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Krystsina Tsimanouskaya foi mandada para casa depois de ter criticado uma decisão do seu país. Acabou por receber asilo na Polónia
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Krystsina Tsimanouskaya foi mandada para casa depois de ter criticado uma decisão do seu país. Acabou por receber asilo na Polónia

Oksana Manchuk/BelTA/TASS

Krystsina Tsimanouskaya foi mandada para casa depois de ter criticado uma decisão do seu país. Acabou por receber asilo na Polónia

Oksana Manchuk/BelTA/TASS

Barbara Keys. Se não fosse a Covid, "provavelmente teríamos visto mais fugas de atletas" nestes Olímpicos

Tsimanouskaya protagonizou uma das histórias destes Jogos, ao recusar voltar para a Bielorrússia. Em entrevista, a historiadora Barbara Keys recorda que as fugas olímpicas são frequentes — e porquê.

Uma equação com dois fatores: empurrão (do país de origem) e puxão (de um futuro país de acolhimento). É assim que Barbara Keys, historiadora especializada nos Jogos Olímpicos e nas questões humanitárias que os envolvem, define os casos de atletas que aproveitam este evento mundial para escaparem dos seus países.

A história da bielorrussa Krystsina Tsimanouskaya — que pediu para ficar em Tóquio depois de o seu país ter exigido que regressasse, após uma crítica pública que fez no Instagram — colocou o tema novamente em cima da mesa nestes Jogos Olímpicos. Tsimanouskaya acabou por obter asilo político da Polónia e não regressará à Bielorrússia. Mas o caso mediático da corredora foi praticamente único nestes Jogos (tirando o de um halterofilista do Uganda que, no entanto, rapidamente foi encontrado e devolvido ao seu país).

Atleta bielorrussa que foi mandada para casa recebeu asilo da Polónia

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Uma realidade que, para a autora de The Ideals of Global Sport: From Peace to Human Rights, tem muito a ver com o facto de a Covid-19 ter obrigado os atletas a estarem numa bolha e a não poderem contactar com o fator “puxão” em Tóquio. “Os atletas precisam de sentir que vão ser bem-recebidos ou ter algum tipo de ligação humana com outras pessoas que estejam no país para onde vão. E o lado do ‘puxão’ nesta equação da fuga não estava lá desta vez. Provavelmente, se as coisas estivessem normais, teríamos visto muito mais fugas nestes Jogos Olímpicos”, sentencia a professora de História da Universidade de Durham.

O número de atletas que, ao longo da História, usaram os Jogos Olímpicos para fugirem dos seus países é desconhecido. O Comité Olímpico Internacional (COI) recusa-se a fazer essa contabilização, para evitar imiscuir-se em política e ofender algum dos seus países-membros. Para Barbara Keys, essa tentativa de manter a política à distância é “um mito”. A académica aponta o dedo ao organismo, que considera ser cúmplice de algumas violações de direitos humanos: “Um dos exemplos mais flagrantes de que o COI faz ouvidos de mercador neste assunto é o facto de que o filho de Saddam Hussein, Uday Hussein, foi líder do comité iraquiano durante anos e mandava torturar e matar atletas que ele achasse que tinham ficado aquém”.

Barbara Keys, historiadora norte-americana dos Jogos Olímpicos

Certo é que histórias de atletas que aproveitaram os Jogos para fugir não faltam. A grande maioria durante a Guerra Fria, é claro, onde Keys destaca o caso da treinadora de ginástica checoslovaca Marie Provaznikova, a primeira a fazê-lo nuns Olímpicos (Londres, 1948), e o dos jogadores de pólo aquático húngaros que protagonizaram o famoso jogo “Sangue na Água”, contra os soviéticos (Melbourne, 1956). Mais recentemente, contudo, são mais os casos de atletas que simplesmente “desaparecem” — acabando mais tarde por se saber que pediram asilo, como os cinco pugilistas dos Camarões que o fizeram nos Jogos de Londres em 2012.

Pelo meio, uma certeza: durante a Guerra Fria, desenvolveu-se uma indústria quase secreta de agentes do KGB que tentavam impedir atletas de escapar e norte-americanos que tentavam atraí-los. Hoje em dia, a única semelhança está na anacrónica Coreia do Norte: a sua estratégia de ameaçar os atletas de repressão sobre as suas famílias tem resultado e impedido qualquer tipo de fuga. Pelo menos até à data.

