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JOÃO RELVAS/LUSA

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Caos no BES. Travão a fundo de Carlos Alexandre a Salgado (e não só) para evitar derrapagens

Defesa queria pelo menos um ano e dois meses para poder preparar o requerimento de abertura de instrução, mas juiz negou. Nos últimos dias outros três arguidos pediram tradução de todo o processo.

Ricardo Salgado queria que lhe fosse dado pelo menos um ano e dois meses no processo principal do BES para apresentar o requerimento de abertura de instrução (a fase facultativa em que se decide se o caso deve ou não seguir para julgamento). E não foi o único: os arguidos Manuel Fernando Espírito Santo, que liderava um dos cinco ramos familiares e desempenhara vários cargos no GES; Cláudia Faria, antiga diretora do Departamento de Gestão da Poupança do BES; e António Soares, ex-administrador financeiro do BES Vida, também pediram prorrogação do prazo, ainda que por períodos mais curtos. Mas o juiz Carlos Alexandre já decidiu e a decisão não é passível de qualquer recurso: os arguidos terão apenas o prazo determinado por lei — 50 dias após a última notificação, que será a dos arguidos suíços, dada a necessidade de tradução da acusação (proferida em julho) para francês. E mais: o magistrado deixou claro que não será por si que este processo se vai arrastar anos na Justiça.

“Os presentes autos de inquérito contam já com seis anos e têm sido bastas as referências, no espaço público, no sentido de os tribunais providenciarem pela rapidez no tratamento do processo, circunstância que enjeitamos e para a qual pretendemos não contribuir”, afirmou o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal num recente despacho.

Carlos Alexandre acrescenta que, não sabendo ainda quando as traduções estarão concluídas, não podia contribuir para uma indefinição da situação — e, por isso, determinou já o prazo que será concedido.

Ricardo Salgado foi acusado de 65 crimes, entre os quais corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, infidelidade e branqueamento de capitais. O Ministério Público considera que liderou uma associação criminosa para desenvolver “propósitos egoístas de enriquecimento patrimonial”, em prejuízo do próprio património do Banco Espírito Santo.

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Mas os pedidos que fazem prever uma instrução — e, se for caso disso, um julgamento — mais distante não ficam por aqui. É que, já depois desta decisão desfavorável a Ricardo Salgado e aos arguidos que pediram prorrogação, os arguidos de nacionalidade suíça Alexandre Cadosch, Michel Charles Creton e ainda a sociedade Eurofin fizeram saber nos últimos dias que a partir de agora passam a querer ser notificados na Suíça, e não no escritório do seu advogado em Portugal. E exigiram algo inédito: a tradução não só da acusação, como dos muitos milhares de páginas do processo — o que incluirá anexos, apensos e escutas. Justificam que qualquer outra solução ofenderá as suas garantias de defesa.

Alexandre Cadosch foi acionista de diversas sociedades financeiras, como a Eurofin, e chegou a trabalhar para a entidade que viria a dar lugar à ESI Suíça, e Michel Charles Creton fez parte de sociedades financeiras que giravam em torno do grupo liderado por Ricardo Salgado.

Ou seja, apesar de até aqui as notificações seguirem para a morada do escritório do advogado de ambos em Portugal, endereço dado inclusivamente para efeitos de concessão da medida de coação — Termo de Identidade e Residência —, os arguidos dizem agora que querem que tudo tramite por carta rogatória, dado que a sua residência é na Suíça.

Espera-se agora a posição do Ministério Público sobre este requerimento.

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

O “computador ultrapassado” do DCIAP e o exemplo do Marquês: as queixas de Salgado

Mas vamos por partes: Ricardo Salgado, cuja defesa é liderada pelo advogado Francisco Proença de Carvalho, já apresentou três requerimentos desde a acusação. No primeiro pediu ao juiz de instrução que decidisse sobre as nulidades invocadas pelo antigo presidente do BES a 10 de julho, dia em que foi presente a um interrogatório complementar. Isto porque o antigo presidente do Banco Espírito Santo afirma que não teve acesso à íntegra do processo antes do interrogatório e que não lhe foi dado acesso a elementos do processo que indiciam os factos imputados.

Depois, no final de agosto, pediu uma prorrogação para 14 meses do prazo para apresentação do requerimento de abertura de instrução, não fechando a porta a que fosse preciso ainda mais tempo: “Sem prejuízo da eventual revisão da questão do prazo quando seja facultado às defesas acesso integral aos meios de prova e disponibilizadas respetivas cópias em suporte digital (para efeitos de ser determinado um prazo superior), o prazo razoável para o ora arguido exercer o seu direito de requerer a abertura de instrução é de, pelo menos, 14 meses”. E a defesa dá como exemplo a Carlos Alexandre o que se passou no caso que envolve José Sócrates: “O próprio Tribunal Central de Instrução Criminal já admitiu a prorrogação do prazo para requerer a abertura de instrução num prazo superior aos 30 dias previsto”. E conclui que o processo BES ainda se “afigura mais complexo, denso e extenso” do que a Operação Marquês.

No mesmo documento são reforçadas ainda as dificuldades de acesso a todos os elementos de prova e volumes do processo, em suporte digital.

Salgado recorda mesmo que a consulta do processo por parte dos arguidos foi fortemente condicionada durante a investigação pelas limitações de recursos informáticos: “O computador portátil disponibilizado pelo DCIAP é um computador manifestamente ultrapassado.”

“Trata-se de um computador portátil antigo, que não suporta a movimentação ininterrupta e fluente dos ficheiros pdfs, atenta a sua pesada dimensão informática (até porque se encontram em formato editável), com uma ventoinha que se faz ouvir com uma frequência assinalável”, descreve no requerimento.

