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Bugalho: o "novo Portas" ou o velho Sebastião?

O cabeça de lista da AD às europeias foi sempre visto como querendo ser "o novo Paulo Portas" — no jornalismo e agora na política. Pela pose, dizem que é um jovem, mas também velho. Como chegou aqui?

O jovem estudante de Ciência Política da Católica Sebastião Bugalho já tinha enviado textos de opinião para vários jornais — mas ninguém os publicava. Um dia, cruzou-se num restaurante com Vítor Raínho, então diretor do jornal i, e combinou enviar-lhe textos. Semanas depois já publicava naquele jornal: primeiro apenas no site, depois na edição em papel. Ganhou logo uma alcunha no meio. Por ser jovem, irreverente e de direita, chamaram-lhe o “novo Portas“. Por ironia, Bugalho acabaria por dizer, em outubro do ano passado, que só havia um nome que podia vencer as eleições europeias à direita: Paulo Portas, o original. Seis meses depois Montenegro fez outra escolha: Sebastião Bugalho, que já ganhou vida própria.

Os primeiros artigos no jornal i roçavam o naïf (“medíocres”, admitiria anos depois), mas havia qualquer coisa, como agora qualifica Montenegro, de “disruptivo”. A velha tendência para a mimetização de Portas — que preparou parte do percurso político no Independente antes de seguir para a política — chegou a ser flagrante e assumida. No Dia dos Reis de 2017, Sebastião Reis Bugalho decide reinar. Assina um artigo de opinião com o título “A estratégia do PS para 2017“, mas deixa a página em branco.

O artigo de opinião e Sebastião Bugalho no jornal i a 6 de janeiro de 2017

A primeira crónica de Paulo Portas no jornal Semanário, ainda antes de fundar o Independente, tinha sido exatamente assim. O título do artigo era “Os laranjinhas” e o espaço estava todo em branco — a ideia era mostrar que o PSD era de um grande vazio ideológico. Bugalho utilizaria a mesma estratégia mais de 20 anos depois. Já após a fase opiniador, Bugalho integra mesmo a redação e passa a fazer jornalismo nas redações gémeas do jornal i e do semanário Sol. Enfrenta, desde logo, anticorpos. Mas não se importa com isso. Convence-se de que é bom, dos melhores. E não tem pudor em dizê-lo e repeti-lo para quem o quiser ouvir. Na redação, fala de igual para igual com os mais velhos.

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Começa, por essa altura, a intensificar a sua rede de contactos, que já não são apenas impulsionados pelos conhecimentos dos pais (os jornalistas Patrícia Reis e João Bugalho), mas pelo seu trabalho e pelo seu padrinho no jornalismo, Vítor Raínho. “Ensinou-me tudo“, confessaria no Programa da Júlia há poucos meses. Apesar de arrogante, do nariz empinado, da pose de sabichão, os colegas de redação (“camarada” é um termo que, por evidentes razões, não utiliza) reconhecem-lhe “bom fundo”.

Sebastião Bugalho, um republicano, a celebrar a República, a 5 de outubro de 2017, numa tasca com Vítor Raínho

Há uma história contada ao Observador que exemplifica o lado mais voluntarioso: um dia, um colega teve de ir de emergência para o Algarve porque a avó, doente, piorou subitamente. A noite já ia longa e Sebastião Bugalho prontificou-se a levar o colega à estação de Sete Rios, onde poderia apanhar um autocarro. A meio caminho, Bugalho deu uma guinada no carro: “Não. Vou é levar-te ao Algarve”. Pôs-se a caminho pela A2 e acabou até por dormir no Algarve para na manhã seguinte deixar o amigo à porta do hospital.

No papel de jornalista, escreveu algumas peças que marcaram a atualidade política, como uma entrevista a André Ventura — que não foi tão importante no futuro político de Ventura como Sebastião Bugalho a costuma recordar — e o falso doutoramento de Feliciano Barreiras Duarte, então secretário-geral do PSD. Sobre esta última história, curiosamente, nos bastidores do partido, circulou de imediato que era um favor que o jornalista estava a fazer a Montenegro e/ou a Miguel Relvas para atingir Rui Rio. O artigo jornalístico era, no entanto, uma peça factual e de evidente interesse jornalístico.

