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É o verdadeiro centro da Operação Teia: a forma como Joaquim Couto e a sua mulher Manuela conseguiram construir um pequeno império de comunicação, eventos e marketing que terá conseguido contratos de mais de 1,4 milhões de euros da Câmara de Barcelos e do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto. Terão agido com total conluio, com o presidente da Câmara de Santo Tirso a assumir o alegado papel de angariador de contratos públicos para as cinco empresas da sua mulher.
Por isso mesmo, Joaquim Couto é o arguido da Operação Teia com mais imputações criminais. Desde corrupção ativa, passando pelos crimes de participação económica em negócio e tráfico de influência e acabando nos alegados ilícitos de peculato e de peculato de uso — são muitos e variados os alegados ilícitos de que o presidente da Câmara de Santo Tirso é suspeito. Sempre por uma razão: ajudar as empresas da sua mulher a terem mais contratos.
O Observador conseguiu reunir um conjunto de documentação que lhe permite descrever em pormenor todas as suspeitas da Diretoria do Norte da Polícia Judiciária (PJ) e do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto.
Joaquim Couto recebeu mais de 40 mil de euros das empresas da mulher
Tal como o Observador já noticiou, a PJ do Porto suspeita que Joaquim Couto terá alegadamente prometido a Miguel Costa Gomes (presidente da Câmara de Barcelos) e a José Maria Laranja Pontes (líder da administração do IPO do Porto) usar a sua influência política junto do PS e do Governo para satisfazer os interesses particulares do autarca e do gestor público. Entre ‘cunhas’ e trocas de favores, o presidente da Câmara de Santo Tirso terá levado a água ao seu moinho.
O que não se sabia é que, além dos apoios políticos e cunhas que Joaquim Couto terá prometido a Miguel Costa Gomes (presidente de Barcelos) e a José Maria Laranja Pontes (líder do IPO do Porto), o autarca terá ainda recebido cerca de 40 mil euros das empresas da sua mulher Manuela entre dezembro de 2016 e abril de 2018. Daí que o DIAP do Porto considere que Couto terá beneficiado diretamente da contratação pública das empresas da sua mulher.
Cunhas e trocas de favores entre autarcas socialistas no centro da Operação Teia
Recorrendo à quebra do sigilo bancário das contas de Joaquim Couto e das empresas da sua mulher, a PJ do Porto constatou que naquele período (dezembro de 2016 a abril de 2018), o presidente da Câmara de Santo Tirso recebeu vários valores mensais de pequenas quantias dinheiro das cinco sociedades que compõe o grupo W Global Communication — cujo site, entretanto, entrou em manutenção e ficou indisponível. Com valores que podiam variar entre um mínimo de 100 euros e de um máximo de 4.500 euros, a conta de Couto era alimentada regularmente pelas sociedades da sua mulher.
De acordo com as suspeitas da PJ do Porto, essas transferências foram alimentadas com fundos que terão sido pagos pela Câmara de Barcelos e pelo IPO do Porto. Por isso mesmo, o DIAP do Porto imputa a Joaquim e a Manuela Couto a alegada prática dos crimes de corrupção ativa e passiva.
Entre 2017 e 2018, Joaquim Couto terá devolvido cerca de três mil euros às sociedades da mulher.
Mais cunhas para a mulher junto de quatro autarcas — e os contactos com o PS e o Governo
Mais: o histórico autarca do PS terá ainda solicitado aos presidentes de Câmara de Fafe (Raul Cunha/PS), de Felgueiras (Nuno Fonseca/PS), de São João da Madeira (Jorge Sequeira/PS) e Póvoa do Varzim (Aires Pereira/PSD) para receberem a sua mulher com o objetivo de contratarem as suas sociedades de eventos e de comunicação.
Ainda não é totalmente claro se se verificou alguma adjudicação por parte daquelas autarquias. Pelo menos, e de acordo com a investigação da PJ do Porto, não está registado no portal público da contratação pública (base.gov.pt) nenhum contrato entre aquelas autarquias e qualquer uma das sociedades de Manuela Couto. Para já, só a tentativa valeu a Joaquim Couto a imputação de um crime de tráfico de influências. Isto porque a consumação do crime dá-se, como aconteceu neste caso, com a tentativa de influência alegadamente ilícita.
Já no caso da Câmara de Barcelos liderada por Miguel Costa Gomes a situação concretizou-se mesmo. Desde que ganhou a autarquia a Fernando Reis, em 2009, Costa Gomes terá adjudicado por ajuste direto até julho de 2018 cerca de 1,2 milhões de euros de serviços a cinco empresas de Manuela Couto: Mediana, a MIT — Make it Hapen, Branding e Comunicação, a My Press, W Globe Communication e SMARTWIN.
A importância da autarquia de Barcelos nas contas do mini-império de Manuela Couto era tal que os cerca de 1,2 milhões de euros representam 34% do valor total dos contratos adjudicados àquelas cinco sociedades durante sete anos.
