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Billie Eilish nunca esteve tão feliz: isto foi tudo o que a trouxe até às canções do novo álbum

Os primeiros passos na música, a internet, o sucesso que chegou sem aviso, o impacto, os media, o corpo e a confiança. O novo "Happier Than Ever" é o resultado de tudo isto.

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Era uma vez uma miúda de 13 anos que partilhou uma canção na Internet e avançou em “fast forward” até ao estatuto de estrela sem passar pela casa “adolescência”. Desde 2015, Billie Eilish acumulou recordes, conquistou sete Grammys (cinco em 2020 e mais dois este ano), cantou em Coachella, fez um tema para o mais recente filme de James Bond, “007: Sem Tempo Para Morrer”, e protagonizou um documentário para a Apple TV+. Tem 19 anos e esta sexta-feira, 30 de julho, edita o segundo álbum de originais, “Happier Than Ever”.

As 16 faixas são fruto da pandemia e nasceram em casa dos pais, de onde só saiu no ano passado. Foi a mãe, Maggie, que sugeriu que ela e o irmão Finneas — com 23 anos, é autor ou coautor dos grandes sucessos do fenómeno Billie Eilish — se juntassem três dias por semana para compor. Ambos acharam exagerada a ideia de terem um horário estipulado, mas resolveram experimentar. “Na primeira semana tínhamos escrito e gravado ‘My Future’”, contou Finneas ao jornal “Los Angeles Times”.

Esse foi o primeiro single de um disco que agora está inteiramente disponível. Acaba por dar o mote às transições na vida da cantora, que já não é uma criança e que vai aos poucos encontrando a sua identidade.

[“My Future” ao vivo em agosto do ano passado:]

Infância numa bolha

Billie Eilish Pirate Baird O’Connell nasceu a 18 de dezembro de 2001 em Los Angeles, EUA. Eilish era para ter sido o nome próprio, mas acabou por ser destronado por Billie — o avô materno, Bill, morreu ainda antes do nascimento da neta e esta foi a homenagem escolhida. De acordo com a revista Insider, Finneas, que tinha quatro anos, queria muito que a irmã se chamasse Pirata. Os pais não cederam totalmente, mas “Pirate” está lá, em terceiro lugar.

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Foi concebida via fertilização in vitro e viveu numa espécie de bolha na casa que os pais mantêm até hoje em Highland Park. Uma mãe professora de teatro, um pai ator, ambos músicos — a educação convencional dizia-lhes muito pouco e, por isso, decidiram que os dois filhos teriam aulas em casa. O objetivo era que tivessem mais tempo para explorar os seus reais interesses.

Menina do coro

Aos oito anos juntou-se ao Los Angeles Children’s Chorus. Foi aí que aprendeu as técnicas certas para cantar “de forma a não arruinar a voz completamente”, explicou numa entrevista à revista Vogue. No entanto, em casa cantava desde sempre. “Tanto que a minha família tinha de me mandar calar.”

Depois vieram os textos. Aos 11 anos escreveu a primeira canção. Era sobre um apocalipse zombie inspirado na série “The Walking Dead”.

Quando carregou no botão de “upload” do SoundCloud, a vida nunca mais foi a mesma — mas, nesse momento, Billie Eilish ainda não sabia. A canção tornou-se viral, seguiu-se um contrato com uma editora, entrevistas, capas de revistas, campanhas publicitárias. De repente, era uma estrela pop, mas ela só queria ser a miúda que tinha sido até ali.

“Ocean Eyes”, o tema que a fez explodir, foi criado por Finneas para a banda que ele tinha com amigos. Mas Billie Eilish ficou tão obcecada que a cantou e fez o upload para a plataforma SoundCloud. O objetivo era bem mais simples do que podia parecer: Billie só queria partilhar a melodia com um professor de dança para que este criasse uma coreografia. Nessa altura, a sua grande paixão ainda era a dança contemporânea. Uma lesão fê-la desviar-se desse caminho e virar-se para a música.

Em novembro de 2018 entrou para a lista da Forbes “30 antes dos 30” como a segunda celebridade mais jovem — à sua frente só tinha a também cantora Grace Vanderwaal, com 14 anos.

Por esta altura ainda nem tinha editado o primeiro disco de originais — When We Fall Asleep, Where Do We Go? saiu a 29 de março de 2019 com 14 faixas — mas a legião de fãs já sabia de cor temas como “You Should See Me in a Crown” ou “Wish You Were Gay”.

[ouça “Happier Than Ever” na íntegra através do Spotify:]

O choque da fama

Quando carregou no botão de “upload” do SoundCloud, a vida nunca mais foi a mesma — mas, nesse momento, Billie Eilish ainda não sabia. A canção tornou-se viral, seguiu-se um contrato com uma editora, entrevistas, capas de revistas, campanhas publicitárias. De repente, era uma estrela pop, mas ela só queria ser a miúda que tinha sido até ali.