Bugalho no arranque de Ventura

É num dos períodos como jornalista — enquanto integra a secção de política do jornal i, no verão de 2017 –, que Sebastião Bugalho faz uma entrevista marcante a André Ventura. O título da entrevista e as parangonas chocam uma parte da classe política: “Os ciganos vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado”. O agora candidato da AD às europeias costuma contar a história como se tivesse sido parte integrante do primeiro dia do resto da vida do Ventura mediático, mas não é bem assim.

Quando entrevistou André Ventura no podcast Os Protagonistas, da SIC Notícias, Sebastião Bugalho faz a introdução da seguinte forma: “Era assim que André Ventura candidato à autarquia de Loures, no verão de 2017, então apoiado pelo PSD, me dizia a mim, então um jovem jornalista, a sua declaração que o transportaria para uma notoriedade nacional.”

É verdade que ajudou, mas não foi Bugalho, como o próprio dá a entender, que começou o caso. Cinco dias antes da entrevista ao i já André Ventura tinha feito declarações similares em entrevista ao Notícias ao Minuto, em que disse, por exemplo, isto: “Não compreendo que haja pessoas à espera de reabilitação nas suas habitações quando algumas famílias, por serem de etnia cigana, têm sempre a casa arranjada”. A entrevista foi feita pela então venturóloga (conhecida pelas dezenas de notícias sobre Ventura que foi escrevendo) do Notícias ao Minuto e mais tarde todo-poderosa da comunicação do Chega, Patrícia Carvalho.

Quatro dias antes da entrevista ao jovem jornalista, já o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, chamava “Trump de Loures” a Ventura e o partido apresentava queixa na Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial. Quer isto dizer que a polémica já existia quando a entrevista saiu no jornal i, embora — e aí Bugalho tem razão — a capa ajudou a que o assunto ganhasse dimensão.

Bugalho chegou a ser visto como alguém com acesso a Ventura ou que, no mínimo, não lhe impunha uma cerca sanitária. Estiveram juntos várias vezes. Uma delas foi até noticiada pela revista Sábado quando, em fevereiro de 2018, jantaram no restaurante Bica do Sapato no aniversário do consultor de campanhas políticas João Gomes de Almeida. Agora, André Ventura reagia à escolha de Sebastião Bugalho como candidato da AD como uma escolha que “gera alguma perplexidade por ser o nome que semanas antes fazia a avaliação de debates televisivos entre líderes de partidos”.

Sebastião Bugalho, como jornalista, a entrevistar o ex-ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis

A televisão, a política, a televisão, a política

Um ano depois da entrevista a André Ventura, Sebastião Bugalho chega finalmente à televisão. No verão de 2018, o diretor de informação da TVI, Sérgio Figueiredo, que o conhecia através dos pais, de quem era amigo, fica fascinado com as capacidades do jovem. Convida-o para um programa semanal na TVI 24 onde, com outro jovem de 22 anos, António Rolo Duarte, debatia a semana política. Com o Novos Fora Nada, nome do programa, Bugalho chegava finalmente à televisão.

Mas o percurso não seria linear. Em 2018, Sebastião Bugalho afasta-se também do Sol e do i. E do jornalismo. Em entrevista ao Jornal Económico — onde diz coisas como não querer ser o “João Galamba da direita”  — explica que saiu do jornalismo não só por “dormir mal e comer a más horas”, mas pelo “esforço” de estar “24 horas por dia em todo o lado”. Em agosto desse ano começa a escrever como colunista no Observador e arranja empregos fora do jornalismo. Tem uma breve passagem pela câmara de Cascais e depois vai trabalhar para o escritório de advogados Morais Leitão. Onde também não fica muito tempo para corresponder a um novo velho chamamento: a política.