O caso de Krystsina Tsimanouskaya deu muito nas vistas nestes Jogos Olímpicos. E, contudo, está longe de ser uma novidade: ainda em 2012, em Londres, tivemos atletas dos Camarões que desapareceram e pediram asilo mais tarde. Porque razão acha que este caso agora teve tanta atenção mediática?
Diria que há três fatores para isso. O primeiro são as redes sociais, porque tudo começou com um vídeo muito dramático que ela colocou no Instagram. O segundo fator é que a própria história em si é dramática: ela estava no aeroporto, a questionar-se se devia embarcar ou não e a pedir ajuda, tudo isto parecia quase um rapto. Portanto é um caso muito mais dramático do que a decisão de uma pessoa simplesmente não regressar a casa. O terceiro fator é que a Bielorrússia já está há muito destacada nas notícias, sobretudo com o caso do avião desviado. Portanto estas três coisas tornaram esta história especialmente forte.

E o que acha da posição do Comité Olímpico Internacional (COI), que decidiu ter um responsável com a atleta e garantiu que a protegeria se não quisesse embarcar? É uma posição rara de um órgão que normalmente não se quer meter em política…
Acho que também foi um fator para isto ter tanta atenção. Tem razão, o COI não costuma querer envolver-se em nada que seja abertamente político. Como em todas as questões que estão relacionadas com direitos humanos, geralmente eles apenas se envolvem porque são obrigados, não porque queiram fazê-lo.

"A própria história em si [da bielorrussa Tsimanouskaya] é dramática: ela estava no aeroporto, a questionar-se se devia embarcar ou não e a pedir ajuda, tudo isto parecia quase um rapto. Portanto é um caso muito mais dramático do que a decisão de uma pessoa de simplesmente não regressar a casa"

Falou em direitos humanos. O caso de Tsimanouskaya é provavelmente um dos mais flagrantes, não? O que lhe aconteceria se regressasse à Bielorrússia?
Creio que há muitas razões para assumir que uma pessoa que na prática se tornou uma crítica do regime, por ter dito que podia ser alvo de retaliação, enfrente alguma forma de retaliação. Não sou especialista na Bielorrússia e só posso especular com base naquilo que sabemos e o que sabemos é que este é um governo conhecido pela sua repressão. Só o facto de eles quererem que ela saísse dos Jogos já sugere que a viam como um embaraço ou como um problema. E este é um regime que trata os embaraços e os problemas de forma dura.

Parece ter havido um momento na História em que os atletas dissidentes que fugiam estavam muito ligados ou à União Soviética ou a países do Pacto de Varsóvia, mas a certa altura isso mudou. Pode destacar alguns casos que ilustrem bem este fenómeno?
As fugas como fenómeno olímpico só começaram durante a Guerra Fria. A primeira aconteceu em 1948, quando uma treinadora checoslovaca fugiu [Marie Provaznikova pediu asilo aos EUA nos Jogos Olímpicos de Londres]. Um dos casos mais marcantes é dos húngaros que fugiram nos Jogos de 1956, em Melbourne. Esses Jogos decorreram ao mesmo tempo que a União Soviética invadiu a Hungria e tivemos um jogo de pólo aquático intenso, que ficou conhecido como “Sangue na Água”, em que as equipas soviética e húngara agrediram-se violentamente. Os húngaros perceberam que, quando regressassem a casa, podiam enfrentar repressão política e, portanto, 8 não voltaram. Depois participaram numa tour nos EUA, conhecida como “Tour da Liberdade”. Mas nesses Jogos aconteceu outro tipo de fuga: houve uma atleta checoslovaca que se apaixonou por um norte-americano e pediu para ir para os EUA por essa razão [Olga Fikotová, lançadora do disco, e Harold Connoly, lançador do martelo] e eles acabaram por se casar. Portanto nem todas as fugas são políticas.

Olga Fikotova protagonizou um dos poucos casos conhecidos de fuga durante os Olímpicos por razões não-políticas: apaixonou-se pelo norte-americano Harold Connoly

Bettmann Archive

Agora, é claro que a maioria das fugas durante a Guerra Fria eram-no e isso tornou-se quase numa competição secreta nos Jogos Olímpicos. Os soviéticos esforçavam-se muito para garantir que era difícil fugir: a certa altura, cada atleta tinha um agente do KGB consigo, para que nunca ficassem sozinhos. Ao mesmo tempo, o Ocidente tinha pessoas que tentavam recrutar os atletas, para lhes dizer que seria fácil e para os atrair a fugir. Quando isso acontecia, os soviéticos afirmavam que o Ocidente tinha feito uma lavagem cerebral aos atletas ou então que tinha sido um rapto.

E depois de a Guerra Fria terminar?
É claro que o padrão de atletas que queriam fugir de países repressivos continuou: vimos o caso de atletas de Cuba, por exemplo. Acho que o que mudou é que, durante o período da Guerra Fria, um atleta que abandonasse o bloco soviético tinha a certeza de que obteria asilo. Enquanto que, hoje em dia, um atleta dos Camarões ou da Serra Leoa não tem a certeza se irá ser reconhecido como um refugiado político.

