 59 homens previstos. Os acontecimentos subsequentes foram ainda mais desastroso e dos 34 militares britânicos só três não foram mortos ou capturados.
Em 1943, Rommel, em franca inferioridade de homens e equipamento e com graves deficiências no abastecimento, foi obrigado a deixar o Norte de África, mas nem por isso deixou de ser menos temido pelos Aliados. Em Novembro de 1943, foi encarregue de converter a costa atlântica da Europa ocupada numa muralha intransponível contra um desembarque aliado, que, apesar dos seus esforços, acabou por ter lugar, com sucesso, em 6 de Junho de 1944 na Normandia. Porém, Rommel organizou uma resistência tão determinada ao avanço aliado que os britânicos pensaram mais uma vez em eliminá-lo, desta feita através de um raid de pára-quedistas contra o seu quartel-general em La Roche-Guyon, que foi baptizado como Operação Gaff, a 25 de Julho de 1944. Mais uma vez, os atacantes chegaram tarde: Rommel tinha sido hospitalizado com ferimentos graves alguns dias antes, em consequência de um ataque de caças Hawker Typhoon da RAF contra o veículo em que seguia – embora, neste caso, os pilotos não estivessem a par de quem seguia a bordo do automóvel.
Reinhard Heydrich
Ano: 1942; local: Praga; sucesso: sim; método: metralhadora e granadas
Se Hitler se referia a Reinhard Heydrich (1904-1942) como “o homem de coração de ferro”, quem se atreverá a discordar? Heydrich, filho de um compositor e cantor de ópera e de uma pianista, e ele mesmo competente pianista e violoncelista, e que, na sua juventude, encarara com desprezo e até mofa os nazis, não parecia estar destinado a transformar-se numa das figuras mais sinistras da história. Mas a verdade é que se transformou num dos favoritos de Hitler e de Himmler, concentrou nas suas mãos o controlo da Gestapo e de todos os serviços de informação do III Reich e foi um dos principais arquitectos da Solução Final.
Em Setembro de 1941, Hitler entendeu que Konstantin von Neurath, que ocupava desde 1939 o cargo de Reichsprotektor (uma espécie de governador) da Boémia-Morávia (assim era designada a parte da antiga Checoslováquia que tinha sido colocada sob administração directa da Alemanha) era demasiado brando para com os dislates dos checos e colocou no seu lugar Heydrich. Este não tardou a dar mostras de que realmente possuía um “coração de ferro” e cinco dias depois de ter chegado a Praga já tinha feito executar 142 pessoas. Prosseguiu com ritmo similar nos meses seguintes, mas combinando a repressão brutal com algumas benesses materiais, para obter a submissão do povo checo.
O Governo checo-eslovaco no exílio em Londres, que era encarado pelo Governo britânico como inerme, uma vez que o território da antiga Checoslováquia era dos mais pacíficos da Europa ocupada pelos nazis, entendeu que era altura de dissipar a ideia de passividade que se lhe colara e determinou a supressão de Heydrich, uma acção que ficou conhecida como Operação Anthropoid.
Esta começou na prática em Dezembro de 1941 com o lançamento de pára-quedas, perto de Praga, de dois militares checo-eslovacos que também se tinham exilado na Grã-Bretanha, Jozef Gabčik e Jan Kubiš. Após algumas repérages e alguns planos abortados, decidiram emboscar Heydrich no trajecto diário que este fazia entre a sua residência nos arredores de Praga e o seu quartel-general no Castelo de Praga, pois Heydrich era tão presunçoso e estava tão seguro da docilidade dos checos que se deslocava num veículo aberto, sem outra escolta para lá do motorista.