A PJ do Porto entende, por um lado, que as sociedades de Manuela Couto, nomeadamente a Mediana, terão sido favorecidas por Miguel Costa Gomes por não terem sido dadas igualdade de circunstância às empresas concorrentes. Com a exceção de 2017, os valores anuais adjudicados ao grupo W Globe Communication aproximam-se ou ultrapassam os limites estipulados pela lei para proceder à contratação via ajuste direito. Isto é, a Câmara de Barcelos deveria ter lançado um concurso público.
Por outro lado, a própria autarquia disponha, no entendimento da PJ do Porto, de recursos próprios que dispensavam muitos dos contratos assinados com a Mediana.
Advogado de autarca de Barcelos promete rasgar cédula de advogado se o seu cliente for condenado
A investigação da Operação Teia entende que tem fortes indícios que Miguel Costa Gomes só o terá feito para porque receberia em troca apoio político de Joaquim Couto e da própria Manuela em três situações-chave:
- recolha de apoios para a candidatura do deputado Manuel Mota à concelhia de Barcelos do PS
- apoios para uma possível candidatura do próprio Costa Gomes à liderança da Federação de Braga
- e acesso a membros do Governo, como Eurico Brilhante Dias, atual secretário de Estado da Internacionalização
Este ponto concreto da teoria da acusação, o das alegadas contrapartidas, é fortemente criticada pela defesa de Miguel Costa Gomes, a cargo de Nuno Cerejeira Namora e de Pinto de Almeida, pois tal implica aceitar que uma empresa de comunicação teria influência sob processos internos do PS.
As viagens para a Austrália e para África pagas pela Câmara de Santo Tirso
Joaquim Couto é igualmente suspeito de crimes de peculato e peculato de uso — ou seja, ter-se-á apropriado de fundos públicos para pagar despesas que nada tinham a ver com as suas funções públicas e terá utilizado viaturas da Câmara de Santo Tirso para efeitos meramente particulares.
No caso do peculato, estão em causa duas viagens particulares que o casal Joaquim e Manuela Couto terão feito acompanhados pela sua filha que terão custado à autarquia tirsense cerca de 16,6 mil euros.
A primeira realizou-se em fevereiro de 2018 e teve São Tomé e Príncipe como destino turístico da família Couto. Para adjudicar a contratação do serviço de viagens e estadias para si, seu marido e filha então com 8 anos, Manuela Couto ter-se-á deslocado a uma agência de viagens Tui na zona Norte. Antes de adjudicar o serviço, a mulher de Joaquim Couto terá informado a funcionária que a fatura deveria ser reencaminhada para a Câmara Municipal de Santo Tirso, liderada pelo seu marido.
Com efeito, a autarquia veio a pagar um valor total de 4.200 euros relativos à viagem de Joaquim Couto e à estadia dos três elementos da família Couto, enquanto que Manuela Couto apenas pagou 2.100 euros relativos às suas viagens propriamente ditas e da sua filha. O DIAP de Porto entende que as viagens eram 100% particulares, logo Joaquim Couto não teria direito a financair despesas públicas com fundos públicos.
Já a questão da Austrália é uma questão mais complexa. Um ponto de contexto: Joaquim Couto tinha uma viagem oficial a Timor-Leste mas queria partir de seguida para a Austrália para umas férias merecidas com a sua mulher e com a sua filha. De acordo com a investigação da PJ do Porto, a agência Tui começou a colocar entraves ao envio da faturação para a autarquia de Santo Tirso, daí que Manuela Couto tenha escolhido uma outra agência de viagens: a Ephasus Travel.
O pedido de Manuela Couto era simples: que a viagem de Joaquim Couto, assim como a sua estadia e as da sua mulher e da sua filha fossem pagas pelo município de Santo Tirso. Já a empresária pagaria a sua viagem e da sua filha. Na Austrália, visitaram Sidney e a Hamilton Island — uma ilha paradisíaca com resorts de luxo localizada no estado de Queensland.
Foi assim que a 30 de março de 2018, a família Couto viajou para a Austrália, tendo regressado 15 dias. Fatura para a edilidade de Santo Tirso: 12,4 mil euros. Manuela Couto pagou cerca de 7 mil euros relativos às passagens aéreas para si e para a sua filha.
Para reforçar a ideia de que a viagem e estadia na Austrália visavam efeitos meramente recreativos, a investigação enfatiza que dos três funcionários camarários que acompanharam Joaquim Couto a Timor-Leste nenhum deles seguir para a Austrália. Daí, a PJ do Porto concluir que as viagens e estadia na Austrália nada tinham a ver com a autarquia.
Já no que diz respeito ao peculato de uso que é imputado a Joaquim Couto, está em causa a utilização de viaturas da autarquia (um Citroen C5) para transportar o filho do presidente de Câmara de Santo Tirso de Leça da Palmeira para o Aeroporto Internacional de Lisboa.