Porque muitas vezes são vistos apenas como migrantes económicos, o que deve dificultar a decisão [muitos dos atletas que fugiram em 2012, dos Camarões, só pediram asilo mais tarde no Reino Unido; nem todos o obtiveram]. Nesses casos, crê que a fuga é preparada com antecedência ou surge por oportunidade no momento?
É difícil dizer. Diria que ambas as situações acontecem.

"Os soviéticos esforçavam-se muito para garantir que era difícil fugir: a certa altura, cada atleta tinha um agente do KGB consigo, para que nunca ficassem sozinhos. Ao mesmo tempo, o Ocidente tinha pessoas que tentavam recrutar os atletas, para lhes dizer que seria fácil e para os atrair a fugir"

Hoje em dia também temos países a usarem métodos semelhantes ao do KGB, para evitar fugas de atletas?
Diria que sim. No caso da Coreia do Norte, de certeza. Daquilo que sabemos, nunca nenhum atleta da Coreia do Norte fugiu nuns Jogos Olímpicos e especulo que seja porque o governo tem sido altamente eficaz, ao deixar claro aos atletas que as consequências serão graves. Não é que haja pessoas atrás deles, mas deixam claro que, se um atleta fugir, aqueles que deixa para trás serão castigados por ele. É claro que há milhares de pessoas que já fugiram na Coreia do Norte — mas nunca em Jogos Olímpicos, porque eles fazem um trabalho rigoroso nessa matéria.

Como é que liga todo este assunto à ideia defendida pelo COI de que a política não deve ser parte dos Jogos? É uma política que estará a começar a mudar?
Diria que não. A ideia de que os Jogos Olímpicos não têm nada a ver com a política — algo que não tem nada a ver com a realidade — é um mito bastante entranhado. É algo que o COI quer manter, porque para eles admitir que os Jogos são políticos traria muitas dificuldades. As fugas dos atletas são eventos quase sempre políticos, porque estão relacionados com atletas que fogem à repressão política. E isso injeta política nos Jogos de uma forma muito clara. O que deixa o COI muito nervoso — e é por isso que não falam sobre o assunto e nem sequer têm estatísticas oficiais sobre o tema.

Embora a Coreia do Norte tenha um regime repressivo, não é conhecido nenhum caso de fuga de um dos seus atletas durante os Olímpicos

In Pictures via Getty Images

Não só porque evitam a política, mas porque poderia colocar alguns dos seus Estados-membros numa situação embaraçosa. O COI não gosta de admitir que alguns dos membros que fazem parte dele têm regimes repressivos. Na verdade, é um órgão que tem muita tolerância à repressão — veja-se que está a trabalhar com a China para organizar os próximos Jogos de Inverno. Um dos exemplos mais flagrantes de que o COI faz ouvidos de mercador neste assunto é o facto de que o filho de Saddam Hussein, Uday Hussein, foi líder do comité iraquiano durante anos e mandava torturar e matar atletas que ele achasse que tinham ficado aquém. E o COI não fazia nada sobre isto.

Crê que a fuga de Tsimanouskaya é um dos temas que vai marcar estes Jogos de Tóquio, a par da Covid e da discussão sobre saúde mental lançada por Simone Biles?
Diria que vai ser esquecida rapidamente. A história da Simone Biles tem implicações muito mais duradouras. E é claro que a Covid também. A forma como Tóquio foi forçada a receber os Jogos no meio de uma pandemia é uma história tremenda. Acho que as cidades que queiram receber Jogos no futuro vão olhar para isto com muito mais ceticismo agora, depois de ver como o COI tem poder sobre a cidade-anfitriã. Já no caso de Tsimanouskaya, estamos a falar de uma só pessoa e de um país em particular. Não creio que se relacione com outros temas mais de fundo que afetam os Jogos no geral da mesma forma.

"As fugas dos atletas são eventos quase sempre políticos, porque estão relacionados com atletas que fogem à repressão política. E isso injeta política nos Jogos de uma forma muito clara. O que deixa o COI muito nervoso"

Diria que as fugas de atletas foram um assunto menos frequente nestes Jogos por causa da Covid? Os atletas estavam numa bolha, era fisicamente mais difícil até…
Sem dúvida. Uma das coisas que leva as pessoas a fugir é também um certo “puxão” que sentem. Não é só o empurrão que recebem dos seus países, por serem vítimas de repressão; elas também precisam de sentir que vão ser bem-recebidas ou ter algum tipo de ligação humana com outras pessoas que estejam no país para onde vão. E o lado do “puxão” nesta equação da fuga não estava lá desta vez. Provavelmente, se as coisas estivessem normais, teríamos visto muito mais fugas nestes Jogos Olímpicos.

Guerras, boicotes, terrorismo. Como, muito antes do pedido de asilo da atleta bielorussa, os Jogos sempre foram políticos

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