A 27 de Maio de 1942, Gabčik e Kubiš atacaram o carro de Heydrich numa curva apertada que o obrigava a reduzir apreciavelmente a velocidade, mas a pistola-metralhadora de Gabčik encravou e Heydrich, furioso perante o topete dos atacantes, ordenou ao motorista que parasse e começou a disparar com a sua pistola. A granada atirada por Kubiš acertou na traseira do carro e feriu Heydrich, mas não o impediu de correr atrás dos atacantes, continuando a disparar, antes de desfalecer.
Gabčik e Kubiš ficaram convencidos de que o ataque tinha falhado, mas após lutar entre a vida e a morte durante alguns dias, assistido pelos melhores médicos das SS, que Himmler despachara para Praga assim que soube do sucedido, acabou por sucumbir a uma septicemia a 4 de Junho.
[Funeral de Heydrich:]
Hitler e Himmler ficaram furibundos com a morte do seu favorito e ordenaram represálias brutais, que terão custado a vida a cerca de 5000 checo-eslovacos (entre eles os dois assassinos, que se tinham ocultado numa cripta na catedral de Praga), facto que leva a que este caso seja frequentemente chamado à colação quando se debate a eficácia prática e a dimensão ética dos tiranicídios (ver A história da guerra suja de Churchill).
Isoroku Yamamoto
Ano: 1943; local: Bougainville, Ilhas Salomão; sucesso: sim; método: aviões de combate
É uma ironia do destino que um dos oficiais japoneses que mais admiração e respeito tinha pelos EUA e que mais se opunha a uma guerra contra este país tivesse sido incumbido de conceber os planos para os derrotar.
Isoroku Yamamoto (1884-1943) estudara na Universidade de Harvard em 1919-21, em 1924, quando tinha a patente de capitão, visitara o Colégio Naval dos EUA, em Newport, Rhode Island, e em 1926-28 voltou a viver nos EUA, desta feita na qualidade de adido naval em Washington D.C.
Yamamoto tinha visto os poços de petróleo do Texas e as fábricas de automóveis de Detroit e estava consciente de que o Japão estava longe de poder medir-se com tamanho colosso industrial e talvez estas considerações tenham pesado na sua oposição à política expansionista do Japão na China e à assinatura de um pacto com a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini, posições que lhe granjearam inimigos entre os “falcões” japoneses. Todavia, em 1939, foi nomeado comandante da Frota Combinada (a componente operacional da Marinha Imperial Japonesa) e em 1940 foi promovido a almirante; ainda mais surpreendentemente, manteve o lugar quando em Outubro de 1941 o mais agressivo dos “falcões”, Hideki Tōjō chegou a primeiro ministro.
É possível que, apesar da sua oposição à entrada do Japão na guerra, os “falcões” tenham concluído que Yamamoto era demasiado popular entre os marinheiros para ser afastado e que não dispunham de nenhum outro estratega capaz de liderar as operações navais japonesas. Por outro lado, o sentido de dever de Yamamoto levou-o a aceitar as instruções que recebeu e traçou planos detalhados para, nas primeiras semanas de guerra, obter vitórias retumbantes sobre os EUA e a Grã-Bretanha e seus aliados.
Porém, o ataque de surpresa a Pearl Harbor, a 7 de Dezembro de 1941, acabou por ficar longe dos objectivos previstos e consta que o almirante terá dito “Receio que não tenhamos feito mais do que despertar um gigante adormecido e instilar-lhe uma tremenda determinação” (ver Pearl Harbor: O Dia da Infâmia foi há 75 anos).
Perante a desaceleração do ímpeto inicial das vitórias japonesas e a escusa da marinha dos EUA a um recontro definitivo, Yamamoto urdiu um plano para fazer os americanos lançarem todas as fichas que lhes restavam no jogo e escolheu como centro do palco a minúscula ilha de Midway. Porém, os eventos não se desenrolaram como previsto no guião do almirante: os americanos tinham conseguido decifrar o código usado nas comunicações navais japonesas e ficaram a par da cilada montada por Yamamoto, de forma que a Batalha de Midway acabou por revelar-se desastrosa para a Marinha Imperial e as operações subsequentes em torno de Guadalcanal, nas Ilhas Salomão, também se revelaram, no cômputo final, desfavoráveis aos japoneses.
