“Queremos ganhar e estamos preparados para ganhar”, disse José Soeiro. “Estamos prontos para o que é preciso, para o que é urgente, estamos prontos”, reforçou José Gusmão. Até o slogan da convenção, visível a letras gordas no cenário, o indica: “Agora, a esquerda”. O Bloco não só já não tem medo de governar, como acredita que chegou a hora de o fazer. O voto útil morreu depois de 2015, “paz à sua alma”. Por isso, a ambição dos bloquistas é máxima, como Francisco Louçã resumiu numa alusão ao filme de animação Toy Story: agora é “até ao infinito e mais além”. 

O primeiro dia de Convenção foi suficiente para perceber que o mundo mudou na cabeça dos bloquistas. Estão prontos para ir para um governo, depois do primeiro ensaio com a “geringonça”. Resta saber em que moldes. Claro que o ideal seria um governo do BE, se os eleitores dessem essa força ao Bloco nas urnas, mas perante a probabilidade de não serem o partido mais votado (o melhor resultado que tiveram foi 10,19% em 2015), deixam a porta aberta para outros cenários variáveis: tudo dependerá da “correlação de forças”.

Também por isso recusam pôr fasquias: “a participação num Governo pode ser feita com uma fasquia eleitoral muito diferenciada”, disse Pedro Filipe Soares no carpool do Observador quando questionado sobre o facto de, numa entrevista no ano passado, Francisco Louçã ter assumido que o BE iria para um governo se tivesse entre 20 a 25% dos votos. Um ano depois, ninguém arrisca percentagem de votos — para não fechar portas. O mais parecido com uma fasquia que se consegue ouvir dos bloquistas é a ideia de que querem “um governo de esquerda com um programa de esquerda”. Ou seja, “nunca quereremos ser um penacho de um governo qualquer para dizer que temos um ministro, sem o peso para fazer a diferença e sem um programa para continuar a fazer a diferença”, disse Pedro Filipe ao Observador. Essa é a baliza.

O passo seguinte é saber se, indo para um governo, o Bloco teria “gente capaz”. E disso ninguém tem dúvidas. Catarina Martins disse logo que o BE já provou que tem gente que “sabe mais do que tantos ministros, porque conhece os problemas pela vida”. O passo seguinte foi enunciar nomes. Francisco Louçã já tinha vaticinado, no início de 2017, que “Mariana Mortágua há de ser ministra das Finanças”. Agora, foi a vez de Pedro Filipe Soares, em entrevista ao Observador, lançar nomes de jovens deputados como possíveis ministros, ou eventualmente secretários de Estado: Mariana nas Finanças, Joana Mortágua na Educação, Moisés Ferreira na Saúde, Jorge Costa na Energia, Luís Monteiro no Ensino Superior ou José Soeiro no Trabalho. “Na verdade, hoje, o BE prepara ministros”, como tinha dito Francisco Louçã…

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São todos de uma geração abaixo daquela que costuma preencher elencos governativos, e isso não é por acaso. Pedro Filipe Soares admite que é para contrariar algum “paternalismo” com que se olha para gente mais nova. O treinador da bancada, literalmente, exclui-se desse eventual leque de ministeriáveis. “Não é uma pretensão que tenha. Há um sacrifício pessoal imenso, que não me parece que esteja disponível para ter”, disse Pedro Filipe Soares este sábado.

Mariana Mortágua, ministra das Finanças

Na bola de cristal de Francisco Louçã não há dúvidas: “Mariana Mortágua um dia há de ser ministra das Finanças”. Para justificar a profecia, o fundador dizia que “há personalidades brilhantes que se destacam e que se afirmam por si (…) Escrevi dois livros com ela porque era uma economista muito capaz e com muita vontade”.

Formação não lhe falta. Mariana é licenciada em Economia pelo ISCTE e estava em Londres a fazer o doutoramento em economia na School of Oriental and African Studies quando veio para Lisboa ser deputada, aos 27 anos. Com a negociação dos orçamentos do Estado, onde o Bloco ganhou uma posição de destaque desde 2016, a voz mais autorizada no grupo parlamentar do BE nessas matérias ganhou ainda mais volume. É ela a mulher das Finanças do Bloco.

Mariana Mortágua só falou sobre estatutos no primeiro dia de Convenção (a sua intervenção política é amanhã), mas na “Mini” entrevista ao Observador, a bloquista admitiu que o Bloco de Esquerda quer ser Governo. “O Bloco de Esquerda está preparado e tem pessoas preparadas para estar no governo, para fazer um governo“, disse Mariana Mortágua. A bloquista diz que o partido aprendeu nos últimos dois anos e está preparado “para desempenhar todas as funções, incluíndo funções executivas“. E acrescentou: “Temos capacidades para as fazer, temos propostas para o fazer, temos capacidade técnica para o fazer e queremos fazê-lo.”

