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“Se o grupo Wagner colocar os seus assassinos em série em território bielorrusso, todos os países vizinhos enfrentam um risco maior de instabilidade.” O aviso partiu do Presidente da Lituânia, Gitanas Nausėda, e demonstra a preocupação de todos os Estados que estão próximos da Bielorrússia, tais como os Bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) e a Polónia. Fazendo os quatro parte da NATO, a presença de mercenários treinados para combater em cenários inóspitos às portas da aliança transatlântica pode representar mais um risco para a segurança coletiva do Ocidente.
“Será uma fonte de instabilidade principalmente para a Letónia e para a Lituânia que partilham fronteira com a Bielorrússia”, reconhece, em declarações em Observador, Viljar Veebel, cientista político e investigador do departamento de Política e Estudos Estratégicos do Baltic Defence College, universidade localizada na cidade estónia de Tartu. O especialista ressalva, porém, que há uma “probabilidade muito baixa” de que o grupo Wagner possa tentar controlar os países Bálticos.
Para já, sabe-se apenas que o líder da milícia, Yevgeny Prigozhin, estará desde terça-feira em território bielorrusso, conforme foi anunciado pelo Presidente do país, Alexander Lukashenko, e apesar de rumores que o deram como certo noutros locais. Contudo, é provável que o fundador do grupo paramilitar esteja acompanhado por alguns dos seus aliados. Num discurso à nação, Vladimir Putin deu três opções aos mercenários que se juntaram à rebelião: ou abandonam a vida militar, ou aceitam lutar nas forças convencionais russas, ou vão para a Bielorrússia.
No país comandado por Alexander Lukashenko — onde está já a ser construído um espaço para acolher os combatentes, numa cidade não muito distante do território lituano (a cerca de 260 quilómetros) e ainda mais perto da fronteira ucraniana (230 quilómetros), Asipovichy –, os mercenários poderão auxiliar as forças armadas bielorrussas, conjetura Viljar Veebel: “Muito provavelmente, o Presidente bielorrusso convidou Prigozhin para defender o seu regime contra possíveis manifestações democráticas ou contra forças polacas”. Aliás, o próprio chefe de Estado da Bielorrússia admitiu que os que os mercenários, tendo em conta a “experiência” em conflitos passados, podem ajudar na defesa de Minsk. “Eles vão ensinar-nos coisas sobre armas: as que funcionam bem e as que não. Táticas, armas, como atacar, como defender-nos. Isso não tem preço. É isso que precisamos obter do grupo Wagner”, salientou.
Este tipo de declarações foram recebidas com alguma apreensão pelo Ocidente — e isso obrigou o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, a garantir esta quarta-feira, numa conferência de imprensa ao lado da primeira-ministra da Estónia, Kaja Kallas, que independentemente dos adversários, a aliança transatlântica vai “proteger e defender cada centímetro do território aliado”. O líder da organização militar concede que o grupo Wagner pode ocupar posições estratégicas na Bielorrússia, mas realça que ainda “é muito cedo para tirar conclusões definitivas”.
Os riscos do grupo Wagner apontados pela Letónia, Lituânia e Polónia
Os primeiros a dar o alerta para o que significaria a presença do grupo Wagner na Bielorrússia foram os líderes dos países bálticos e da Polónia. Logo no dia a seguir ao fim da rebelião, o Presidente lituano pediu um reforço da presença da NATO naquela região. “Se Prigozhin ou parte do grupo Wagner está na Bielorrússia com planos poucos claros e intenções obscuras, isso significa que teremos de fortalecer a segurança das fronteiras no leste”, argumentou Gitanas Nausėda, indicando que o problema não afeta apenas a Lituânia, como também “toda a NATO”.
O ministro dos Negócios Estrangeiros lituano, Gabrielius Landsbergis, explicou melhor os receios dos Bálticos, numa conferência de imprensa em Paris. “As fronteiras dos três países [Estónia, Letónia e Lituânia] estão apenas a centenas de quilómetros, o que significa que levaria oito a dez horas para os mercenários aparecerem na fronteira bielorrussa perto da Lituânia… É assim que avaliamos esta situação”, aclarou o governante, descrevendo que o contexto de segurança da região está “mais volátil e imprevisível”. “É por isso que o nosso apelo tem sido o de que precisamos de levar a defesa e a capacidade de dissuasão muito a sério na região dos Bálticos.”
