Falta menos de um mês para o arranque oficial da campanha autárquica e, em Lisboa, a esquerda já passa os dias agarrada à calculadora. Na capital, Fernando Medina tem dois potenciais parceiros bem atentos a cada sondagem: tanto Bloco de Esquerda como PCP lutam agora para ultrapassar o vizinho do lado e ganhar mais votos — ou seja, mais influência — nas autárquicas de 26 de setembro. Objetivo final? Chegar a acordo com o PS e poder pôr em prática, num pelouro da maior câmara do país, a preponderância eleitoral conquistada. Esse objetivo fica, desde já, claro.
Com ambos os partidos disponíveis, e embora no PS ainda se sonhe com uma maioria absoluta, Fernando Medina mantém-se atento e regista as declarações e sinais que cada um vai deixando no ar. Com particular atenção ao PCP, que deixa bem claras as suas intenções — quer voltar ao executivo local 20 anos depois de ter deixado de ser parceiro do PS em Lisboa, mas sem ser uma “muleta”, imagem que cola ao Bloco. Os bloquistas devolvem o ‘mimo’: o PCP pode contar com uma eventual preferência de Medina, mas o BE acredita que terá mais votos e ultrapassará definitivamente o partido do lado.
Contas feitas, o cocktail de variáveis é grande: quererá João Ferreira ter a parceria com Medina no currículo caso no futuro, como tantas vezes se projeta, venha a liderar o PCP? Irão os resultados nacionais dos comunistas ditar decisões sobre acordos em Lisboa? Conseguirá o BE ultrapassar o fantasma Ricardo Robles e voltar a influenciar a governação da capital? Por entre as incógnitas, uma coisa é certa: os partidos fazem contas e não escondem a vontade de se sentarem à mesa com Medina (sem maioria), levando debaixo do braço uma soma de votos generosa que lhes permita negociar e impor condições.
PS regista abertura dos comunistas
No PS as contas à esquerda fizeram-se logo ao mais alto nível antes ainda de haver candidatos autárquicos nos vários municípios, tal como já escreveu o Observador em maio passado. Nessa altura, avaliou-se com cada um dos partidos de esquerda se havia vontade de avançar coligados em algum município e em Lisboa não foi diferente. Essa conversa foi tida tanto com o PCP, com quem há um histórico na capital que começou com o acordo de Sampaio em 1989, como com o Bloco de Esquerda, que vive um acordo com Fernando Medina desde 2017.
Ambos os partidos entenderam não haver vantagem em acordos pré-eleitorais com o PS, por isso seguiu cada um por si, o que não implica que não existam condições para acordos depois das eleições.
PS pronto para dramatizar se oposição forçar crise pós-autárquicas
No caso comunista, os socialistas já não alimentavam grandes esperanças sobre a possibilidade de um entendimento na capital, até porque é na Área Metropolitana de Lisboa que o PCP concentra os maiores confrontos com o PS, caso de Almada ou o Barreiro, por exemplo. Era difícil, para comunistas, manter um discurso alinhado com socialistas num dos municípios e um outro discurso adverso logo ali ao lado, noutros pontos da mesma região. Já com o Bloco, tudo era possível, mas o partido liderado por Catarina Martins não viu interesse nisso e avançou com Beatriz Gomes Dias como candidata própria.
Mas em ambos lados “ninguém fechou a porta a nada” para o futuro, comenta ao Observador fonte socialista próxima dessas negociações. Olhando para o PCP, os socialistas já vão assinalando com insistência a entrevista que o candidato a Lisboa João Ferreira disse sobre o pós-eleições. Ao Diário de Notícias, o comunista admitiu que “seria positivo” que a CDU voltasse a ter pelouros em Lisboa, embora tenha também dito a Medina que isso não será a “qualquer preço”. O atual presidente socialista fixou-se sobretudo na primeira parte da mensagem e espera pelo dia 27 de setembro para tirar a limpo isso mesmo.
Pelo caminho, na candidatura de Medina vai-se antecipando que o PCP não poupará o PS de ataques — e João Ferreira deu sinal disso mesmo quando, na entrevista já citada, criticou a “maioria PS-BE”, dizendo que à perda da maioria para o PS “não correspondeu tudo aquilo que poderia ter correspondido, porque o PS rapidamente encontrou um apoio para desenvolver no essencial o mesmo tipo de política”. Já do BE, os socialistas não esperam ser poupados, ainda que também confessem surpresa caso os parceiros dos últimos quatro anos de governação em Lisboa façam “política de terra queimada”.
Quanto ao seu próprio resultado, os socialistas estão convencidos que, no pior dos cenários, terão uma votação semelhante à de há quatro anos, altura em que Fernando Medina foi pela primeira vez a votos como cabeça de lista e obteve 42% dos votos, o que se traduziu em oito mandatos autárquicos, menos um do que era necessário para governar com maioria. O absolutismo socialista em Lisboa não é descartado, com a candidatura de Medina a considerar possível disputar o nono vereador perdido em 2017.