E a nível individual, quer ser ministra das Finanças? “O nosso projeto está preparado, eu faço parte dele. Quero muito fazer parte de um projeto em que sejamos capazes de levar a esquerda ao Governo. Quero muito ver um Governo de esquerda em Portugal. Quero muito ver um Governo que possa ir mais longe do que este Governo foi“, respondeu.

Mariana não vê a integração num ministério ou no Executivo como “mais um passo na escadinha na carreira política” e destaca que o interessante era ver “o projeto do Bloco de Esquerda em todos os ministérios e não apenas nas Finanças”. Não disse, porém, se havia uma fasquia em termos de votação para integrar o Governo e recusou-se a dizer se o Bloco colocaria certas pastas como requisito para entrar no Executivo.

José Soeiro, ministro do Trabalho

Aos 21 anos, José Soeiro assinava recebidos verdes nas oficinas de teatro onde trabalhava. Dois anos depois, aos 23, já estava na Assembleia da República como deputado a lutar pelo fim da precariedade (e dos recibos verdes). Desde então, tem sido o rosto do Bloco nessa luta. Já passaram 11 anos desde que entrou no Parlamento.

Em tempos de “geringonça”, Soeiro foi, sem surpresa, o nome indicado pelos bloquistas para o grupo de trabalho com o Governo e PS por um Plano Nacional Contra a Precariedade. O sociólogo é, aliás, o coordenador do grupo parlamentar na Comissão e esteve também na linha da frente da negociação do PREVPAP, o programa do Governo para regularizar a situação dos trabalhadores precários da Administração Pública. Especializou-se na precariedade e publicou mesmo um livro sobre “a falácia do empreendedorismo”, com um aviso: “Com o empreendedorismo obtém-se o Bangladesh, não a Suécia.”

Mesmo que tenha um lugar na mesa, José Soeiro não deixa de atacar o Governo porque acha insuficiente o que tem sido feito em matéria laboral. E disse-o nesta Convenção, onde considerou que a legislação laboral que o PS quer manter é nada menos do que “uma facada apontada ao peito dos trabalhadores”. Num artigo de opinião publicado no Expresso, Soeiro já tinha classificado as mudanças na lei laboral como um “flop.”

Foi dos mais aplaudidos do primeiro dia da XI Convenção do Bloco, depois de ter levado para o palco vários “símbolos” da luta do BE: uma luva de plástico, como símbolo das trabalhadoras da limpeza que estiveram na rua a lutar por melhores condições e que recebem pouco mais de três euros; e uma pedra, que “não é só o símbolo da luta dos trabalhadores das pedreiras, mas é o símbolo do trabalho que fizemos dentro e fora do parlamento no âmbito deste orçamento.”

O que José Soeiro defende seria um problema se fosse ministro do Trabalho num Governo partilhado com o PS. Soeiro tem como bandeira reformas sem cortes aos 63 anos ou um limite de salários aos gestores no privado, o que a bancada do PS chumbou ao lado da direita no final de setembro.

Joana Mortágua, ministra da Educação

Joana Mortágua é a coordenadora do Bloco de Esquerda na Comissão de Educação e Ciência e tem essa pasta na bancada bloquista. Com a greve em torno do tempo de serviço dos professores ganhou ainda mais protagonismo, sugerindo que o atual executivo está a querer voltar a um tempo em que se hostiliza estes profissionais. “Uma sociedade que aposta na educação, não pode maltratar os seus professores”, já disse Mortágua. Acusa também o Governo de “arrogância” por não querer negociar o tempo de serviço, que quer que comece a ser pago já em 2019.

Na Convenção, Joana Mortágua não quis assumir um patamar a partir do qual o Bloco aceita ir para o Governo: “Nesta casa não se fia: Não trocamos nenhuma carreira europeia pela carreira dos professores, dos enfermeiros, não abdicamos de um SNS mais forte e de uma escola pública mais forte.”

E pede mais votação:“Já provamos que com 10% podemos fazer a diferença, agora cabe-nos dizer que queremos muito mais não para influenciar, mas para decidir a governação”. Ou seja, o BE quer mais força para governar, mas não para governar “em vão.” E assume o desejo de governar com todas as letras: “Queremos um governo de esquerda com um programa de esquerda.”

