O Banif viu-se atirado para o meio do impasse político e as ações do banco, na bolsa de Lisboa, não têm feito outra coisa que não cair, para valores cada vez mais ínfimos. Os holofotes viraram-se para o banco na pior altura possível, em plena investigação aprofundada por parte de Bruxelas. O Banif, que nunca conseguiu acordar um plano de reestruturação com Bruxelas, associado à ajuda pública, e que ainda não encontrou um investidor de referência que tome o lugar do Estado, está a ver esgotar-se o tempo para encontrar uma solução para o problema complexo que vive e, assim, evitar medidas mais drásticas.
É o Estado português quem manda no Banif. É o Ministério das Finanças o interlocutor da Direção geral da Concorrência (DG Comp), organismo da Comissão Europeia que está a avaliar se a ajuda do Estado está a prejudicar a concorrência. E é nas mãos do Estado – ou seja, do próximo governo, como notou o Jornal de Negócios – que está o futuro do Banif. Certo é que, como diz um especialista do setor ao Observador, “não se vislumbra como é que se irá descalçar esta bota, ou seja, devolver a ajuda pública e encontrar um privado que compre o banco”.
Espalhando estes receios, há oito sessões consecutivas a ação do banco liderado por Jorge Tomé não sabe o que é subir. O banco deslizou 36,5% em bolsa em duas semanas, encolhendo para um valor de 266 milhões de euros. Cada ação está a negociar a menos de um quarto de um cêntimo, e foi um cêntimo que o Estado pagou pelas ações especiais que comprou na instituição – 700 milhões de euros delas – e que fizeram do Estado acionista do Banif em 99%. Essa posição foi reduzida aos poucos e o Estado tem, agora, 60,53%, mas a posição pode voltar a aumentar se o Banif não conseguir devolver o que falta da outra forma através da qual o banco foi ajudado: os 400 milhões de euros em instrumentos de dívida que se transformam em capital se não forem pagos.
Banif afunda em bolsa, com volume elevado
Ao Banif falta, ainda, pagar 125 milhões de euros dos 400 milhões de euros recebidos nestes instrumentos conhecidos na gíria como CoCos (e que pagam ao Estado juros anuais na ordem dos 10%). Era suposto que o banco tivesse conseguido pagar este valor até ao final do ano passado mas não conseguiu fazê-lo sem que os rácios de capitalização caíssem para níveis que o Banco de Portugal consideraria desconfortáveis. Daí a investigação aprofundada aberta pela DG Comp.
O Banif é um banco, como vários outros em Portugal, que tem sido duramente penalizado pelo crédito malparado e pela reavaliação de ativos imobiliários. Além disso, sabe-se que terá perdido 100 milhões de euros de um empréstimo a uma empresa do Grupo Espírito Santo, a Rio Forte. O que não tem, também, facilitado a devolução do empréstimo estatal é o atraso na venda de ativos.
O Banif vendeu a marca Banif Mais à Cofidis mas, de resto, tem sido um deserto. O Banif traçou como objetivo, inicialmente, vender a agora reestruturada unidade brasileira até final de 2013, mas esse prazo passou para até final de 2014 e, em maio deste ano, queria-se vender essa unidade – a par das operações em Cabo Verde e em Malta – até julho de 2015. Todas continuam por vender, incluindo a seguradora Açoreana, um ativo mais valioso mas que também continua nas mãos do Banif. Perto de ser vendida está a unidade em Malta, apurou o Observador junto de fonte conhecedora do processo.
Porque deslizam, então, as ações?
Que se saiba, nada mudou nas últimas semanas que justifique a pressão intensa – e específica – sobre o Banif. Como explica Pedro Oliveira, trader da corretora GoBulling, há muito tempo que os investidores admitem que “as contas do banco podem não estar tão positivas quanto se desejaria e que tem havido uma dificuldade em gerar resultados [e vender ativos] de uma forma de permita fazer os pagamentos previstos ao Estado”. Nada disso é novidade. Novidade foi o facto de o Banif ter saltado momentaneamente para o centro da discussão política. “Os investidores podem estar a temer um aumento da posição do Estado ou uma retirada das ações da bolsa“, afirma Pedro Oliveira.
O banco foi envolvido na disputa política – implicitamente por António Costa e explicitamente por Maria Luís Albuquerque, que disse não haver razão para preocupação. Isto apesar do arrastar da aprovação do plano de reestruturação que, nas suas várias versões, nunca foi ao encontro das orientações e das métricas que a DG Comp exigia. Alguns jornais têm falado em “convergência“, mas oficialmente, fonte da Comissão Europeia disse ao Jornal de Negócios que “a investigação [aprofundada] está em curso, não sendo possível antecipar o seu desfecho nem o calendário da tomada de decisão”.
Perante as quedas na bolsa, o próprio presidente executivo do banco tem optado por reforçar a sua participação acionista no capital do banco. Segundo comunicado enviado à CMVM, a 21 de outubro, Jorge Tomé comprou mais de oito milhões de ações (gastando, para isso, 25 mil euros), passando a deter 36,4 milhões de títulos do banco que lidera.
Contudo, apesar da cotação diminuta da ação, é difícil adivinhar um fundo para as ações. Um especialista do setor diz ao Observador que “o banco tem feito o possível para reforçar as suas operações – aplicando algumas das medidas propostas para o plano de reestruturação, como encerramento de balcões e redução de pessoal – mas é difícil vislumbrar como será possível gerar resultados que permitam pagar tanto as Cocos como as ações especiais”. Por outro lado, “há muito que se fala de um aumento de capital que permita entregar o banco a um investidor privado, incluindo o possível investimento [controverso] da Guiné Equatorial, que nunca se materializou. Mas acreditarei quando vir”, diz o especialista.