Apesar destes fracassos, Yamamoto manteve o seu cargo e dispôs-se a fazer um périplo pelas principais bases japonesas no Pacífico Sul, para levantar o moral das tropas; quando os americanos interceptaram e decifraram uma comunicação que dava conta do roteiro de Yamamoto, lançaram a Operação Vengeance, que visava remover do teatro de guerra o mais talentoso estratega inimigo. A hesitação americana em torno desta decisão não teve razões éticas mas o receio de que os japoneses desconfiassem de que o seu código tinha sido quebrado.
A Operação Vengeance decorreu conforme planeado: a 7 de Abril de 1943, sobre a ilha de Bougainville, no arquipélago das Salomão os 16 caças de longo raio de acção Lockheed P-38G Lightning interceptaram e abateram os dois bombardeiros Mitsubishi G4M Betty que transportavam Yamamoto e a sua comitiva, escoltados por seis Mitsubishi A6M Zero.
A morte de Yamamoto foi um rude golpe para as autoridades japonesas, que adiaram a sua revelação à população durante mês e meio, mas é muito provável que, mesmo com Yamamoto vivo, o curso da guerra não tivesse sido muito diferente, devido à diferença abissal entre o poderio industrial americano e o japonês
Josip Broz
Ano: 1948-49?; local: Jugoslávia; sucesso: não; método: variados
Josip Broz (1892-1980), que ficou na história como Tito, um dos pseudónimos que usara quando, no início da década de 1920, se tornara militante, na clandestinidade, do Partido Comunista Jugoslavo, emergira do caos de lutas fratricidas que tomara conta da Jugoslávia durante II Guerra Mundial como líder incontestado e como fundador de uma nova Jugoslávia, já não um reino mas uma federação de repúblicas socialistas. Para mais, o movimento de resistência que liderara durante a guerra conseguira desenvencilhar-se dos ocupantes alemães sem grande ajuda quer dos EUA e da Grã-Bretanha, quer da URSS.
Assim sendo, o marechal Tito (o título foi-lhe outorgado em 1943) sentiu-se suficientemente à-vontade para seguir o seu próprio caminho, sem se submeter aos ditames das grandes potências. Isto representou um balde de água fria para Stalin, que crera que o facto de Tito perfilhar a ideologia comunista faria dele um dócil executor das directivas emanadas do Kremlin.
A partir de 1948, a divergência entre Belgrado e Moscovo tornou-se evidente, nomeadamente depois de, ao ter sido repreendido por ter elaborado um plano económico não conforme ao modelo soviético, o Governo jugoslavo respondeu: “Estudámos e tomámos em consideração o exemplo soviético, mas demos-lhe um desenvolvimento diverso”. Stalin ficou agastado com esta “insubordinação” – terá dito “Bastará que eu acena com o meu dedo mindinho e Tito deixará de existir” – e fez com que, em 1948 a Jugoslávia fosse expulsa do Cominform, a associação internacional de partidos comunistas. Stalin não se ficou por medidas de secretaria: ordenou que Tito fosse eliminado, uma medida que nada tinha de inédito no modus operandi soviético e que fora aplicada quer contra dissidentes soviéticos exilados no estrangeiro – o mais famoso dos quais foi Trotski, assassinado em Coyoacán, no México, em 1940 –, quer contra dirigentes de esquerda estrangeiros que não acatavam as ordens do Kremlin – durante a Guerra Civil de Espanha, por exemplo, Aleksander Orlov, membro da NKVD e elemento de ligação entre o Kremlin e o Governo Republicano, promoveu a execução de líderes do Partido Obrero de Unificación Marxista, da Confederación Nacional del Trabajo e da Federación Anarquista Ibérica.