Moisés Ferreira, ministro da Saúde

Chegou ao Parlamento em 2015, com 29 anos. Para o cidadão comum era um perfeito desconhecido. Mas rapidamente se percebeu que internamente era tido como um dos deputados mais valiosos do Bloco. Prova disso foi o facto de ter integrado a delegação do partido para negociar as posições conjuntas com o PS logo naquele outubro quente. Estava no núcleo duro num dos momentos mais importantes da história do partido.

A segunda prova para Moisés Ferreira, tido como um dos quadros mais bem preparados do partido, foi a área que lhe atribuíram no grupo parlamentar: a Saúde. Um tema caro para o Bloco de Esquerda, que teve em João Semedo um dos maiores defensores do Sistema Nacional de Saúde. Um legado pesado para alguém que se estreava nas lides de deputado. Antes de ser eleito, tinha sido assistente parlamentar com as áreas da Economia e das Finanças, apoiando diretamente o líder da bancada, Pedro Filipe Soares.

Licenciado em Psicologia, Moisés Ferreira era conhecedor da área da Saúde. Mas mais do que a vertente profissional terá pesado o facto de ser uma figura que se prepara e documenta especialmente bem. Era uma aposta que, nas hostes bloquistas, era vista como segura e natural.

Ao longo dos últimos três anos bateu-se por várias causas: desde a legalização da canábis para fins medicinais até à coordenação da proposta dos bloquistas para a criação da nova Lei de Bases da Saúde.

Tem sido um acérrimo crítico da visão do PS do Sistema Nacional de Saúde. Já este sábado, na convenção do BE, o deputado, que também é vice-presidente da Comissão da Saúde no Parlamento, voltou a deixar críticas ao PS. “Os que defendam a lei de bases de Semedo e Arnaut, mesmo que o PS não queria, devem juntar-se ao BE. Dando mais força ao BE, o SNS será efetivamente melhorado”, disse.

Luís Monteiro, ministro do Ensino Superior

É o deputado mais novo do Parlamento e entrou para a história do Bloco de Esquerda por ter sido eleito com apenas 22 anos, batendo o recorde de deputado mais jovem eleito pelo BE.  Este dado deu-lhe logo algum mediatismo.

No grupo parlamentar, e por ser estudante, foi-lhe atribuída a pasta do Ensino Superior. Uma das causas que mais cedo tentou colocar na mesa de negociações foi o fim das propinas. Uma luta que permitiu fazer a pressão necessária para reduzir em mais de 200 euros o teto máximo das propinas. Este sábado, na sua intervenção na convenção, Luís Monteiro diz que esta foi uma vitória “histórica”: “um tiro no porta-aviões da estratégia neo-liberal da direita. Todos devem ter acesso a uma universidade pública de qualidade”, afirmou. “A proposta de baixar as propinas, ao contrário do que diz a direita reacionária representa a maior medida de apoio social a todas as famílias e a todos os estudantes que sonham estudar no Ensino Superior”, acrescentou.

Na eventualidade de um dia o Bloco de Esquerda poder colocar algum dos seus quadros no Ministério do Ensino Superior, provavelmente entraria na equação aquele que já esta na pole position.

Jorge Costa, ministro da Energia

É um dos pesos pesados do partido e um dos rostos nas negociações entre Bloco de Esquerda e PS. Tem vindo a ganhar destaque nos último anos e tem o respeito dos restantes partidos. Licenciado em Comunicação Social, foi na área da energia que acabou por se especializar e destacar. Este é, de resto, um tema a que o Bloco de Esquerda sempre deu prioridade. Catarina Martins, numa reportagem com o Observador, disse que a área da Energia iria entrar para o topo das causas do BE na próxima legislatura. Sendo Jorge Costa o rosto dessa área, é de prever que o destaque que lhe é dado também venha a aumentar.

Entrou para o Bloco de Esquerda pela mão de Francisco Louçã, com quem já tinha estado no PSR, mas foi com Catarina Martins ao leme que saltou para a primeira linha de combate, integrando a delegação do Bloco de Esquerda que negociou as posições conjuntas e a que tem estado a negociar os sucessivos orçamentos da presente legislatura.

Tem-se batido pela criação da taxa para as empresas produtoras de energias renováveis, que, apesar de ter sido chumbada na 25ª hora no Orçamento deste ano depois de uma cambalhota do Governo, voltou a entrar nas negociações com o Bloco.

Problema: não parece estar para aí virado. Questionado sobre a possibilidade de vir a fazer parte de um Governo com a pasta da Energia, na “Mini” entrevista do Observador, foi claro: “Não me revejo nessa função”. Embora ressalve que está muito preparado para qualquer função na área da Energia.