Apesar de ser jovem, a vida de Sebastião Bugalho é feita de altos e baixos. Um dos altos foi um convite que recebeu a 23 de janeiro de 2019. Assunção Cristas, como agora conta ao Observador, tinha sido entrevistada por Sebastião Bugalho e ficou “impressionada”. “Achei que tinha para a idade uma boa capacidade de análise e fiquei bem impressionada também com a pertinência das questões e os textos. Queria pessoas jovens e independentes nas listas, porque estávamos muito concentrados numa certa geração, e convidei o Sebastião”, recorda.

"Fiquei entusiasmada com a escolha de Sebastião Bugalho para cabeça de lista da AD, foi uma escolha de alguma maneira surpreendente. Foi uma escolha corajosa, com grande potencial. Fiquei bastante feliz."
Assunção Cristas, em declarações ao Observador

O encontro foi na pastelaria Versalhes, em Belém, e Cristas recorda agora que, quando convidou Sebastião Bugalho para sexto lugar na lista de Lisboa (lugar que julgava elegível), o jovem não hesitou um minuto. “Disse-me logo que sim.” Na versão de Bugalho, a resposta foi espirituosa: “Estava a ver que não me convidava.” Ao Observador, Cristas lamenta que “não tivesse corrido melhor” e elogia a escolha de Sebastião Bugalho para cabeça de lista às europeias pela AD, quase como se fosse o completar do projeto que ela mesma começou: “Fiquei entusiasmada, foi uma escolha de alguma maneira surpreendente. Foi uma escolha corajosa, com grande potencial. Fiquei bastante feliz.”

Voltando a 2019: Bugalho despediu-se e assumiu por completo o desafio de candidato às legislativas, mas acabara de fazer um adversário duro de roer. A sua primeira entrevista a um político tinha sido a Francisco Rodrigues dos Santos naquela que foi também uma estreia do então líder da Juventude Popular. Naquele que parece ser um padrão de Bugalho com entrevistados, ficaram próximos. Mas a amizade acabara agora. Francisco Rodrigues dos Santos exigia que os lugares para jovens fossem ocupados por membros da JP e não perdoou nem a Cristas, nem a Bugalho. A zanga entre ambos era tão evidente que, como contou o próprio Bugalho, Paulo Portas chegou a dizer-lhes em maio desse ano no dia do último comício das europeias: “Vá, vão lá fazer as pazes.” Não fizeram.

Em outubro, o resultado do CDS foi tão mau que nem Sebastião Bugalho (sexto em Lisboa) nem Francisco Rodrigues dos Santos (segundo no Porto) seriam eleitos. Francisco Rodrigues dos Santos chegaria a líder do CDS, mas, ainda antes de fazer um ano de mandato e ir a votos, Bugalho escrevia, já depois de trocar as colunas de opinião do Observador pelo Diário de Notícias: “É hora de ir embora, amigo”.

O texto, de janeiro de 2021, era duríssimo para Rodrigues dos Santos. Bugalho dizia que a liderança do CDS era unipessoal, classificava de embaraço o facto de o líder do CDS se ter oferecido como voluntário para as Forças Armadas e dizia que Francisco Rodrigues dos Santos estava, perante vitórias nas eleições regionais, a “bater palmas no próprio funeral”. Meses depois, com a saída de vários deputados, Bugalho teve a hipótese de entrar no Parlamento, mas entendeu não avançar — até por estar em guerra total com o líder. Parecia adivinhar: sem que nada o fizesse esperar, a Assembleia foi dissolvida dois meses depois por o PCP não ceder na aprovação do Orçamento.

A TVI, com uma nova direção de informação, começa a fazer uma remodelação e Bugalho regressa em força à televisão por essa altura. Fecha o capítulo político e começa um programa semanal, a Lei da Bolha, com o amigo socialista Sérgio Sousa Pinto, então moderado pelo jornalista Filipe Santos Costa.

O irascível comentador, as acusações de violência doméstica e o Tutti Frutti

Sebastião Bugalho vivia um novo grande momento mediático na TVI24, mas tudo voltou a ficar em risco. Dois meses depois do início da Lei da Bolha é noticiado que enfrenta acusações de violência doméstica. Bugalho era suspeito num inquérito aberto pela Divisão de Investigação Criminal da PSP.

