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Fernando Tomaz

Fernando Tomaz

Bundas no chão. Anitta está a caminho e vem malandra

A diva do funk parte à conquista da Europa e começa em Lisboa, já este domingo. O caminho que a trouxe até aqui é o da provocação, mas a mensagem é feminista. O Observador conversou com Anitta.

A música ainda nem arrancou e a câmara já está apontada ao rabo e às coxas da protagonista. O primeiro e único plano resume-se às curvas voluptuosas de Anitta e à celulite que optou por não esconder nem retocar. O vídeo de “Vai Malandra” chegou ao YouTube no dia 18 de dezembro de 2017 e quatro dias depois já tinha sido visto 30 milhões de vezes. A isto se chama lacrar, pelo menos no Brasil. A obra-prima, realizada pelo fotógrafo norte-americano Terry Richardson e e filmada na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, prossegue com natural e coerente desenrolar da ação. Trinta segundos depois, Anitta surge com as amigas na laje. E que bem que estão. Saradas, hidratadas, com unhas feitas a preceito e biquínis em fita isoladora. A exposição despudorada do seu corpo, o rebolar insinuado e a própria da celulite geraram elogios e críticas maliciosas. Tal como o próprio quotidiano da favela, tudo naqueles quase três minutos e meio é real.

“O natural é bonito. Se eu me sinto bem com minha celulite, é o que de fato importa. Se eu inspirei alguém com isso já fico feliz”, admite a cantora numa entrevista ao Observador. Mostrar o corpo nunca foi problema. Usar as habilidades físicas para dar força ao espetáculo, muito menos. Afinal, a sexualização do corpo, sobretudo do feminino, está enraizado no funk e, como sua embaixadora, Anitta abraça-a e explora-a. Para a cantora de 25 anos, é isso ou ver-se privada da sua liberdade de expressão. “Meu espetáculo é minha arte. Música, música pop, funk, dança, seja ela sensual ou não, também é arte”, afirma.

“Enquanto houver barreiras haverá preconceito e machismo e nós mulheres não devemos nos preocupar com elas quando o assunto é sermos nós mesmas. Vestidas ou de micro biquíni. Foram demasiados anos até as mulheres atingirem muitos direitos para hoje ainda falarmos sobre fronteiras. Enquanto a sexualidade da mulher for vista como insulto, estaremos perdendo nossa batalha e a de muitas mulheres que até aqui tentaram fazer com que esse tipo de questionamento fosse evitado na sociedade”, continua. Uma sociedade com os dois géneros em pé de igualdade é, aliás, um tema recorrente nas entrevistas e declarações públicas da cantora. Consequência disso ou não, as polémicas acompanham-na. Em maio deste ano, numa entrevista à edição mexicana da revista GQ, Anitta confessou adorar ver pornografia. “Se eles veem, é o mesmo para nós”, justificou.

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"Enquanto houver barreiras haverá preconceito e machismo e nós mulheres não devemos nos preocupar com elas quando o assunto é sermos nós mesmas. Vestidas ou de micro biquíni".

Diz que gosta de levantar debates e que o faz, principalmente, através das letras das suas músicas. O público jovem pode não ter paciência para ver telejornais ou para ler crónicas em jornais, mas o funk também pode passar uma mensagem, é o que acha Anitta e é o que acham os cérebros de Harvard. “Eu tento falar indiretamente com eles, sem que percebam que estou falando de coisas sérias. Por isso ponho celulites no clipe, Amazónia no clipe, favela no clipe, uma drag queen, a Pabllo Vittar… Tudo é para gerar debate, induzir uma discussão saudável”, afirmou a cantora numa entrevista à Globo, no início deste mês.

Em abril, foi convidada para dar uma palestra em Harvard. Em cima da mesa, esteve a alma do funk, a crueza da letras e o percurso de uma miúda que cresceu nos subúrbios do Rio e hoje é uma diva seguida por milhões. “É muito difícil você cantar sobre o barquinho que vai e a tardinha que cai se você nunca viu essas coisas. O funkeiro canta a realidade dele. Se ele acorda, abre a janela e vê gente armada e se drogando, gente se prostituindo, essa é a realidade dele”, afirmou durante a conferência, citada pela Folha de São Paulo.

Anitta atua pela primeira em Portugal (e na Europa) no próximo domingo, o único dia esgotado desta edição do Rock in Rio Lisboa © Alexandre Schneider/Getty Images

Getty Images

Na verdade, Larissa de Macedo Machado, o verdadeiro nome da artista, sempre sonhou ser cantora. Em 2013, o tema “Show das Poderosas” fez dela uma celebridade à escala nacional, mas não só. Foi quando, deste lado do Atlântico ouvimos falar de Anitta, que dois anos antes tinha acrescentado um segundo “t” ao seu nome artístico, pela primeira vez. Antes disso, tinha passado pelas mãos de vários produtores. O sucesso não veio à primeira, mas a cantora perseguiu o título que tem hoje, o de rainha do funk. “Na verdade, nunca fiz meu trabalho pensando em ser famosa. Meu desejo de cantar e de fazer o que eu realmente gostava sempre foi o que me moveu. Entre ser descoberta e o lançamento de ‘Show das Poderosas’ foram três anos cantando em bailes funk até conseguir meu primeiro contrato com uma gravadora”, conta ao Observador.

