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"Brincar com o fogo". A jogada arriscada de Macron pode tornar Bardella primeiro-ministro, unir a esquerda ou lançar o caos

UN já publica cartazes a dizer "Bardella a PM". Esquerda quer frente unida, mas socialistas e melénchonistas disputam liderança. E, pelo meio, poucos entendem a decisão do Presidente de ir a eleições.

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Pouco passava das 14h30 da tarde desta segunda-feira quando a conta de X (ex-Twitter) da União Nacional (UN) publicou uma imagem já em campanha para as legislativas marcadas por Emmanuel Macron na véspera, perante o resultado das eleições europeias deste domingo. “BARDELLA, PRIMEIRO-MINISTRO”, podia ler-se em letras maiúsculas, por cima do rosto sorridente do jovem presidente da UN, de 28 anos. “Vote a 30 de junho e 7 de julho!”, acrescentava-se na publicação.

Tinham passado pouco mais de 12 horas desde que Bardella tinha garantido a sua reeleição como eurodeputado no Parlamento Europeu, alcançando um resultado histórico: mais de 30% para a UN — um resultado não alcançado por nenhum partido francês em Bruxelas desde 1984 — e o dobro do conseguido pelo Renascença, o partido do Presidente Macron. Nessa noite, Bardella apressou-se a exigir a convocação de legislativas nacionais, afirmando que o resultado revelava um Presidente “enfraquecido”. Apenas meia-hora mais tarde, Macron falava à nação e confessava ter concedido esse desejo à UN: dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições legislativas para dali a duas e três semanas.

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Se a antiga Frente Nacional de Marine Le Pen não estava à espera, disfarçou bem. O partido de extrema-direita apressou-se a divulgar os novos cartazes, a enumerar projetos para o programa eleitoral e a líder foi na noite desta segunda-feira à televisão anunciar que será novamente candidata à Assembleia Nacional (sempre de olho no Eliseu em 2027, é claro). “Domingo é o primeiro dia depois de Macron”, afirmou Le Pen.

Bardella já estende a mão a Marion Maréchal para aproveitar “oportunidade histórica” para a extrema-direita

Bardella, o menino-prodígio que pertence ao partido desde os 16 anos e que sempre foi cortejado pela líder, está pronto para saltar de Bruxelas para Paris, menos de 24 horas depois da eleição. E perante uma curta campanha de três semanas que se avizinha — cujo timing já foi criticado pela associação de autarcas de França (que temem não ter tempo de preparar tudo), mas sanado constitucionalmente pelos especialistas, a extrema-direita francesa já colocou toda a máquina partidária a funcionar.

No final da tarde desta segunda-feira, Bardella recebia na sede do partido uma convidada muito especial, que indiciava essa preparação: Marion Maréchal Le Pen, a sobrinha de Marine que bateu com a porta para se juntar ao Reconquista de Éric Zemmour (pelo qual foi eleita este domingo para o Parlamento Europeu), foi encontrar-se com os antigos colegas de olho numa solução conjunta. “Marion Maréchal tem uma atitude construtiva em relação à nossa campanha, o que não foi o caso de Éric Zemmour”, esclareceu Bardella à saída, garantindo que tenciona abrir a UN a “personalidades” que não lhe pertencem.

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Marion Maréchal foi à sede da União Nacional reunir-se com Jordan Bardella esta segunda-feira

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“Os nossos eleitores têm de se manter mobilizados, porque esta oportunidade é histórica”, avisou. Marion Maréchal parece estar praticamente contratada: à saída, falou num “desejo ardente” de unir UN ao Reconquista e repetiu a expressão “momento histórico”. “É altura de o discutir com Zemmour”, disse, admitindo que o partido de Le Pen impôs algumas condições (não tornadas públicas).

À direita, a grande aliança está em marcha, com Marion a anunciar que também se irá encontrar com Nicolas Dupont-Aignan, o autarca e líder do partido gaulista França de Pé. “Toda a direita deve conversar”, declarou.

A incredulidade até dentro do próprio partido e os “caminhos alternativos” que Macron podia ter seguido

No resto do espectro político, porém, ninguém parece compreender exatamente a decisão de Macron de convocar eleições que, à primeira vista, parece apenas favorecer a União Nacional.