Antes de a notícia sair, Bugalho terá recebido várias ameaças por email, que eram estendidas a pessoas próximas. Por esta altura, a direção de informação da TVI terá chamado o comentador a prestar informações, tendo ficado satisfeita com os esclarecimentos dados por Sebastião Bugalho, que continuou em antena. Em maio do ano seguinte, a queixa por violência doméstica acabaria arquivada por “falta de provas”. A autora da queixa (que era uma amiga da alegada vítima) não terá comparecido na altura de prestar declarações, o que ajudou a acabar com o processo. Isso e o facto de a própria visada nunca ter avançado com queixa nem com qualquer outra diligência. Segundo a revista Visão, que cita o Ministério Público, a então namorada de Bugalho “embora tenha prestado declarações, deixou de colaborar na investigação, não juntando as mensagens que denunciou, nem comparecendo na PJ para peritagem de telemóvel e não compareceu para inquirição”. A Visão citava ainda outra passagem do despacho do Ministério Público: “As testemunhas ouvidas não presenciaram agressões físicas, nem relataram factos que integrem crime de ameaça ou crime de injúrias”. Mas a suspeita ficou sempre colada à imagem de Bugalho.

Isso não o impediu, no entanto, de passar a ser um dos mais bem sucedidos comentadores da CNN Portugal, criada em novembro de 2021. O espaço público continuou, porém, atento às reações de Bugalho. Quando no programa Os Quatro, da TVI24, disse num tom mais assertivo Ó Anabela Neves, ó Anabela Neves” voltou a ser muito criticado.

Nada disso impediu Bugalho de fazer o seu caminho. De tal forma que, no auge da notoriedade na CNN Portugal, protagonizou uma transferência digna de Cristina Ferreira: saiu para a SIC Notícias como uma estrela. Na base da decisão terá estado o sonho de escrever no Expresso, semanário que admirava por inspiração do avô Reis. Isto porque a ida para a Impresa incluía escrever no Expresso e comentar na SIC Notícias. Profissional e atento às audiências, manteve as taxas de sucesso elevadas tendo em conta os critérios de um canal noticioso.

Já como comentador na SIC, Sebastião Bugalho protagonizou um novo momento que circula como viral no Tik-Tok, num debate aceso com uma das chefes que mais lhe tinha dado na cabeça nos tempo do jornal i, a jornalista Ana Sá Lopes. Bugalho defendia na altura que Mariana Mortágua tinha dito mentiras no debate com André Ventura, o que a hoje grande repórter do Público negava. Mais uma vez o tom e a postura do comentador provocaram críticas.

Haveria outro momento de altercação em direto, com o antigo secretário de Estado do PS Miguel Prata Roque. “Está a enganar o telespectador. Não engane o telespectador”, disse Bugalho num tom exaltado. No dia seguinte, o antigo governante aproveitaria o fantasma das acusações a Bugalho para referir-se, numa publicação do Instagram, à “violência doméstica” que dizia ter acontecido nos estúdios da SIC. Não voltaram a cruzar-se em direto.

Fora do ar, os problemas não vieram tanto da relação conflituosa com políticos, mas da proximidade com os mesmos. No verão de 2023, viu-se envolvido na Operação Tutti Frutti, surgindo nas escutas telefónicas a Carlos Eduardo Reis, cuja imunidade parlamentar foi levantada esta terça-feira precisamente para ser constituído arguido nesse processo.

As escutas apanharam mensagens escritas em que Carlos Eduardo Reis terá pedido o NIB a Sebastião Bugalho porque tinha “uma loja para despachar” e acrescentava: “O que me pediste primo“. Ora, primo é uma piada entre ambos porque Sebastião Bugalho também é Reis de apelido, algo que a PJ não sabia. Os investigadores fizeram uma leitura aparentemente criativa de que o deputado do PSD estava a “utilizar a conta do primo para esconder movimentos bancários”.

Sebastião Bugalho terá explicado à Sábado, que noticiou o caso, que apenas se tratava da devolução de dinheiro que tinha emprestado a Carlos Eduardo Reis quando este se esqueceu da carteira em casa após uma noite em que ambos tinham conversado sobre política. Não se conhecem novos desenvolvimentos sobre este detalhe do processo, mas o caso teve um avanço importante esta semana com a entrada dos pedidos de levantamento da imunidade de três deputados do PSD.