Para fazer face a uma possível ameaça, o Conselho de Segurança da Lituânia, que se reuniu de emergência no fim de semana, decidiu alocar mais recursos nos serviços de informações lituanos, principalmente na avaliação do que acontece na Bielorrússia. “Mais capacidades têm de ser colocadas para avaliar a nossa fronteira de leste, assim como os aspetos políticos e de segurança da Bielorrússia, não esquecendo, claramente, a região de Kaliningrado”, lê-se num comunicado citado pelo canal estatal lituano LRT.
O mesmo documento dava conta de que era importante acelerar um novo plano de defesa das fronteiras, de modo a assegurar que as forças armadas lituanas podem “ajudar a proteger os guardas fronteiriços de forma eficiente e, mais importante do que isso, de maneira célere”. “Não há dúvida que a NATO e a Lituânia terão de fortalecer o controlo e as capacidades de segurança à luz dos mais recentes desenvolvimentos.”
Não foram apenas os dirigentes da Lituânia a deixar advertências. Também o primeiro-ministro da Letónia, Arturs Krišjānis Kariņš, assegurou que o país terá de “prestar muita atenção a tudo o que acontece na Bielorrússia com Prigozhin e com uma série de combatentes treinados e habilidosos que se vão juntar a ele”. “Isto representa potencialmente uma ameaça”, prosseguiu, fazendo uma distinção: “Não será uma ameaça militar direta, mas antes uma ameaça de tentativa de infiltração na Europa para atingir objetivos desconhecidos. Isso significa que precisamos de fortalecer a nossa fronteira e assegurar que podemos controlá-la”.
Fora dos Bálticos, a Polónia também manifestou apreensão com a possibilidade de o grupo Wagner mudar-se para território bielorrusso. “Estamos a seguir o que está a acontecer com a recolocação de forças russas do grupo Wagner na Bielorrússia. Os mercenários vão para lá. E isso é um sinal muito negativo para nós”, avisou o Presidente polaco, Andrzej Duda, que pede uma parceria mais “forte” com os aliados da NATO.
Na mesma linha, o ministro da Defesa polaco, Mariusz Błaszczak, advertiu para os riscos que significam os mercenários da milícia privada em território bielorrusso, lembrando que são soldados “treinados e pessoas que estão prontas para tudo.” “Então, podemos esperar ataques híbridos com a participação dessas pessoas, e, por isso, temos de reforçar a fronteira polaca.”
As preocupações com a fronteira com a Bielorrússia não são novas para a Polónia. Em 2020, chegaram milhares de migrantes às zonas fronteiriças. A União Europeia acusou Alexander Lukashenko de retaliar contra as sanções impostas contra o regime, no rescaldo das eleições presidenciais de 2020 sobre as quais recaem inúmeras acusações de fraude eleitoral. Como resposta, o Presidente bielorrusso terá convocado cidadãos do Médio Oriente e de África para Minsk, para depois facilitar-lhes a passagem através das suas fronteiras.
Bielorrússia encaminha centenas de migrantes para a fronteira com a Polónia
Mas existem mesmo sinais de alarme para os países que fazem fronteira?
Ouvidos pelo Observador, dois especialistas desvalorizam os riscos que a presença do grupo Wagner na Bielorrússia possa gerar o Ocidente. Embora catalogando-o como uma possível ameaça, Viljar Veebel acredita que a Polónia terá capacidade para seguir atentamente os passos dos Wagner. Se a NATO reforçasse a presença no flanco leste, isso ainda ia “diminuir mais o risco”.
Adicionalmente, Viljar Veebel sublinha que Vladimir Putin e Alexander Lukashenko não terão interesse em desestabilizar os países bálticos. “Putin quis [os mercenários] fora da Rússia e o Lukashenko ficou feliz em receber uma unidade extremamente profissional para proteger o seu regime totalitário”, lembra.
O mesmo especialista nota também que o grupo Wagner também continua a ser uma “ameaça” para o Presidente da Rússia — os mercenários continuam relativamente perto de solo russo — e também para Alexander Lukashenko. “Mas isso vai depender igualmente dos equipamentos que os mercenários tiverem à sua disposição, como tanques ou sistemas de defesa aéreos, por exemplo.”