Na noite eleitoral deste domingo, as palavras do Presidente foram recebidas com silêncio na sede de campanha do Renascença, a sua força política. “Não consigo acreditar nisto”, desabafou com o Le Point um ativista do partido após o discurso. “Estamos a recomeçar a 30 de junho uma guerra onde corremos o enorme de risco de perder. A UN está às portas do poder”, admitiu outro.

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Na sede do Renascença na noite eleitoral do domingo, a reação dominante era de incredulidade

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Em público, até figuras destacadas do partido, como Yaël Braun-Pivet, não apoiaram totalmente a decisão de Macron “Havia outros caminhos possíveis”, disse a antiga presidente da Assembleia Nacional numa entrevista na manhã desta segunda-feira à France 2. Ao mesmo canal de televisão, mas à noite, Raphaël Glucksmann — cabeça-de-lista dos socialistas reeleito para Bruxelas na véspera — foi ainda mais duro: “O Presidente da República está a brincar com o fogo. Brinca com as instituições como se fosse um miúdo”.

Palavras que não destoam do que foi escrito um pouco por toda a imprensa francesa. No Le Figaro, mais à direita, o consultor e ensaísta Édouard Tétreau decretou “o estranho suicídio do macronismo”. No liberal “Les Échos”, Christophe Jakubyszyn sentenciou que “por uma vez”, “Macron não procrastinou”. “Mas devia!”, escreveu o jornalista. À esquerda, a Nouvel Obs não hesitou em apelidar o Presidente de “engenheiro do caos”.

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A imprensa francesa foi muito crítica da decisão de Macron

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Tudo porque, como explicou o veterano especialista da Sciences Po Pascal Pérrineau, apesar de politicamente fragilizado pelo resultado destas europeias, o Presidente tinha alternativas à dissolução da Assembleia Nacional. “Para começar, podia não fazer nada e esperar. Quando a UMP perdeu as europeias em 1999 ou o PS em 2014, o Presidente não dissolveu”, resumiu ao Le Point. “Não havia nenhuma razão para Emmanuel Macron tomar esta decisão. Vinte e quatro milhões de franceses não votaram nas europeias. Qual é a pressa?”.

O desacerto é até interno, com o Renascença, partido de Macron, a manter uma posição ambígua sobre o que fazer nestas legislativas. Logo na noite de domingo, o secretário-geral do partido Stéphane Séjourné promoveu uma série de reuniões com outras forças políticas daquilo que classificou como “arco republicano” e que foi dos Republicanos (centro-direita) aos ecologistas. Segundo o Les Échos, prometeu que o partido não nomeará um candidato que defronte aqueles que estejam dispostos a trabalhar juntamente com Macron. Mas é difícil perceber como podem partidos tão diferentes concordar num candidato comum — e, logo nessa noite, os Republicanos disserem rejeitar completamente a proposta.

No dia seguinte, foi o próprio Emmanuel Macron a sondar a recetividade do campo dito “centrista”. Esta segunda-feira, o Presidente recebeu no Eliseu Séjourné e também Édouard Philippe (presidente do Horizontes, de centro-direita) e François Bayrou (líder do MoDem). Ambas as forças políticas apoiam atualmente o Renascença no Parlamento e sustêm assim o governo de Gabriel Attal, nomeado por Macron.

Esquerda quer “Frente Popular” — mas Socialistas e França Insubmissa já disputam liderança

Dificilmente há união suficiente ao centro para combater a extrema-direita, a avaliar pelos números registados nestas europeias. Razão pela qual, à esquerda, os pedidos repetem-se: “Façam uma Frente Popular”, apela o jornal Libération na sua capa desta segunda-feira — não clarificando se com ou sem o Renascença.

Os sinais ao longo desta segunda-feira, contudo, mostraram que a união entre partidos como os socialistas, o França Insubmissa (FI) e os ecologistas está longe de existir neste momento.

A meio do dia, uma das figuras destacadas do FI, François Ruffin, lançou uma plataforma de campanha onde pede essa “frente comum” à esquerda contra a extrema-direita e tenta recolher assinaturas. O líder do movimento é, naturalmente, ele próprio — muito embora o coordenador do partido seja Manuel Bompard, a cabeça-de-lista a estas europeias Manon Aubry e o fundador histórico Jéan-Luc Mélenchon.