Pela boca morre o candidato?

Sebastião Bugalho sofre do pecado dos políticos-comentadores: tudo o que disse e escreveu como comentador pode ser usado contra ele como político. A mais flagrante dessas declarações é relativamente ao cargo a que se candidata. A 11 de outubro, Sebastião Bugalho disse o seguinte na SIC Notícias:

“Este talvez seja um ‘primeiro estranha-se, depois entranha-se’, mas só vejo um nome capaz de disputar aquela eleição pelo espaço da direita democrática, que é Paulo Portas. Tudo o resto parece-me ser uma escolha entre a derrota flagrante e a derrota honrada. Aí também há outras opções, mas eu não quero ser antipático e dizer quem é que poderia ser.”

A menos que a antipatia fosse indicar o seu próprio nome, o Bugalho comentador admitia que só Paulo Portas podia levar a AD a vencer as eleições. Mas há um detalhe: nessa altura, o governo de Costa ainda não tinha caído, nem se sabia que haveria legislativas antes das europeias. Foi precisamente esse contexto que Bugalho alegou na primeira entrevista como candidato, à SIC Notícias, nesta quarta-feira.

Há depois, ainda, as opiniões sobre o novo chefe, Luís Montenegro. Em junho de 2023, num artigo de opinião na CNN, Sebastião Bugalho criticava o líder do PSD por não se lhe conhecerem opiniões sobre vários temas — ou, pior, por ter opiniões mas elas serem irrelevantes:

“A questão não está, portanto, no que Luís faz ou não faz – porque, no geral, tem feito o que pode com aquilo que lhe deixaram. A questão está no que Luís é ou não é – e naquilo em que acredita. Por ordem, se enumerarmos as possibilidades negligenciadas de convicção, a lista não é animadora. Aeroporto. Conversar com o governo, sim. Posição sobre a localização, não. Regionalização. Referendo, nem pensar. Posição sobre a matéria, idem. Eutanásia. Referendo, absolutamente. Posição sobre a matéria, próximo mas… não (…) Como é evidente, a margem de manobra e a gravidade de cada uma destas circunstâncias são díspares e muitas vezes desproporcionais. Mas todas transmitiram ao eleitor uma sensação letal para o presidente do PSD: a de que o cavalheiro ou não tem opinião ou, se tem, é indiferente para o desenrolar dos acontecimentos.”

Sebastião Bugalho fala assim na “sensação letal” que os eleitores teriam de Montenegro e chega mesmo a questionar: “Como pode o cidadão acreditar em Luís Montenegro quando nem ele acredita suficientemente em si mesmo para se permitir acreditar em alguma coisa?”.

Num ensaio que escreveu há pouco mais de um mês no Expresso, Sebastião Bugalho faz várias apreciações daquilo que é o rumo, a estratégia e a batuta da ação política de Montenegro. O agora candidato às europeias diz que, “em Almada”, onde foi o Congresso a 25 de novembro, “do alto da sua improbabilidade, Montenegro presidiu ao maior recentramento ideológico do PSD, não só desde a troika, como desde a era de Mota Pinto”.

Numa alusão invertida à célebre frase de Nanni Moretti, Bugalho escreve que, no processo de recentramento ideológico,  “a única coisa de ‘direita’ que Luís Montenegro ousou representar foi a oportunidade de alternância ao PS, ao fim de nove anos”.

Nesse mesmo texto, o agora cabeça de lista da AD às europeias faz uso de uma metáfora para dizer que Montenegro “é quase como se estivesse constantemente num torneio de póquer em que faz o all-in sem que os seus adversários saibam exatamente quantas fichas estão em cima da mesa — muitas vezes, nem o próprio sabe”. E acrescenta: “Montenegro fê-lo na sua dramatização de apelo ao voto útil, prometendo só governar sendo o mais votado e nunca com o apoio do Chega.”

