Nomes sobejamente conhecidos como Clint Eastwood, Paul Thomas Anderson, François Ozon, Hirokazu Kore-era ou Alfonso Cuarón, mas também outros menos familiares, caso de Na Hong-Jin, Martin McDonagh ou Ryusuke Hamaguchi, assinam os dez melhores filmes estreados em Portugal em 2018. Esta é a seleção feita por Eurico de Barros, crítico de cinema do Observador, agora que o ano se aproxima do final.

“Três Cartazes à Beira da Estrada”, de Martin McDonagh

Uma habitante de uma cidadezinha do Missouri (Frances McDormand) indignada com a demora do xerife local (Woody Harrelson) em descobrir o violador e assassino da sua filha, um agente (Sam Rockwell) burro, incompetente e violento, três cartazes de protesto postos na estrada que vai dar à cidadezinha. O argumentista, dramaturgo e realizador irlandês Martin McDonagh assina este filme cheio de personagens intensas e agressivas, peripécias imprevisíveis e reviravoltas quebra-costas, que casa a tragédia pesada e o humor negro. Interpretações de mão cheia de McDormand, Harrelson e Rockwell.

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“15.17 Destino Paris”, de Clint Eastwood

A recriação do atentado falhado do comboio Thalis em França, em 2015, filmada por Clint Eastwood sem ganga de espectacularidade, empáfia patriótica, discursos heroicos inflamados e retórica ideológica ou cinematográfica, e trabalhando nos limites da economia, da elipse, da síntese narrativa, psicológica e visual. Eastwood põe os três americanos que evitaram o atentado a interpretarem-se a eles próprios e, ao recordar a vida do trio desde a infância até ao momento em que impediram a tragédia, destaca a capacidade para o heroísmo das pessoas mais anónimas e quotidianas. Mete qualquer filme de super-heróis num chinelo.

“Linha Fantasma”, de Paul Thomas Anderson

Daniel Day-Lewis despediu-se da representação na crista da onda, com este fabuloso papel em que incarna o costureiro da alta sociedade inglesa dos anos 50 Reynolds Woodcock, esteta e perfeccionista, misantropo e aristocrático, e incapaz de se submeter à vontade de outrém, no trabalho ou na intimidade, e que se vê livre das amantes como se fossem figurinos que passaram de moda. Paul Thomas Anderson assina, com requinte clássico, este filme sobre um homem habituado a nunca ceder, e uma mulher, Alma (Vicky Krieps), determinada a conquistá-lo, que é ainda sobre uma luta pelo poder: pessoal, doméstico, profissional, do coração.

“O Lamento”, de Na Hong-jin

É da Coreia do Sul que vem algum do melhor cinema de terror de hoje, como se pode ver por “O Lamento”, a resposta local a “O Exorcista”. Na Hong-jin pega no tema da possessão demoníaca, integrando-o no contexto cultural e religioso sul-coreano, instalando a pouco e pouco uma atmosfera malsã e cerrada de terror sobrenatural com implicações teológico-metafísicas. E fá-lo não à força do recurso a uma bateria de efeitos digitais, mas apoiando-se nos atores, nos efeitos de maquilhagem, no ambiente invernoso em que a história decorre, em sugestões visuais de ressonâncias arrepiantes e num par de guinadas narrativas. Até o demónio de “O Lamento” é original.

“Frantz”, de François Ozon

Um dos melhores filmes de François Ozon, passado após a I Guerra Mundial, entre a França e a Alemanha, que adapta e prolonga uma peça pacifista de Maurice Rostand  que Ernst Lubitsch filmou nos anos 30. Servida por uma assombrosa interpretação da alemã Paula Beer, “Frantz” é uma fita austera, romanesca e comovente, embora nunca melodramática, rodada a preto e branco, que diz que os vivos também são vítimas de guerra e podem ser assombrados para sempre pelos mortos bem-amados, mas também ser unidos no infortúnio por eles; e que o perdão, mesmo dado com relutância, ajuda a ultrapassar o ódio.

“Guerra Fria”, de Pawel Pawlikowski

Inspirando-se, com muitas liberdades, na vida dos seus pais, o polaco Pawel Pawlikowski, conta a história de uma paixão complicada, turbulenta e indestrutível ao longo da Guerra Fria, vivida por Zula (Joanna Kulig) e Wiktor (Tomasz Kot), ela bailarina e cantora, ele parte da equipa do grupo folclórico onde ela atua. Sob a aparente austeridade e frigidez do preto e branco em que foi filmado , “Guerra Fria” é um filme emocionalmente arrasador e magistralmente elíptico, com uma banda sonora omnipresente e musicalmente correlativa dos acontecimentos da história e dos humores e estados de alma dos dois protagonistas.

“Happy Hour: Hora Feliz”, de Ryusuke Hamaguchi

Com mais de cinco horas de duração e estreado em partes, este filme do japonês Ryusuke Hamaguchi centra-se em quatro amigas na casa dos 40 anos que vivem na cidade costeira de Kobe e se encontram em situações sentimentais, matrimoniais e domésticas muito diversas. “Happy Hour: Hora Feliz” invoca cineastas tão diversos como Naruse, Rohmer ou Edward Yang, e é um monumento de naturalismo, um trabalho de ourives sobre a verdade humana, emocional e psicológica das personagens e ainda uma radiografia detalhada e sensibilíssima dos hábitos e das relações culturais, familiares e sociais no Japão contemporâneo.

“O Interminável”, de Justin Benson e Aaron Moorhead

Esta fita independente de terror cósmico cruzado com ficção científica, que incorpora as atmosferas e entidades dos livros de Lovecraft e o espírito da arte de Escher, foi uma das melhores surpresas de 2018. Jason Benson e Aaron Moorhead fazem tudo em “O Interminável”: realizam, escrevem e interpretam. E mesmo sem terem dinheiro para efeitos especiais vistosos, criam um clima de horror surdamente omnipresente e um sentido de ameaça sobrenatural iminente, pela sugestão, pela acumulação de acontecimentos estranhos e pela perturbação da nossa perceção do real e da normalidade espácio-temporal.

“Shoplifters: Uma Família de Pequenos Ladrões”, de Hirokazu Kore-eda

https://youtu.be/3zJ3_JZnH_Q

O realizador de “Ninguém Sabe” e “Tal Pai, Tal Filho”, ganhou o Festival de Cannes com este filme em que continua a explorar o tema da família e das muitas formas que pode assumir. Aqui, trata-se de uma família pobre, numerosa e feliz dos subúrbios de Tóquio, unida pela prática do furto, do pequeno delito, do biscate e do emprego precário, mas na qual o que parece afinal de contas não é. Embora, paradoxalmente, funcione melhor do que muitas famílias convencionais. Kore-eda dirige magistralmente um conjunto de intérpretes de várias idades e atinge uma calorosa, tocante e amarga verdade humana.

“Roma”, de Alfonso Cuarón

O título não se refere à capital de Itália, mas sim ao bairro de classe média levemente decadente da Cidade do México onde Alfonso Cuarón viveu na infância com a sua numerosa e agitada família, duas criadas e um cão. O realizador recria à lupa e a preto e branco, um ano melindroso da sua vida, e da dos seus, entre 1970 e 1971, homenageando a sua afetuosa e dedicadíssima criada Cleo, que é o pivô narrativo e a antena emocional da fita. Ajudado por um elenco quase todo não-profissional, Cuarón vai da pequena bolha da família ao bulício da grande cidade e às convulsões nacionais, do mais íntimo ao coletivo, criando um filme belíssimo no gesto cinematográfico e no discursos dos sentimentos.