A praça do Alter Market, no centro de Postdam, é conhecida pelos seus edifícios históricos, como a igreja de São Nicolau, e pelas galerias de arte e museus, como o Barberini, referências que tornam o bairro muito procurado por turistas. Desde junho, o local tornou-se também notícia na imprensa alemã pela chegada de um novo inquilino: Olaf Scholz, atual ministro das Finanças e candidato do Partido Social Democrata alemão (SPD) a chanceler. Uma mudança notada por poucos, mas que foi suficiente para gerar alguma indignação entre alguns habitantes locais, que, habituados a uma vida pacata, sentiram desconforto com o aumento do policiamento na zona.

“Não queremos grandes mudanças. Só queremos continuar a viver tranquilamente”, conta ao Observador um responsável da galeria Albert Baake, localizada no Alter Market, confirmando que a mudança de Scholz para aquela zona causou algum desconforto inicial devido à presença constante da polícia, o que temeu que causasse um impacto negativo para o turismo e interferisse na privacidade de quem ali vive. Daí a queixa apresentada na polícia.

As patrulhas feitas, assim como os carros da polícia a bloquear entradas para os parques subterrâneos ou as luzes de holofotes a altas horas da noite levaram a que, conforme noticiaram o Der Tagesspiegel  e a Der Spiegel em junho, fosse apresentada uma queixa na polícia, embora as autoridades não tenham dado razão aos moradores.

Museu Barberini, um dos pontos de referência da cultura em Potsdam

No entanto, a descrição deste aparato policial relatado na imprensa alemã contrasta com a tranquilidade que se vê na praça do Alter Market, sem qualquer sinal de polícia por perto. Grande parte dos trabalhadores dos restaurantes, das lojas de comércio e dos habitantes locais garantem ao Observador que não sabiam, sequer, que aquele que, se as sondagens estiverem certas, será o próximo chanceler alemão, morava naquela zona. “Certamente que deve estar sempre muito ocupado”, atira um dos moradores, que pediu para não ser identificado.

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Outros, no entanto, ou porque leram na imprensa ou porque ouviram dizer no bairro, confirmam que Olaf Scholz — que até 2018 viveu em Hamburgo, onde foi presidente da Câmara durante sete anos, tendo desde então vivido em diferentes lugares de Berlim e Potsdam — vive mesmo ao lado do museu Barberini há alguns meses, embora nunca o tenham visto na rua. É o caso de Jacob Schulze, de 31 anos, cozinheiro e pescador nas horas vagas, que está indeciso entre dar o seu voto ao SPD e ao Die Linke (de esquerda radical) nas eleições do próximo domingo, embora manifeste admiração pelo vizinho e atual ministro das Finanças.

Jacob Schulze costuma pescar junto ao rio Alte Fahrt

“Scholz parece-me ser boa pessoa. Preocupa-se com o rendimento das famílias. É bastante profissional e parece ser duro”, diz Schulze, que, enquanto espera que algum peixe morda o anzol que lançou ao rio Alte Fahrt, nas traseiras do museu Barberini, discorre sobre as possíveis coligações, afiançando que a sua preferência recai sobre um governo do SPD com os Verdes e o Die Linke (de esquerda radical).

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Visão bastante diferente é a de Jonas (nome fictício), de 72 anos. Sentado numa esplanada a poucos metros da igreja de São Nicolau, diz abertamente que “não gosta de Scholz”. “É arrogante. Não gosto da forma como fala. Está demasiado confiante, fala como se já tivesse ganhado as eleições”, atira Jonas, que diz já se ter cruzado com Scholz num supermercado em Potsdam, embora não tenha dado grande importância ao episódio.

Esplanada ao lado da galeria Albert Baake

Quanto à possibilidade de Scholz vir a ser chanceler e, com isso, serem reforçadas as medidas de segurança naquela zona, Jonas desvaloriza, mostrando maior preocupação com a possibilidade, defendida pelo pescador Jacob Schulze, de os sociais-democratas poderem vir a formar uma coligação com os Verdes e com a esquerda radical — que defende a saída da Alemanha da NATO e pretende aumentar substancialmente a despesa do Estado com apoios sociais. Scholz tem dito que estas questões são linhas vermelhas para o SPD, mas nunca excluiu totalmente um governo com o Die Linke, embora pareça preferir uma coligação com os Verdes e, se necessário, com o Partido Liberal Democrático.

