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Zeinal Bava e Henrique Granadeiro de novo suspeitos de corrupção. Terão servido o BES de Salgado "em detrimento da PT"

Os dois antigos gestores da PT tinham ficado livres do julgamento. Agora, o Tribunal da Relação recupera a acusação para dizer que receberam milhões de Salgado para beneficiar o BES.

Podem Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, gestores de uma empresa privatizada, ser considerados “funcionários” perante a lei, como se de uma empresa pública se tratasse?

O argumento, levantado pelas defesas na fase de instrução, foi fundamental para o juiz Ivo Rosa deixar cair os crimes de corrupção passiva de que ambos estavam acusados na Operação Marquês, já que a qualidade de “funcionário” é um dos elementos tipo desse crime, sem o qual essa corrupção passiva não pode ser imputada a nenhum arguido. Em abril de 2021, o magistrado concluiu que não: Bava e Granadeiro eram apenas gestores de uma empresa privada, escolhidos pelos maiores acionistas, também eles privados. E, por isso, a imputação feita pelo Ministério Público não fazia sentido.

Então porque é que num outro processo — o Face Oculta — os juízes do Tribunal da Relação do Porto consideraram o contrário no caso de arguidos que exerciam funções na EDP, uma empresa também privatizada, justificando a decisão com o contrato de concessão de serviço público ligado ao fornecimento de energia? A pergunta, colocada pelo Ministério Público no recurso da Operação Marquês, acabou por fundamentar a decisão da Relação de Lisboa, que esta quinta-feira deu razão à acusação: sim, escreveram as três juízas, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro eram gestores de uma empresa privada, mas não de uma empresa privada qualquer. A Portugal Telecom, privatizada, mantinha um contrato de concessão de serviço público e o “relevo social” desse serviço público (que se estendia a todo o grupo) justifica que, como no Face Oculta, os gestores sejam equiparados ao estatuto de funcionário do ponto de vista penal.

"É necessário um esforço no sentido de ter presente que os arguidos Zeinal Bava e Henrique Granadeiro são funcionários da PT. Com a sua conduta parecem depender do BES."
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Bava e Granadeiro tinham visto as suspeitas contra si arquivadas na fase de instrução, mas bastaram cinco páginas do acórdão da Relação de Lisboa — a maioria preenchida com os argumentos de Ivo Rosa e dos procuradores do MP, além de citações de acórdãos e de um texto jurídico —, para voltarem à lista de arguidos a caminho de julgamento e, sobretudo, ao grupo dos alegadamente corrompidos por Ricardo Salgado. Os dois ex-gestores da PT vão responder também por branqueamento de capitais e fraude fiscal, todos em co-autoria com o antigo homem forte do Grupo Espírito Santo, um dos principais arguidos do processo Operação Marquês, que agora vai a julgamento por 11 crimes. Em causa estão os pagamentos que Bava e Granadeiro terão recebido através da ES Enterprises, o alegado saco azul do GES, pela influência que terão tido no fracasso da oferta pública de aquisição (OPA) da Sonaecom à PT e na venda da brasileira Vivo e consequente compra da Oi .

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José Sócrates vai ser julgado por três crimes de corrupção e mais 19 crimes

Granadeiro e Bava atuaram “da forma que melhor salvaguardava os interesses do BES, em detrimento do interesses da PT”

Os dois ex-líderes executivos da Portugal Telecom, tal como defendia o MP e agora também o Tribunal da Relação de Lisboa, terão recebido, no total, cerca de 45 milhões de euros do saco azul do Grupo Espírito Santo. As transferências foram feitas entre 2007 e 2011, a partir da conta da ES Enterprises no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, e seriam a contrapartida por uma gestão da PT alinhada com o que mais interessava a Ricardo Salgado, fosse na garantia de chumbo da OPA da Sonaecom (como acabou por acontecer), na influência em negócios como a venda da operadora brasileira Vivo e a compra de uma participação na também brasileira Oi, mas também em assuntos de gestão do dia a dia, como a entrega de uma obra a uma construtora da esfera do GES. O interesse de Salgado seria só um: a PT ajudava a financiar o Grupo Espírito Santo e dava ao banqueiro um poder de que ele não queria abdicar.

Ricardo Sagado com Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, à direita na foto

Jorge Amaral

As três juízas do Tribunal da Relação de Lisboa que assinam o acórdão dizem que o alinhamento de vontades era tão grande — com Ricardo Salgado a dar as indicações e Bava e Granadeiro a executarem — que, a dada altura, ao ler a descrição feita no processo, “é necessário um esforço no sentido de ter presente que os arguidos Zeinal Bava e Henrique Granadeiro são funcionários da PT”. Isto porque, ironizam, “com a sua conduta parecem depender do BES“.

Em alguns casos, concluem, essa conduta podia mesmo ir contra o que seria melhor para a PT, a empresa onde, de facto, trabalhavam. A propósito da OPA da Sonaecom, que Salgado queria ver chumbada para não perder o controlo efetivo que tinha sobre a telefónica portuguesa (tendo, aliás, assegurado a alegada colaboração do primeiro-ministro José Sócrates, com o uso da goldenshare do Estado para vetar o negócio, se tudo o resto falhasse), o acórdão diz que os dois ex-gestores “atuaram sempre da forma que melhor salvaguarda os interesses do BES, em detrimento dos interesses da PT.” E isto enquanto Salgado convencia os acionistas a votarem contra, financiava alguns deles para reforçarem a sua participação e ainda outros, como a Ongoing, para entrarem no capital da empresa e ajudarem a travar o negócio.