“Acresce que as funcionalidades do próprio rato que é disponibilizado com o referido portátil tão-pouco funciona devidamente, desde logo porque o respetivo scroll não funciona ou, de vez em quando, funciona com deficiências.” A isto acrescenta o reduzido número de computadores para todas as defesas.

Estas reclamações para o juiz surgiram depois de um despacho do Ministério Público a indeferir a nulidade do interrogatório de Salgado pedida pela defesa. Mas o resultado acabou por ser o mesmo, o juiz decidiu manter a posição do Ministério Público, de que os arguidos sempre tiveram acesso ao processo, citando Paulo Pinto de Albuquerque: “A competência do juiz de instrução não deve constituir oportunidade para ele se alçar senhor do inquérito, o que aconteceria se o juiz se colocasse numa posição de sindicante permanente da atividade do Ministério Público”.

O terceiro e último requerimento apresentado tem como objetivo uma insistência, ou seja, a contestação do despacho de Carlos Alexandre, datado de 16 de setembro: “O indeferimento da concessão da prorrogação de prazo para requerer a abertura de instrução para além do limite máximo de 30 dias […] determina a sua nulidade”.

A saga das traduções e da carta rogatória

O Observador sabe que o Departamento de Investigação e Ação Penal (DCIAP) entregou parte das traduções da acusação, necessárias para a notificação dos arguidos estrangeiros a uma empresa e à Polícia Judiciária. Mas o volume de trabalho desta polícia impossibilitou-a de executar tal tradução, o que levou a que acabasse por ser também essa parte adjudicada posteriormente a uma entidade externa.

Se tudo continuasse como até aqui no processo, assim que as traduções fossem entregues, o escritório de advogados dos cidadãos estrangeiros receberia a notificação em nome dos arguidos e o prazo para a entrega dos requerimentos de abertura de instrução começaria a contar.

TIAGO PETINGA/LUSA

Mas a recente alteração requerida pelos arguidos, para serem notificados no seu país de origem — não na morada que deram inicialmente ao Ministério Público — e com a tradução na íntegra do processo, deverá fazer com que o caso se arraste por muito mais tempo. Primeiro, porque é previsível que só a tradução da íntegra do processo não seja pacífica por não ser norma. E, caso exista uma decisão negativa, o mais certo é que surjam recursos para instâncias superiores. Depois, ultrapassada essa questão, a expedição da carta rogatória para as autoridades helvéticas também levará o seu tempo.

Ministério Público assume dificuldades na tramitação do processo. Reforços para breve

“Continua a identificar-se dificuldade na tramitação do processo, com a apresentação de inúmeros requerimentos, autuação nos autos principais de pedidos de constituição como assistentes de queixosos em inquéritos já apensos, e contrariamente ao que já havia sido determinado”, começa por referir o procurador do DCIAP numa promoção que consta no processo.

Adianta que, “além do mais, nas interpelações que a secção está a fazer aos inúmeros pedidos de consulta, ou de constituição como assistentes, ou ainda concessão de prazos nas mais variadas circunstâncias, no intuito de ser apurado se os requerentes em causa já tiveram intervenção nos autos, não está a ser feita expressa menção ao nome dos requerentes, mas sim ao dos advogados que fazem chegar ao DCIAP, para o efeito, mensagens de correio, ou requerimentos em representação mais do que um cliente”.

Salientando o empenho dos oficiais de justiça, o procurador diz mesmo que “o modo como esta interação está a ser mantida dificulta a tarefa de saneamento do processo”: “Relevam-se, não obstante, os reparos que estão a ser feitos já que se reconhece o enorme esforço que está a ser feito pelos senhores oficiais de justiça, perante as suas condições de trabalho, manifestamente desajustadas ao cumprimento de um processo como o presente, agravadas com a imposição de regras de proteção individual.”

O procurador revela ainda que já foi dado conhecimento do atraso nas notificações ao diretor do departamento, havendo já indicação de que haverá em breve um reforço operacional na secretaria. “Anota-se que já foram apresentados pedidos de indemnização civil por mais de 1000 sujeitos”, entre empresas e pessoas.

A acusação do DCIAP tem já três meses

Em julho, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) deduziu acusação contra 25 arguidos, 18 pessoas e 7 empresas, no âmbito do processo principal do designado ‘Universo Espírito Santo’.

Em causa estão crimes de associação criminosa, de corrupção ativa e passiva no setor privado, de falsificação de documentos, de infidelidade, de manipulação de mercado, de branqueamento e de burla qualificada contra direitos patrimoniais de pessoas singulares e coletivas.

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“O inquérito teve origem em notícia divulgada a 03.08.2014 sobre a medida de resolução do, então, BES e visava o apuramento de um conjunto de alegadas perdas sofridas por clientes das unidades bancárias Espírito Santo. Foi posteriormente adquirida notícia da resolução e liquidação de inúmeras entidades pertencentes ao então Grupo Espírito Santo, no Luxemburgo, Suíça, Dubai e Panamá, a par da apresentação à insolvência de várias empresas do mesmo Grupo em Portugal”, referiu na altura o DCIAP.

A investigação centrou-se nos “dados patrimoniais de um conjunto de empresas do Grupo em questão, incluindo unidades com licenças públicas para o exercício de atividade bancária e de intermediação financeira”. E verificou-se uma grande “dispersão territorial dos factos em investigação”, obrigando a uma cooperação judiciária internacional. O inquérito terminou, tendo porém, sido excluída a “situação que envolve instrumentos de dívida e de capital da ESFG, holding financeira de topo do Grupo, com participações em várias unidades bancárias”.

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