Para evitar que tal aconteça, Jonas garante que já decidiu em quem vai votar no domingo, embora recuse revelar, justificando que o voto na Alemanha é secreto, um argumento bastante usado pelos alemães para se esquivarem quando questionados sobre o partido em que tencionam votar no próximo domingo. “Mas não vou votar no SPD, certamente”, remata.

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Numa eleição em que, pela primeira vez, há três candidatos a chanceler, Potsdam ganhou destaque, uma vez que dois desses candidatos vivem na capital do estado federal de Brandemburgo, localizado a menos de uma hora de Berlim. Além de Scholz, também Annalena Baerbock, candidata dos Verdes, vive em Potsdam há dez anos, e ambos concorrem ao Bundestag (parlamento alemão) no mesmo circular eleitoral, o que dá um interesse acrescido à campanha eleitoral na cidade.

Anna, de 46 anos, está precisamente dividida entre dar o seu voto a Scholz ou a Baerbock no domingo, embora, neste momento, admita que está mais virada para o candidato social-democrata, que nunca viu pessoalmente, mas pelo qual nutre simpatia. “É uma pessoa autêntica, natural. Acredito que Scholz pode simbolizar a mudança”, justifica, acrescentando que, caso o social-democrata se torne chanceler, não vê no aumento da segurança na zona um problema.

Kornikienko questionou Scholz sobre futuro da relação com a Rússia. Mas não ficou impressionado

Os problemas com o aparato de segurança no bairro, de resto, parecem ter ficado para trás, e o mesmo responsável pela galeria Albert Baake confidencia que as divergências foram resolvidas e a tranquilidade tem regressado ao bairro, acrescentando que, desde que Scholz se mudou para lá, nunca o viu na zona, o que vai ao encontro da imagem de discrição do social-democrata, conhecido também pelo seu estilo pragmático e pouco entusiástico, daí ser conhecido pela alcunha de “Schlozomat” (autómato, máquina).

Eduard Kornikienko fez questão de tirar uma selfie com Olaf Scholz num comício do SPD. Mas admite que não ficou “impressionado” com o candidato social-democrata

Para perceber quem é este homem que pode suceder a Angela Merkel, Eduard Kornikienko, nascido na Rússia mas a viver na Alemanha desde 1995, decidiu deslocar-se a um comício do SPD no passado dia 30 de julho, na Luisenplatz, cerca de 20 minutos a pé do Alter Market. Primeiro, tirou uma selfie com Olaf Scholz — “para ficar para a posteridade” — e depois interpelou o candidato social-democrata.

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“Merkel está de saída e Olaf Scholz é um dos possíveis sucessores. Por isso quis ver quem era este homem. E não fiquei impressionado. Parece-me um líder fraco”, conta ao Observador Kornikienko, de 43 anos, notando que, apesar de ter sido cordial, Scholz foi muito evasivo na resposta àquela que é a sua grande preocupação: a relação entre a Rússia e a Alemanha.

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“Penso que as relações entre a Rússia e a Alemanha deveriam melhorar. Seria bom para todos”, continua Kornikienko — que tem cidadania russa e alemã –, recordando o ex-chanceler social-democrata  Gerhard Schröder, conhecido, precisamente pela proximidade com Moscovo, como um líder assertivo, ao contrário do que diz ser Scholz. “Scholz só me respondia ‘talvez, talvez’, ‘vamos ver o que podemos fazer’. Não fiquei impressionado”, acrescenta, na dúvida ainda sobre se vai dar o braço a torcer e votar no SPD no próximo domingo ou se, pelo contrário, vai optar pela Alternativa para a Alemanha, um partido de extrema-direita. Isto, embora Kornikienko faça questão de garantir que “não é radical”. “Mas a Alemanha precisa de mudar”, atira.