Porém, nem os homens de mão enviado por Stalin à Jugoslávia tiveram sucesso, nem Tito ficou intimidado, já que, ainda em 1948, advertiu Stalin por carta: “Pare de enviar gente para me matar. Já capturámos cinco, um deles com uma bomba, outro com uma carabina […] Se não parar de enviar assassinos, enviarei eu um a Moscovo, e garanto-lhe que não terei de enviar um segundo”.
Stalin talvez tenha levado a ameaça a sério, pois mudou de táctica: no ano seguinte planeou invadir a Jugoslávia a partir da Albânia, Hungria, Roménia e Bulgária, chegando, para o efeito, a concentrar tropas junto da fronteira. Depois, lá se conformou com a ideia de a Jugoslávia ter escapado à órbita soviética.
Fidel Castro
Ano: 1961-1976?; local: Cuba; sucesso: não; método: variados e imaginativos
A partir do momento, na terceira década do século XIX, em que as nações americanas se emanciparam das potências coloniais europeias, os EUA assumiram, através da Doutrina Monroe, o continente americano como sendo a sua área de influência exclusiva (ver A história dos EUA enquanto polícia do mundo). Este estado de coisas vigorou durante mais de 130 anos, perturbados aqui e ali pela “necessidade” de substituir, sem grande estrépito, um governante mais insubmisso, com ideias mais “socialistas” ou disposição menos favorável aos interesses das companhias americanas. A Revolução Cubana, que teve como consequência o derrube do ditador Fulgencio Batista e a subida ao poder de Fidel Castro, a 31 de Dezembro de 1958, teve, portanto, um efeito traumático sobre os EUA: estavam habituados a que milhares de quilómetros de oceano os separassem dos seus inimigos mais próximos e agora tinham ali, a cerca de 150 Km da Florida, um baluarte comunista…
O miserável fiasco da Invasão da Baía dos Porcos, em Abril de 1961, e a tentativa da URSS de instalar mísseis em Cuba – dando origem a uma crise que deixou o mundo à beira de um conflito nuclear em Outubro de 1962 – só veio aprofundar esse trauma. Talvez estes antecedentes ajudem a explicar a obstinação maníaca com que a Central Intelligence Agency urdiu sucessivos planos para liquidar Fidel Castro. Os planos da CIA foram tantos e tão absurdos que em 2006 deram origem a um divertido documentário intitulado 638 ways to kill Castro e realizado por Dollan Cannell.
[Trailer do documentário 638 ways to kill Castro:]
Os atentados congeminados pela CIA envolveram explosivos dissimulados em charutos, uma seringa hipodérmica envenenada dissimulada numa caneta, conchas armadilhadas com explosivos (o mergulho era um dos hobbies de Castro), um fato de mergulho infectado com fungos indutores de uma grave doença de pele, um antiga amante munida de cápsulas de veneno, um milkshake de chocolate aditivado com cianeto, pistolas dissimuladas em câmaras de filmar, bolas de baseball explosivas…
A partir de certa altura, a CIA pareceu desistir da eliminação física do líder cubano e contentar-se em arruinar a sua imagem, propondo o uso de sais de tálio para lhe fazer cair a lendária barba, ou aspergir o estúdio de rádio onde Castro fazia alocuções ao país com LSD (o que talvez tivesse efeito inverso ao pretendido, ao tornar mais amenas e coloridas as suas monótonas e intermináveis perorações). Nem todos terão sido tão bizarros e rebuscados e alguns deles terão estado perto de ser concretizados. O próprio Castro ironizou com a situação: “Se a tentativa de assassinato fosse uma modalidade olímpica, eu teria a medalha de ouro”.