Ainda menos alarmista é a posição de Māris Andžāns, diretor do Centro de Estudos Geopolíticos em Riga. Ao Observador, o especialista letão admite que a Rússia e a Bielorrússia continuam a ser “a principal fonte de problemas para a segurança dos países bálticos”. Apesar disso, não antevê que a colocação de tropas da milícia Wagner “vá alterar consideravelmente o risco” para as três repúblicas. “O grupo de mercenários deverá ficar sem armas e desmobilizado.”
Para mais, Māris Andžāns assegura que Alexander Lukashenko e Vladimir Putin não vão permitir “aventuras” dos mercenários “fora dos limites que eles definiram”. Nenhum dos dois, frisa o especialista, tem interesse nisso. Enquanto o Presidente da Bielorrússia quer apenas aproveitar o potencial de combate do grupo Wagner para proteger o seu regime de ameaças internas, o chefe de Estado russo ganha tempo para arquitetar um plano que vise a destruição daqueles que tentaram colocar em causa o seu poder.
“Se a Rússia e a Bielorrússia quisessem prejudicar os países bálticos, isso poderia ter sido feito com ou sem a presença de mercenários na Rússia”, sustentou o diretor diretor do Centro de Estudos Geopolíticos de Riga.
Publicamente, o grupo Wagner não fez quaisquer comentários sobre a sua presença na Bielorrússia. Mas isso está longe de deixar os líderes dos países bálticos e da Polónia descansados. Em Kiev para se encontrar com Volodymyr Zelensky, o Presidente polaco deixou várias questões no ar. “Qual é o objetivo desta mudança? Quais são as reais intenções das forças do grupo Wagner?”
Putin estuda o fim do grupo Wagner?
Tal como os especialistas ouvidos pelo Observador apontaram, nem Alexander Lukashenko, nem Vladmir Putin deverão utilizar os mercenários para atacar o Ocidente. Relativamente à Bielorrússia, a líder da oposição, Sviatlana Tsikhanouskaya, destaca que o chefe de Estado não confia no mercenário. “Não são aliados”, recordou, antevendo que haverá traições num futuro próximo.
Por sua vez, Vladimir Putin quererá aniquilar o grupo Wagner. Já o fez na Rússia e na Ucrânia, onde os mercenários terão de abandonar as posições que ocuparam. E, de acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, sigla em inglês), esse foi apenas o início de uma campanha de destruição para terminar com a reputação dos mercenários, especialmente a de Yevgeny Prigozhin.
“O Presidente russo está a tentar apresentar o líder do grupo Wagner como um corrupto e um mentiroso para destruir a sua reputação entre a milícia e entre a sociedade russa”, lê-se no relatório publicado esta quarta-feira, que também refere que existe um “esforço deliberado para separar Prigozhin do grupo Wagner”. “Terá como intenção preparar as condições necessárias para que o Kremlin possa acusar Prigozhin de corrupção ou de conspirar com a Ucrânia ou com o Ocidente.”
Adicionalmente, segundo o think tank norte-americano dedicado aos estudos da guerra, o chefe de Estado russo terá provavelmente chegado à conclusão de que “não consegue eliminar Prigozhin sem torná-lo um mártir neste momento”. Isto, porque o líder do grupo Wagner ainda angaria “algum apoio entre a sociedade russa e entre as forças armadas”. “O Kremlin precisa de garantir que há uma desilusão com Prigozhin para efetivamente terminar com o seu apoio popular.”
A narrativa em que Vladimir Putin está apostar consiste na “destruição da personalidade e do carácter de Prigozhin”, de maneira a “terminar com o apoio popular” ao líder do grupo. Ao levar a cabo estas ações, o Kremlin estima que isso possa “desencorajar” mais mercenários de irem para a Bielorrússia, esperando que eles escolham integrar as forças convencionais da Rússia.
Por tudo isto, parece inverosímil que o regime russo, no meio de um conflito interno contra o grupo Wagner, utilize os mercenários atacar o Ocidente. Mesmo assim, os países vizinhos da Bielorrússia não desarmam: apelam ao fortalecimento das fronteiras no leste e pedem mais assistência aos aliados da NATO.