BE: Medina “preferiria” PCP, mas sondagens não lhe dão razão
À esquerda, onde se coloca o cenário de Fernando Medina voltar a não conseguir agarrar a maioria absoluta, os partidos estão atentos às posições dos vizinhos — no discurso e nas sondagens. Na cúpula do Bloco de Esquerda, há dois dados que se dão por adquiridos: por um lado, Fernando Medina “preferiria” governar a cidade ao lado do PCP e não do BE; por outro, o PCP tem dado precisamente sinais de abertura nesse sentido (mas falta perceber se tem votos para isso).
Há um terceiro dado por que os bloquistas puxam: nas sondagens, o Bloco surge bem colocado e até chega a ultrapassar o PCP — “é uma possibilidade real”, assegura um dirigente do partido, dando o “fantasma” do caso Robles como enterrado.
No primeiro estudo de opinião, divulgado pelo semanário Novo em abril, João Ferreira surgia com 7,1% das intenções de voto, à frente de Beatriz Gomes Dias, com 6,6%; mas na sondagem mais recente, publicada pelo Expresso, os partidos trocavam de posições, com o Bloco a subir (8%) e o PCP a descer (6%). Segundo a informação apurada pelo Observador, as sondagens internas, nomeadamente do PS, mostrarão tendências semelhantes.
Por isso, e mesmo que Medina sinta a tentação de trocar de parceiro, o Bloco confia que no day after terá uma força renovada para negociar com o presidente da Câmara, caso este seja reeleito. Que há abertura e até desejo de chegar a acordo, ninguém duvida: os dirigentes do Bloco recordam aliás que logo na apresentação da candidatura bloquista, a 10 de abril, a candidata não fechou a porta a novos entendimentos e congratulou-se — “o Bloco mostrou que tem programa e que tem capacidade para governar”.
BE pede “mais força em Lisboa” e abre a porta a novo acordo com PS. “Mostrámos que sabemos governar”
Depois, em entrevista ao “Diário de Notícias”, iria ainda mais longe: “Nós queremos derrotar a possibilidade de uma maioria absoluta do PS porque consideramos fundamental que haja este acordo, este diálogo connosco”. Para quê? “Continuar o que já começámos”. O que o BE começou ainda nos tempos de Robles foi uma rara experiência de governação numa grande Câmara — que só tinha experimentado no passado durante um tempo limitado com Costa, antes do partido romper com José Sá Fernandes — e não quer abdicar dessa influência.
PCP quer influenciar, mas sem ser “muleta”… como o BE
A condição é, por isso, que Medina falhe a maioria absoluta e que o Bloco tenha mais votos — até porque não quer “passar cheques em branco”. Ao lado, o PCP concorre pelo mesmo objetivo: “Assumimos como possibilidade e até como uma meta podermos influenciar a governação da cidade”, diz ao Observador Inês Zuber, da direção da organização do PCP em Lisboa. Mas isso dependerá da forma como os comunistas conseguirem “condicionar” Medina — e, portanto, da “força” que tiverem, para assegurar a sua própria “autonomia” na câmara.
A “expectativa” é agora que o PCP venha a conseguir resultados superiores aos que as sondagens preveem, e que poderiam colocar em risco a eleição do segundo vereador. “Já tivemos em alturas anteriores, nesta fase, sondagens que até eram mais abaixo do que essas. A expectativa que temos é obviamente um resultado superior ao que a sondagem coloca”, explica Zuber.
Tudo para garantir que a força do PCP é suficiente para condicionar o PS… aproveitando para colar essa imagem de “muleta” ao Bloco: “Nunca estivemos disponíveis para soluções em que ficamos amarrados a políticas com as quais estamos em profundo desacordo. Embora o BE tenha tentado ter um discurso de certa forma crítica em relação ao PS, na verdade estavam obrigados a caucionar essas mesmas políticas por via do Orçamento da Câmara. Que eles viabilizaram”. E remata: “Não estamos disponíveis para ser uma muleta, esse papel não o assumiremos”.
Um futuro líder em parceria com Medina?
Embora haja quem especule sobre se uma parceria PCP-PS não viria prejudicar o candidato comunista à câmara, que é sempre indicado como hipótese forte para a liderança do PCP — seria desejável para Ferreira passar de vereador parceiro do PS para líder do PCP? –, na memória da esquerda também está bem vivo o historial de PS e PCP no município, que nos tempos de Jorge Sampaio e João Soares trouxe frutos (e acordos) na governação. Outro fator a ter em conta poderão ser os resultados do PCP na noite eleitoral: se o partido conseguir recuperar da hecatombe de 2017 — em que perdeu nove câmaras para o PS –, pode estar mais disponível para negociar com os socialistas do que se a tendência de perda se confirmar.
Por agora, os partidos não falam numa hipótese de geringonça municipal, que juntasse os vários partidos — e é dado como certo que as negociações acontecerão sempre a nível bilateral, como aconteceu entre Governo, BE e PCP na “geringonça” original.
Conversas mais concretas acontecerão depois de contados os votos, caso Medina seja releeito… sem maioria absoluta, como aconteceu neste mandato. Até lá, tanto BE como PCP trabalharão para ultrapassar o partido do lado e ganhar um lugar forte na mesa das negociações com o PS — uma réplica local do que já acontece a nível nacional.