“Odiava sair de casa, odiava ir a eventos, odiava ser reconhecida. Odiava que a internet tivesse uma data de olhos em cima da mim. Só queria estar a fazer porcarias de adolescente”, reconheceu numa entrevista dada ao Los Angeles Times em julho.

Billie Eilish And Spotify Celebrate "Happier Than Ever: The Destination" For Her New Album

Getty Images for Spotify

Tinha 16 anos quando se enfiou num autocarro para fazer uma tournée — já o álbum When We Fall Asleep, Where Do We Go? era quádrupla platina — e o seu corpo não aguentou. Entrou em depressão, tinha febre constantemente, acumulou laringites. À volta dela só havia adultos — tirando os adolescentes aos gritos na plateia — e, por isso, viu-se de novo numa bolha, mas desta vez numa solidão profunda.

Síndrome de Tourette, e então?

Síndrome de Tourette e depressão. São apenas duas das batalhas que Billie Eilish tem travado ao longo dos anos e ela não se importa de falar sobre isso. Também não ficou incomodada quando começaram a surgir online vídeos feitos por fãs que compilavam alguns dos seus tiques (quem tem síndrome de Tourette tem tiques motores e vocais). Pelo contrário, a cantora abordou o assunto na sua conta de Instagram e numa passagem pelo programa “Ellen”. “Nunca disse nada porque não queria que isso definisse quem eu sou”, explicou em abril de 2019.

Ao mesmo tempo, garantiu que falar abertamente a aproximou dos fãs. “Descobri que muitos dos meus fãs têm [a doença], o que me deixou mais à vontade de certa forma, e senti que havia uma conexão aí.”

[“Happier Than Ever”:]

“É confuso ver alguém a fazer um gesto estranho ou a dobrar o pescoço”, reconheceu numa reportagem da revista Fader. Diagnosticada em criança, Eilish aprendeu a controlar os tiques. “Tenho a certeza de que um dia toda a gente vai ver os ataques que acontecem quando estou stressada ou sem dormir. Mas podia ser muito pior, e não é, estou agradecida por isso. E, sabem que mais, que se lixe.”

De “Belieber” a vencedora de Grammys

Era uma paixão louca, com direito a posters, discos e tudo aquilo que a imaginação de uma miúda de 12 anos alcança. Billie Eilish adorava Justin Bieber e não era só pela música. “Era a pessoa pela qual estava apaixonada, na minha cabeça ele estava apaixonado por mim, era como uma relação”, contou na estação de rádio KROQ.

Em abril de 2019 a fã e o ídolo encontraram-se em Coachella e foi exatamente isso: um sonho que parecia impossível a uma miúda que ainda há dois segundos cantava “Baby” fechada no quarto e suspirava por um adolescente com cabelo à tigela. Eilish também subiu pela primeira vez ao mítico palco, mas isso até parece irrelevante perante a emoção do episódio que está captado em “Billie Eilish: O Mundo Está Um Pouco Turvo”, o documentário da Apple TV+, e inclui uma mensagem que Bieber enviou a Billie Eilish após se terem conhecido. “Obrigado por esta noite. Significou tanto para mim como para ti. Parece que ainda ontem tinha 15 anos e cantava ‘One Time’. Passou a correr. Aproveita tudo, Billie […]”

Em maio deste ano posou para a versão britânica da revista Vogue com corpetes que revelavam as suas formas e, de repente, deixou de ser catalogada como uma heroína feminista para passar a ser uma oferecida. Mas pela primeira vez diz ter certezas sobre quem é. “[Nunca quis] ser a pessoa com cabelo pintado mas não sei porquê tornei-me exatamente isso”.

Ela aproveitou os conselhos e ainda ganhou um amigo. Os dois até gravaram uma versão de “Bad Guy”, um dos temas mais conhecidos da cantora. O início do videoclip recupera o momento em que se conheceram.

Na edição de 2020 dos Grammys, estava nomeada em seis categorias e venceu em cinco. É, até à data, a artista mais jovem a conquistar o Álbum do Ano, um recorde que pertencia a Taylor Swift (em 2008, com 20 anos, ganhou com Fearless). É também a mais jovem de sempre a arrebatar os quatro troféus principais: Álbum do Ano, Melhor Álbum Pop, Melhor Gravação do Ano e Melhor Canção do Ano (“Bad Guy”). Além destes foi considerada a Artista Revelação. Em 2021 juntou duas estatuetas à lista: “Everything I Wanted” foi a Gravação do Ano e “No Time To Die” ganhou na categoria de Melhor Canção Para Filme.

Uma crise de identidade abriu caminho para um novo álbum

Em maio de 2019 apareceu numa campanha publicitária para a Calvin Klein com roupa larga. As peças que vestia então eram todas semelhantes e a escolha era propositada para que ninguém pudesse julgar o seu corpo. Em maio deste ano posou para a versão britânica da revista Vogue com corpetes que revelavam as suas formas e, de repente, deixou de ser catalogada como uma heroína feminista para passar a ser uma oferecida. O que aconteceu na realidade foi exatamente o oposto. Pela primeira vez na vida, Billie Eilish tem certezas sobre quem é. “[Nunca quis] ser a pessoa com cabelo pintado mas não sei porquê tornei-me exatamente isso”, admitiu ao LA Times.