O sucesso do single foi esmagador. Nesse ano, a música foi a terceira mais tocada nas rádios brasileiras e entrou para a lista das dez mais tocadas na Argentina, em Portugal e em Espanha. Depois desse, vieram outros e com o nome Anitta o próprio funk foi saindo da América da Sul. Nos últimos três anos, em vez de álbuns, a cantora optou por lançar singles isolados, marcados por colaborações internacionais. A temporada culminou com o projeto Check Mate, quatro músicas lançadas entre setembro e dezembro, uma por mês — “Will I See You”, o primeiro tema que cantou em inglês do princípio ao fim, com o produtor norte-americano Poo Bear, “Is That For Me“, com o DJ sueco Alesso, “Downtown”, que a juntou ao colombiano J. Balvin, e “Vai Malandra”, com MC Zaac, o DJ Yuri Martins e a dupla Tropkillaz.

"Já sofri muito preconceito por ter sido pobre e por ser mulher e cantar funk".

Há dois anos, Anitta cantou com Caetano Veloso e Gilberto Gil na abertura dos Jogos Olímpicos do Rio Janeiro. Na mesma altura, lançou o tema “Sim ou Não”, com o colombiano Maluma. No verão passado chegou “Na Sua Cara”, um hit, mais do que dançante, requebrante e que a juntou ao trio eletrónico Major Lazer. Pabllo Vittar foi o co-protagonista da música e do vídeo. A drag queen mais popular da cena musical brasileira teve na colaboração um rampa de lançamento. Curiosamente, Pabllo está em Lisboa por estes dias, mas não há qualquer confirmação de que irá participar no concerto do próximo domingo, no Parque da Bela Vista. “O brasileiro vem aprendendo muito sobre a diversidade. Convidei a Pabllo porque ela é uma cantora incrível, não me preocupei se o Brasil estava preparado. Isso não importava nem importa para mim”, explica Anitta.

Com o espetáculo de domingo, no Rock in Rio Lisboa, Anitta pisa pela primeira vez um palco europeu. A presença da artista nesta edição do festival está, ela própria, envolta em polémica. Apesar dos pedidos dos fãs, a cantora não fez parte do cartaz da última edição no Brasil, em setembro do ano passado, nem mesmo como substituta de Lady Gaga, que cancelou o espetáculo. Na época, o mentor do evento Roberto Medina justificou a decisão afirmando que o estilo musical da carioca não se encaixava no perfil do festival. “Já sofri muito preconceito por ter sido pobre e por ser mulher e cantar funk”, admite Anitta. Parece que, em menos de um ano, muita coisa mudou e cá está ela, em Lisboa, a atuar no mesmo palco de Bruno Mars, Muse e Katy Perry. No dia 28 de junho, a cantora enche o Royal Albert Hall, em Londres, dois dias antes atua em Paris, no Le Trianon.

Depois do concerto em Lisboa, até ao fim de junho, Anitta dá mais dois concertos na Europa, em Paris e em Londres © Fernando Tomaz

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Com 29 milhões de seguidores no Instagram, Anitta recebe constantemente reações à sua boa forma física. Por outro lado, nos últimos anos, multiplicaram-se os rumores de cirurgias plásticas feitas pela cantora. Multiplicaram-se, mas só até a artista ter falado publicamente sobre o tema, o que aconteceu em fevereiro deste ano, numa entrevista à edição brasileira da revista Marie Claire. Começou por explicar que, durante anos, não gostou do seu nariz e das suas mamas, razão pela qual se submeteu a duas intervenções cirúrgicas, uma de correção e outra de redução. “As primeiras cirurgias que realizei no nariz e nas mamas foram por estética, mas tive que corrigi-las porque ficaram malfeitas. A do nariz me prejudicou até no trabalho. Me esforçava muito para cantar porque o canal da respiração ficou estreito e vivia com as amígdalas inchadas”, afirmou na entrevista. Depois disso, fez ainda uma lipoaspiração ao abdómen e, por sugestão de um médico, começou a fazer pequenos retoques periódicos nos lábios. “Sou verdadeira. O corpo é meu então, se eu quiser fazer, farei”, conclui em conversa com o Observador.

Depois de já ter estado em Portugal a passear, Anitta volta agora para atuar pela primeira vez. Numa fase da carreira em que aposta em força nas colaborações com outros nomes, foi inevitável tentar perceber com que artista português seria o dueto de sonho. A resposta foi surpreendente: “São muitos, mas acho o trabalho do António Zambujo incrível”, afirmou. Já estamos imaginar o show de bunda no sete. Taca, taca, taca, taca.

O Rock in Rio está de volta. Veja aqui o cartaz completo do primeiro dia do festival

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