"A PT só era importante para o arguido Ricardo Salgado na medida em que servia os interesses do BES."
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

As juízas escrevem que Bava e Granadeiro trabalharam para que essa OPA fosse um fracasso. “Um dado indesmentível é a circunstância de, com as promessas efetuadas aos acionistas que votaram contra a OPA, a execução desse pacote de acionistas ter representado cerca de metade do valor da empresa em bolsa”, refere agora o Tribunal da Relação de Lisboa, que aproveita para esvaziar um outro argumento da defesa: “Não se diga que o facto dos arguidos Henrique Granadeiro e Zeinal Bava terem desenvolvido estudos, consultas, roadshows para cativar investidores e toda uma estratégia de reação à OPA é uma demonstração de que não era certo o apoio do Governo“. Para as juízas, esse apoio de Sócrates era certo — e o então primeiro-ministro foi, depois, pago por ele.

Um apoio que viria a revelar-se de novo essencial mais tarde. Descontente com o facto de a Telefónica ter apoiado a Sonaecom, Salgado terá querido afastar por completo a operadora espanhola do capital da PT. E isso implicava pôr fim à ligação das duas empresas, nomeadamente na criação da operadora brasileira Vivo. Salgado terá determinado à administração da PT que procurasse uma nova operadora no Brasil, tendo acordado, acredita o Ministério Público, novos alegados pagamentos a Sócrates para que este utilizasse em 2010 a goldenshare do Estado para condicionar a venda da participação na Vivo ao reinvestimento de boa parte dos 7,5 mil milhões de euros pagos pelos espanhóis na aquisição de uma nova participação numa operadora brasileira: a Oi/Telemar.

O ex-banqueiro terá conseguido exatamente o que desejava, mas, diz a Relação de Lisboa, não porque isso fosse o melhor para a telefónica portuguesa, de que o banco era acionista: “A PT só era importante para o arguido Ricardo Salgado na medida em que servia os interesses do BES.”

Branqueamento e fraude fiscal: preferência por contas na Suíça “não foi inocente”

Ao fazer cair os crimes de corrupção — aqueles que, alegadamente, deram origem aos milhões de luvas pagos a Zeinal Bava e Henrique Granadeiro por Ricardo Salgado —, Ivo Rosa também arquivou as suspeitas relativas aos crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal de que ambos estavam acusados. É habitual ver estes três tipos de crime juntos, por uma razão lógica: a corrupção dá origem a “dinheiro sujo” que é preciso “lavar” e que não é, depois, declarado como rendimento às finanças, configurando uma fuga ao fisco.

"Não foi inocente a preferência por sediar estas contas bancárias na Suíça, atendendo a que, nessa jurisdição, a protecção do sigilo bancário estava envolta numa blindagem legal dificilmente comparável, e era conhecida por isso mesmo, transmitindo uma segurança extra aos arguidos."
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

Com a decisão de pronunciar os dois ex-gestores da PT por corrupção, as desembargadoras da Relação de Lisboa recuperaram também o resto da cadeia. No total, dizem, circularam entre Salgado e Bava 25 milhões e 200 mil euros. No caso de Granadeiro, foram pouco mais de 20 milhões. Dinheiro branqueado, diz o acórdão, com recurso a mecanismos de ocultação da origem e do destino, com contas sediadas em países que garantem o sigilo dos beneficiários.

Interrogado pelo Ministério Público, ainda durante a fase de inquérito, Henrique Granadeiro chegou a explicar a conta por onde passaram estas verbas dizendo que, na altura, “era chique ter uma conta na Suíça”. As magistradas da Relação de Lisboa têm outra visão. Escrevem que, não apenas no caso destes arguidos, “não foi inocente a preferência por sediar estas contas bancárias na Suíça, atendendo a que, nessa jurisdição, a protecção do sigilo bancário estava envolta numa blindagem legal dificilmente comparável, e era conhecida por isso mesmo, transmitindo uma segurança extra aos arguidos“.

Assim, concluíram, Zeinal Bava deverá ser julgado por um crime de branqueamento de capitais e Henrique Granadeiro por dois.

Zeinal Bava e Henrique Granadeiro vão a julgamento por corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal

HUGO GUERRA/LUSA

Quanto à fraude fiscal, a Relação confirmou a prescrição de alguns dos crimes imputados pelo Ministério Público, mas pronunciou os arguidos por outros que ainda podem ser julgados: um no caso de Bava; dois no caso de Granadeiro.

Os dois crimes em que a Relação dá razão a Ivo Rosa

Na fase de instrução, Ivo Rosa também tinha deixado cair a prática de um crime de peculato, imputada a Henrique Granadeiro — em parte, de novo, por causa do mesmo estatuto de “funcionário”, que o peculato também exige. Agora, o Tribunal da Relação de Lisboa — apesar de repetir que essa qualidade se aplica ao ex-gestor da PT, como no caso da corrupção passiva — não encontrou indícios suficientes para confirmar a acusação de peculato e levar também essa parte do processo a julgamento.

Da mesma forma, o acórdão também recusa pronunciar o ex-gestor da PT por um crime de abuso de confiança, como pedia o Ministério Público. Em causa estava o facto de Granadeiro ter permitido que quase 4 milhões de euros do Grupo Espírito Santo, alegadamente desviados por Ricardo Salgado em proveito próprio — desvio pelo qual, aliás, Salgado já foi condenado —, passassem por uma conta sua. As juízas desembargadoras concluíram que o abuso de confiança pode apenas ser imputado ao ex-banqueiro, que efetivamente se apropriou de dinheiro do GES que não lhe pertencia. E que o máximo que se pode dizer é que, ao deixar que essas verbas circulassem por uma conta sua, Henrique Granadeiro dificultou “a detecção da origem e rasto dos dinheiros”. É, aliás, por estes factos que Granadeiro responde por um dos dois crimes de branqueamento de capitais que lhe são atribuídos.

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