Durante o dia, FI, Partido Comunistas e Ecologistas tiveram uma reunião para avaliar posições, mas não é certo qual o resultado. E, mais importante do que isso: o encontro não contou com a presença do Partido Socialista francês.

É que se ao longo dos últimos anos o partido mergulhou numa profunda crise, a campanha destas europeias liderada pelo carismático Raphaël Glucksmann fez os socialistas voltarem a sonhar com a possibilidade de serem a maior força da esquerda de França — afinal, ficaram a poucos pontos percentuais do Renascença.

E, na noite desta segunda-feira, Glucksmann deixou claro em entrevista à France 2 que reclama para si o cargo de líder desta “Frente Popular” de esquerda. “Não vamos refazer a Nupes”, disse, referindo-se à união que concorreu às legislativas de 2022 juntando os vários partidos de esquerda — mas que, crucialmente, era liderada não por um socialista, mas por Mélenchon.

“Há uma mudança no equilíbrio do poder. Eu lidero agora a esquerda”, decretou o eurodeputado socialista. De seguida, colocou em cima da mesa as condições que o PS impõe para essa união: apoio “inabalável” à União Europeia e à “resistência ucraniana”, rejeição das reformas nas pensões, imigração e subsídio de desemprego (propostas por Macron), aceleração da transição ecológica e “rejeição da brutalização da vida política”. “Sem essas condições, não faremos uma aliança”, garantiu.

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Os socialistas com Grucksmann e a França Insubmissa de Mélenchon querem ambas liderar a "frente de esquerda"

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O corte com as reformas do governo de Macron afastam à partida os centristas do Renascença. E, à esquerda, parece difícil perceber como irá a França Insubmissa concordar com um programa que colide com as suas posições, por vezes ambíguas em relação ao projeto europeu e muito críticas da atual política para a Ucrânia. O manifesto publicado pela FI durante a noite incluía precisamente “a recusa da escalada da guerra na Ucrânia” no texto.

Pelo meio, alguns vão pedindo a socialistas e mélenchonistas que se entendam. Para além do Libération, os Verdes — saídos de um dos seus piores resultados eleitorais de sempre nas europeias — fazem eco do pedido: “Todas as forças da esquerda têm de se unir. Temos apenas alguns dias para nos organizarmos e unirmos”, alertou o ex-candidato presidencial do partido Yannick Jadot. O antigo primeiro-ministro socialista, Bernard Cazeneuve, foi ainda mais longe e pediu um “governo de esquerda e mais além, com todos os republicanos ardentes, para manter o caos à margem”.

Ao final da noite, uma aparente solução de compromisso: socialistas, FI, comunistas e ecologistas anunciam um acordo para concorrer com um programa comum e candidato único por cada círculo eleitoral. O objetivo, dizem, é “a criação de uma nova frente popular que una todas as forças humanistas, associativas, cidadãs e de união de esquerda”. Resta saber como se irá articular uma Frente sem líder claro, pelo menos por enquanto — quem irá aos debates televisivos, por exemplo? É uma das questões que fica para já sem resposta.

Perante o cenário incerto, o prazo apertado e um Presidente cujas ideias ainda não são conhecidas, o resultado que sairá destas eleições é uma incógnita cujo potencial de impacto no regime — e até além fronteiras — é enorme. “A equação é muito simples. Ou a UN obtém uma maioria absoluta, Jordan Bardella é chamado ao Matignon e, num mês, França passa a ser governada pela extrema-direita”, alvitra o cientista político Pascal Pérrineau, abrindo-se um cenário de “coabitação” entre um Presidente de um partido e um governo de outro. Não seria inédito em França, mas seria a primeira vez em que um dos atores pertence à extrema-direita.

“Ou há uma maioria relativa e a situação que vivemos desde 2022 continua e piora. E respondemos ao caos com o caos”, acrescenta o professor. “O risco de maior bloqueio é elevado, porque o Artigo 12 da Constituição impede nova dissolução durante um ano. A crise política que vivemos agora pode vir a tornar-se numa crise de regime”, alerta. Pérrineau termina a declaração com uma frase que o candidato socialista lhe pediria emprestada horas depois, numa entrevista: “Emmanuel Macron está a brincar com o fogo.”

*Artigo atualizado às 23h20 para dar conta do acordo alcançado entre os partidos de esquerda na noite de segunda-feira

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