Em 1974, a publicação no New York Times de um longo e detalhado artigo do jornalista Seymour Hersh, dando conta das muitas actividades ilegais que a CIA tinha vindo a empreender pelo mundo fora, contra Castro e outros líderes estrangeiros, levou a que o Senado dos EUA criasse um Comité para Estudo das Operações do Governo Respeitantes a Actividades Secretas, que ficou conhecido como Church Committee, por ser dirigido pelo senador Frank Church. As conclusões do comité, publicadas em 1976 (em seis volumes!), levaram o presidente Gerald Ford a assinar nesse mesmo ano a Ordem Executiva 11905, com o intuito de reformar os serviços de informações e segurança dos EUA e decretando que, salvo em situações de guerra, o assassinato “como ferramenta de política externa deverá ser posto de parte”.
Porém, Fabián Escalante, ex-chefe da contra-espionagem cubana, responsável pela segurança de Castro durante décadas e uma das fontes de 638 ways to kill Castro, estima que as tentativas para eliminar Castro se prolongaram bem para lá de 1976: 64 no mandato de Jimmy Carter, 197 no de Ronald Reagan, 16 no de George H.W. Bush e 21 no de Bill Clinton (embora seja plausível que Escalante empole estes números para magnificar a sua própria importância). Por outro lado, há que considerar que a Ordem Executiva 11905 não dissuadiu os dissidentes cubanos exilados nos EUA de continuarem a tentar eliminar Castro pelos seus próprios meios. Nada disto impediu Castro de morrer de velhice aos 90 anos.
Viktor Yushchenko
Ano: 2004; local: Ucrânia; sucesso: não; método: envenenamento por dioxina
As eleições presidenciais ucranianas de 2004 tinham dois nomes em confronto. De um lado estava Viktor Yanukovych, que era primeiro-ministro desde 2002, no governo presidido por Leonid Kuchma; era o candidato do Partido das Regiões (Partija Regionov), favorecia um estreitamento das relações com a Rússia e tinha a sua base de apoio no Leste e Sul da Ucrânia. Do outro lado estava Viktor Yushchenko, do partido A Nossa Ucrânia (Nasha Ukrayina), co-líder da oposição ao governo do presidente Leonid Kuchma e defensor do combate à corrupção e de uma aproximação à União Europeia e à NATO.
A campanha eleitoral foi tensa, dura e nem sempre disputada com lisura. Yanukovych espalhou boatos malévolos sobre Yushchenko e usou o seu poder como governante para limitar a cobertura dada pelos media à campanha do rival, mas este continuou a obter resultados consistentemente mais favoráveis nas sondagens.
A primeira votação estava agendada para 31 de Outubro de 2004, mas no início de Setembro Yushchenko foi acometido de graves problemas de saúde que levaram a que fosse levado de urgência para um hospital em Viena; o complexo quadro de perturbações, que incluía pancreatite aguda e uma violenta erupção cutânea que lhe desfigurou o rosto, foi posteriormente identificado como sendo o resultado de um envenenamento por dioxina – e os testes realizados confirmaram a presença no seu sangue de níveis de dioxina 6000 vezes acima do que seria normal. Um estudo posterior apurou que Yushchenko fora envenenado com 2, 3, 7, 8-tetraclorodibenzo-p-dioxina, uma substância incolor, sem cheiro e altamente tóxica.
A origem deste envenenamento nunca foi objectivamente apurada, mas bastará estar atento aos igualmente misteriosos envenenamentos de Aleksander Litvinenko, em 2006 (com polónio), e de Sergei Skripal e da sua filha Yulia, em 2018 (com Novichok), para concluir que os três têm aspectos comuns: o recurso a venenos letais, raros e praticamente impossíveis de obter por meliantes comuns e o facto de as vítimas constituírem, por razões diferentes, ameaças ao Estado russo ou um entrave aos desígnios do Estado russo. Por outro lado, não pode esquecer-se que a mente e a mundividência de Vladimir Putin foram moldadas pelo seu passado no KGB e na entidade que lhe sucedeu, a FSB (Serviços Federais de Segurança), e que quer o KGB, quer os seus antecessores, NKVD e Cheka, empregaram liberalmente o assassínio selectivo.