Além do risco, Bugalho descobriu outro traço que caracteriza o novo Montenegro:

“É um indivíduo profundamente obstinado, apesar de flexível. Quando a equipa de consultores de campanha chegou do Brasil à São Caetano à Lapa, seguiu o seu guião à risca. A taxa de rejeição era para manter o mais reduzida possível. Nos debates, em que quase passou despercebido, não se desviou um milímetro dessa estratégia. Enquanto Pedro Nuno brilhava para a sua plateia, Montenegro nem contra um cerco policial se pronunciou. Era o posicionamento não posicional a não arredar pé. E, até ao último minuto da campanha eleitoral, nunca saiu dele.”

Sebastião Bugalho, em dezembro, falava com alguma condescendência de Luís Montenegro, dizendo que a forma coloquial que utilizava era uma maneira de compensar a monotonia do conteúdo. As palavras foram as seguintes:

A sua forma muitas vezes coloquial (“a Cinderela”, “o gonçalvismo”) não visa mais do que compensar a monotonia do conteúdo; como se a expressividade fosse a única ponte que Montenegro ousa à direita do centro.”

Nesse mesmo texto , Bugalho referia-se até a Luís Montenegro como “um António Costa sem casos, sem chatices, sem instabilidade”. Ou melhor: “Uma continuidade com competência ou, oxalá, menos negligente.” O agora candidato da AD, ainda antes das eleições, resumia assim o papel de Montenegro na corrida a dois para liderar o país: “O PSD mostra inércia para tentar a mudança.”

Há mais, muito mais, de Bugalho sobre Montenegro. Umas tiradas mais elogiosas, outras menos. Mas há sempre uma certa desvalorização velada de Montenegro, que é apresentado como um político sem grande substância, que sacrifica a ideologia ao pragmatismo e até com pouca bagagem intelectual (daí, o “coloquial”). Resta saber se o líder do PSD leu tudo o que o comentador escreveu, mas também não parece importar-se com isso. Sobre a Europa, conheciam-se, até ser candidato, poucas reflexões, a não ser a que disse no Programa da Júlia: “Sou europeísta“.

A arrogância de futuro e a ostentação que cabe num Nissan Micra

Sebastião Bugalho vai negar até ao fim se lhe perguntarem. Mas, mesmo entre os seus amigos, há quem saiba que tem um desejo de chegar ao topo do topo: primeiro-ministro. Vai comentando — com os que com ele conspiram e debatem política quando o provocam — que não tem perfil para cargos executivos. O topo do topo, então, seria Presidente da República. Mas isso é um cargo para o qual Sebastião Bugalho não tem, mesmo, idade legal. Nem seria, para citar o seu guru inspiracional Portas, a sua praia.

Entre dirigentes e figuras de topo do PSD já há quem tenha comentado que “Montenegro pôs a raposa no galinheiro”. Que Sebastião Bugalho “quer ser primeiro-ministro” e que este é apenas o primeiro passo de uma ambição desmedida. O líder do PSD nem sequer coloca Bugalho no seu campeonato e a hipótese de um dia querer ser primeiro-ministro não é para ele uma preocupação. A ser candidato a primeiro-ministro ou candidato a líder do PSD, não será no tempo de Montenegro. Para já — não é que isso seja grande obstáculo — nem sequer militante é. Mas, se conseguir vencer umas eleições de círculo nacional com o PSD, isso dá-lhe capital político.

Bugalho é muito confiante, embora quando escreve textos de opinião goste de os enviar previamente a vários amigos. Parece altivo, mas sabe ouvir. Movimenta-se nos restaurantes da moda, mas não dispensa uma boa tasca. Tem amigos influentes, mas não olha à condição económica na hora de classificar alguém como amigo. E tem muitos. Tem salário para um carro de luxo, mas anda de Nissan Micra. É vaidoso, faz auto-retratos laudatórios, mas acaba por fazer muitos mais elogios aos outros do que acabam por lhe fazer a ele. Deslumbra-se com facilidade. É comentador, mas também político. É jovem, mas também velho. Eis Bugalho, o candidato da AD às europeias, o neo-Portas que pode chegar mais longe que o original.

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