[“Lost Cause”:]

Durante anos não soube bem quem era, precisou de criar personagens, fazer experiências — afinal, não é exatamente pelo mesmo que passam todos os adolescentes? E foram essas dúvidas que alimentaram também os novos temas agora lançados.

“Queria fazer um álbum muito intemporal. Não apenas intemporal nos termos em que as pessoas pensam nisso mas intemporal para mim.” Foi assim que Billie Eilish descreveu “Happier Than Ever” numa entrevista dada à plataforma “Vevo”. Inspirou-se em vozes como as de Frank Sinatra e Julie London e usou muito do tempo em que o mundo esteve parado devido à Covid-19 para pensar e fazer escolhas.

“O processo foi natural e fez-me sentir bem e satisfeita.” Há um par de anos teria sido impossível chegar a essa conclusão, reconheceu. Na altura, “sentia que não tinha talento suficiente” e que nunca estava a “fazer bem o trabalho”. Nesses primeiros tempos de fama, também não soube lidar com todas as alterações na sua vida. “Era uma miúda e queria fazer porcarias de miúda. Não queria não poder ir à porra de uma loja ou ao centro comercial. Estava muito zangada e não era nada agradecida”, reconheceu à revista Rolling Stone a poucos dias do lançamento do novo álbum.

[“NDA”:]

“Agora sinto-me muito mais confiante no meu ofício”, disse à “Vevo”. “Sinto que trabalhei muito nisso e penso que este disco foi feito num momento criativo perfeito para mim.” E o que quer que as pessoas saibam sobre ela é muito simples. “Que sei cantar. Que sou uma mulher. Que tenho personalidade”, resumiu à Rolling Stone.

Há 16 faixas para ouvir desde sexta-feira, 30 de julho. Cinco têm sido consumidas em modo “repeat” no último ano. O primeiro single lançado, em julho de 2020, foi “My Future”. Desde então foram divulgados “Therefore I Am”, “Lost Cause”, “NDA” e “Your Power”. Apesar de Billie Eilish não ter revelado os nomes que inspiraram os temas, especula-se que este último se refira a um antigo namorado, Brandon Quentin Adams, o rapper que aparece no documentário da Apple TV+ com quem teve uma relação turbulenta.

Coerção sexual, relações abusivas, privacidade destruída, body shaming. Este disco podia ser mais um monólogo de uma celebridade a queixar-se da fama, mas consegue ser mais profundo do que isso. Billie Eilish mostra-se vulnerável no que diz e na forma como o diz, tudo enrolado em batidas de referências techno, brisas de jazz e uma voz com personalidade.

Nem todos os temas de “Happier Than Ever” são autobiográficos, garantiu, mas aqueles em que conta a própria história parecem funcionar como uma espécie de libertação, embora feita a um ritmo ponderado e trabalhado ao detalhe.

“Mal posso ir à rua“, diz em “NDA”, onde parece sufocada e voluntariamente fechada num casulo para que deixem de olhar para ela. “Billie Bossa Nova” tem um toque de samba e avisa: “Alguma informação não é para partilhar, usem nomes diferentes nos check-ins dos hotéis”.

“Happier Than Ever”, que dá nome ao álbum, vai revelando uma dor bem diferente do que parece indicar. “Quando estou longe de ti, estou mais feliz do que nunca” dá início à história com uma voz suave e uma guitarra melódica. Mas, ao longo de quase cinco minutos, o tom vai mudando e transforma-se num grito de revolta. “Arruinaste tudo o que era bom, sempre disseste que eras incompreendido. Tornaste todos os meus momentos teus, deixa-me em paz.”

[“Therefore I Am”:]

Eilish quis “que as coisas parecessem o mesmo projeto, mas não a mesma canção uma e outra vez”, explicou à “Vevo”. Muitas das temáticas são reflexões pessoais mas, ao mesmo tempo, a cantora não pretende influenciar os fãs. “Não quero pôr-lhes ideias nas cabeças porque quero que eles sintam. […] A interpretação de cada um é a interpretação certa.”

Em “Getting Older”, a primeira canção da lista, refere o seguinte na letra: “Tive traumas, fiz coisas que não queria. Tinha demasiado medo para contar-vos mas agora chegou o momento”. Questionada sobre o que estaria a tentar dizer, Billie Eilish retraiu-se. “Passei por algumas coisas de que nunca falei. […] É embaraçoso passarmos por coisas assim. É por isso que muitas mulheres e homens — mas especialmente mulheres — não contam a ninguém quando estão a passar por isso.”

Nem todos os temas de “Happier Than Ever” são autobiográficos, garantiu, mas aqueles em que conta a própria história parecem funcionar como uma espécie de libertação, embora feita a um ritmo ponderado e trabalhado ao detalhe. Afinal, continua a ter apenas 19 anos. Tem muito tempo para definir tudo o resto.

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