Masoud Alimohammadi
Ano: 2010; local: Teerão; sucesso: sim; método: bomba dissimulada em motorizada
Israel é o único estado que possui bombas atómicas no Próximo Oriente e entende que essa exclusividade é crucial para a sua sobrevivência entre os países hostis que o rodeiam, pelo que, a uma “antiga tradição” de assassínios selectivos de terroristas/combatentes e altos quadros palestinos, somou em 2010 um programa de supressão de cientistas ligados ao programa nuclear iraniano.
O primeiro foi o físico nuclear Masoud Alimohammadi, vítima de uma bomba colocada junto ao seu carro, estacionado frente à sua residência, a 12 de Janeiro de 2010, quando se preparava para ir para o emprego. As investigações do Governo iraniano concluíram tratar-se de “um ataque terrorista com o fito de bloquear o progresso científico iraniano”, em que houve mão do “regime sionista, dos EUA e seus aliados”.
Também o engenheiro electrotécnico Darioush Rezaeinejad, que trabalhava em projectos ligados à “segurança nacional”, foi morto em frente da sua residência, a 23 de Julho de 2011, desta feita por dois homens com armas de fogo que se faziam transportar numa motorizada.
Os físicos nucleares Majid Shahriari e Mostafa Ahmadi Roshan (este último director da instalação de enriquecimento de urânio de Natanz) foram ambos vítimas de bombas-lapa fixadas aos seus carros a partir de motorizadas, enquanto conduziam: Shahriari a 29 de Novembro de 2010, Roshan a 11 de Janeiro de 2012. O Governo iraniano repetiu nestes três casos as acusações anteriormente dirigidas a Israel e aos EUA, que as têm rejeitado como absurdas.
O recurso de Israel a este tipo de procedimentos está amplamente documentado em Ergue-te e mata primeiro: A história secreta dos assassínios selectivos de Israel, por Ronen Bergman.
Qaed Salim Sinan al-Harethi
Ano: 2002; local: 160 Km a leste de Saana, no Yemen; sucesso: sim; método: míssil disparado a partir de drone
Qaed Salim Sinan al-Harethi é um nome que não fará ressoar uma campainha, mas teve a dúbia distinção de protagonizar uma estreia mundial. Os drones já tinham vindo a ser empregues pelos EUA para assassinatos selectivos contra líderes taliban no Afeganistão, mas al-Harethi, que os EUA implicam no atentado da al-Qaeda contra o destroyer USS Cole, no porto yemenita de Adem, em 2000, causando 17 mortos e 39 feridos entre os marinheiros americanos, foi a primeira vítima deles fora do território afegão: ao ser atingido por um míssil disparado por um drone norte-americano quando conduzia o seu carro por uma estrada yemenita, a 3 de Novembro de 2002.
Poderia invocar-se a Ordem Executiva 11905 para concluir pela ilegalidade desta acção, mas a “guerra contra o terrorismo” (“War on Terror”) desencadeada por George W. Bush como reacção aos atentados de 11 de Setembro de 2001 é enquadrada pela Autorização para o Uso da Força Militar Contra Terroristas (Authorization for Use of Military Force Against Terrorists), aprovado pelo Congresso dos EUA poucos dias depois dos ditos atentados, que autoriza o Governo dos EUA a matar membros da al-Qaeda e das suas “sucursais”.
Esta política de assassinatos selectivos, que foi prosseguida, contra a al-Qaeda e organizações terroristas análogas, pelos presidentes que sucederam a George W. Bush (incluindo Barack Obama, que foi entusiástico praticante da “justiça pelo drone”), tem costas largas: sendo as organizações terroristas desterritorializadas e o terrorismo uma ameaça difusa, a guerra ao terrorismo também tem regras e contornos fluidos e pode travar-se em qualquer ponto do planeta. Como se comprovou a 3 de Janeiro passado no aeroporto de Bagdad.