A possibilidade de grupos chineses como a Anbang Insurance ou a Fosun, que participaram no processo (adiado) de venda do Novo Banco, também “não parece muito viável nesta altura, mesmo oferecendo à Anbang o acesso barato a uma licença bancária europeia”, afirma o especialista. Será necessário um “golpe de asa”, diz, para vender o banco a um privado nos próximos tempos. Sobretudo porque, como recordou o Diário Económico, nos termos da entrada do Estado, este só poderá vender o Banif a um preço várias vezes superior à atual cotação bolsista. Esta é, contudo, uma regra que diz respeito ao investimento dos acionistas do Banif no momento da entrada do Estado – mas serve de referência para uma eventual venda a outros investidores.
O Estado injetou 700 milhões de euros em capital no banco e ficou com 60,53% do capital e 49,37% dos direitos de voto. Mas, agora, com as fortes quedas da cotação em bolsa, a totalidade do banco vale cerca de 266 milhões de euros. As ações especiais foram compradas ao preço de um cêntimo cada uma, mas o preço na bolsa neste momento ronda um quarto disso: 0,23 cêntimos. Mas, para vender, é preciso pagar um cêntimo por cada ação mais o equivalente a uma rendibilidade de 10% por cada ano, o que dá cerca de 1,3 cêntimos.
Jorge Tomé quer fumo branco até ao final do ano
O que parece certo é que será impossível vender o banco sem que aconteça aquilo que há vários anos não acontece, isto é, fumo branco no plano de reestruturação acordado entre o Banif (leia-se, o Estado) e a DG Comp de Bruxelas. O conselho de administração reconheceu no Relatório e Contas de 2014 a necessidade de fechar o acordo com a Comissão Europeia para o Plano de Reestruturação do banco. “A aprovação do Plano assume uma importância decisiva para o futuro do Banco, pois permite validar o investimento público realizado no Banco e permite igualmente definir as principais linhas estratégicas até ao final do período desse investimento, no final de 2017″, pode ler-se no documento.
Em agosto de 2015, questionado sobre os grandes objetivos do reconduzido conselho de administração, Jorge Tomé destacou que a “primeira missão é acelerar a reestruturação do banco”, o que pretende que esteja concluído “até o final deste ano” e aprovado junto da Direção Geral de Concorrência de Bruxelas. “A segunda missão é encontrar um acionista de referência para o Banif, de forma a substituir o Estado”, sublinhou, admitindo que já existem “contactos há meses” e que “esse trabalho vai ter continuidade”. E concluiu: “Vamos ter de o acelerar também“.
A intervenção estatal levou, inicialmente, a que o Estado tenha ficado com uma posição de 99%, mas várias operações – incluindo um aumento de capital de 138,5 milhões realizado dois meses antes do colapso do Banco Espírito Santo – fizeram baixar a participação acionista para 60,35% e os direitos de voto para menos de 50%. Nessa altura, Jorge Tomé mostrava-se confiante de que dentro de um ano seria possível fechar a reestruturação do banco. Estamos, portanto, no prolongamento.
Comissão Executiva defende-se, mas não trava quedas na bolsa
Para a comissão executiva do banco, a queda das ações nas últimas tem um motivo simples: “notícias recentes veiculadas pela comunicação social, em resultado de factos de natureza política, vieram colocar o Banif na agenda mediática, com o consequente aumento da pressão sobre a cotação das suas ações”, escreveu o banco numa nota interna citada pela agência Lusa. Esta foi a reação da gestão ao facto de António Costa, do PS, ter dito que havia “surpresas desagradáveis” que poderiam afetar as contas públicas.
O banco reconhece “os desafios acrescidos colocados por um contexto económico francamente adverso“, mas salienta que “o Banif tem vindo a conseguir antecipar, em cerca de dois anos, a implementação do seu programa de reestruturação, cuja conclusão estava prevista para 2017, assim ajustando e reforçando o seu modelo de negócio, racionalizando a estrutura e atingindo resultados operacionais cada vez mais positivos“. O Banif fechou o primeiro semestre com um resultado líquido de 16,1 milhões de euros.
A equipa de gestão do banco acrescenta que reduziu em 60% os custos operacionais e, tal como todos os bancos europeus, tem beneficiado de uma redução “significativa” do custo de funding (financiamento) pelo facto de os bancos estarem a pagar juros baixos pelos depósitos dos clientes. Mas “fatores exógenos” como as “perdas nos ativos imobiliários e a resolução do BES, que continuam a atingir de forma transversal o sistema financeiro português, comprometeram o pagamento em tempo útil” da última tranche de CoCo, no valor de 125 milhões de euros.
É, muito, por causa desse facto que se tem atrasado a aprovação do Plano de Reestruturação do banco por parte da autoridade da concorrência europeia. “No entanto, os contactos mantidos com esta entidade pelo Estado Português, nos quais o Banco tem participado ativamente, têm sido positivos e permitido a apresentação de medidas tendentes à mencionada aprovação do Plano”, garantiu a comissão executiva do banco nesta nota interna recente.
(artigo corrigido com informação mais rigorosa sobre regras para venda da posição do Estado. O preço pago inicialmente (um cêntimo) e a rendibilidade implícita dizem respeito, legalmente, apenas aos acionistas que existiam no momento em que o Estado entrou. Este valor serve, contudo, de referência para o Estado – mas, legalmente, pode ser vendido por menos a outros investidores)