Empresa de Manuela Couto ganhou concurso de software no IPO do Porto
No caso do IPO do Porto, como o Observador já noticiou, estão em causa um total de 13 contratos adjudicados por ajuste direto que renderam às empresas de Manuela Couto cerca de 359 mil euros entre fevereiro de 2017 e agosto de 2018. Além disso, existia igualmente um contrato de avença trimestral de 3.811 euros com a empresa Mediana — contrato este que não está registado no portal base.gov.pt.
Um dos concursos adjudicados à Mediana pelo IPO do Porto prende-se mesmo com uma área que não fará parte do objeto social da empresa: software. Nomeadamente, o desenvolvimento de aplicações para serviços de internet e intranet. Tal, contudo, não impediu que a administração de Laranjo adjudicasse o serviço à empresa de Manuela Couto.
De acordo com a investigação, tais contratos só terão sido adjudicados porque alegadamente:
- Joaquim Couto terá intercedido junto de Manuel Pizarro (presidente da Federação do PS do Porto e recém-eleito para o Parlamento Europeu) e alegadamente junto de José Luís Carneiro (secretário de Estado para as Comunidades) para que o Governo reconduzisse José Maria Laranja como líder da administração do IPO do Porto. E de outras figuras políticas influentes no PS e no Governo;
- E porque a filha de Laranja Pontes terá sido escolhida em outubro de 2017 para chefe de gabinete da presidente de Câmara de Matosinhos (Luísa Salgueiro) por influência de Joaquim e de Manuela Couto e do próprio Laranja Pontes.
Presidente da Câmara de Matosinhos com telemóvel apreendido
Tal como o Observador noticiou, o gabinete de Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos, foi alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária do Porto. Tudo porque a escolha da sua chefe de gabinete (Marta Laranja Pontes) está no centro de um dos crimes de corrupção ativa imputado a Joaquim e a Manuela Couto e um crime de corrupção passiva de que é suspeito José Maria Laranja Pontes (presidente do Conselho de Administração do IPO — Instituto Português de Oncologia do Porto).
A PJ do Porto acredita ter indícios fortes de que Marta Laranjo Pontes, que trabalha na Câmara de Matosinhos há cerca de 10 anos e que era técnica superior na Divisão de Promoção Económica e Turismo, terá sido escolhida por Luísa Salgueiro por alegada influência de Joaquim Couto mas também da sua mulher Manuela e do próprio Laranja Pontes – que terá uma relação próxima com a autarca. A influência do casal Couto só terá sido exercida como contrapartida pelo facto de as empresas de Manuela Couto terem sido contratadas pelo IPO do Porto.
O que não se sabia é que, na sequência das buscas realizadas, Luísa Salgueiro ficou com o telemóvel e com o ipad apreendidos pela PJ. Ao que o Observador apurou, a presidente da Câmara de Matosinhos, não é, para já, suspeita de qualquer crime nos autos da Operação Teia. Mas isso não significa que a situação não se possa alterar, consoante os indícios que forem descobertos.
Salgueiro ganhou a autarquia nas últimas eleições autárquicas de 2017, tendo sido deputada durante várias legislaturas eleita nas listas do PS pelo círculo do Porto. Desde há muito que Luísa Salgueiro está envolvida nas lutas políticas da sempre em convulsão Federação do PS do Porto — um facto que não é irrelevante, tendo em conta que Joaquim Couto está a ser investigado por alegadamente oferecer apoio e ajuda política como contrapartida pela contratação das empresas da sua mulher Manuela.
Ainda falta ouvir Laranja Pontes
O primeiro interrogatório judicial dos quatro arguidos sob detenção foi interrompido pelo juiz de instrução criminal titular dos autos por volta das 23h desta 6.ª feira e deverá ser retomado às 10h deste sábado.
De acordo com as informações reunidas pelo Observador, dos quatro arguidos detidos, ainda não foi ouvido Laranja Pontes, líder do IPO do Porto. Manuela Couto estava a ser novamente ouvida quando a diligência foi interrompida, estando a ser confrontada com o conteúdo das escutas telefónicas realizadas pela PJ. É expectável que as medidas de coação a aplicar aos arguidos sejam decididas pelo Tribunal de Instrução Criminal do Porto ainda este sábado.
Para já, só Nuno Cerejeira Namora, advogado de Miguel Costa Gomes, é que tem prestado declarações aos jornalistas. Depois de ter ameaçado rasgar a cédula profissional se o seu cliente fosse declarado culpado no final de um eventual julgamento, Namora afirmou às 17h25 que a medida de coação mais justa para o seu cliente seria “o termo de identidade e residência” ou “a privação de contactos” com os restantes arguidos. Nuno Cerejeira Namora adiantou que Joaquim Couto estaria a ser ouvido, interrogatório que durou três horas, estando a ser confrontado com o conteúdo das escutas telefónicas e de todos os documentos anexados ao processo.
Através das televisões das câmaras de segurança, o Observador pode ver todos os detidos deste processo na mesma sala de espera e testemunhou a saída de Joaquim Couto da sala de interrogatório, tendo abraçado a sua mulher, Manuela Couto, quando esta entrou na sala para ser interrogada.