Filipe Lobo d’Ávila vai sair do Parlamento, mas diz que não tem “como objetivo pessoal ser líder do CDS ou ser líder da oposição interna no CDS”. O deputado mais crítico do CDS diz no Carpool do Observador que não vai “passar um cheque em branco” à liderança. Deve apresentar listas aos órgãos do partido. Elogia a intervenção de Assunção Cristas. Mas continua a dizer que o partido tem de deixar de ser “unipessoal” e de depender tanto da imagem dos líderes.
É um assumido crítico de Assunção Cristas. Gostou do discurso da líder do CDS?
Gostei. Foi um discurso normal para abertura de Congresso. Foi um discurso intimista, um discurso de mobilização das tropas e com algumas novidades interessantes.
O que destacava?
Há dois ou três aspectos que achei interessantes. Por exemplo, quando a presidente do partido anunciou que ia colocar a votação do Programa de Estabilidade e Crescimento com propostas concretas. Quando a presidente do partido anunciou a constituição de um grupo de trabalho para a elaboração de um programa eleitoral que é dirigido por Adolfo Mesquita Nunes e que conta com um conjunto de pessoas que conhecemos há muitos anos. É uma boa medida e foi uma boa escolha. Por outro, o discurso pareceu-me assertivo do ponto de vista dos objetivos: o CDS tem ambição máxima, quer jogar na primeira liga. Agora, é preciso é perceber como.
[Veja no vídeo os excertos mais relevantes do Carpool com Filipe Lobo d’Ávila]
A minha questão era precisamente essa: Assunção Cristas não está a pôr a fasquia demasiado alta nesta fase? Uma das coisas que correu bem na candidatura a Lisboa foi nunca ter colocado uma fasquia. Agora, dizer que o CDS quer ser primeiro à direita e ao centro e Assunção Cristas assumir que quer ser primeira-ministra não é pôr a fasquia demasiado alta?
Um facto de um presidente do CDS se apresentar claramente como primeiro-ministro não é uma novidade. Todos o fizeram antes de Assunção Cristas.
Mas não com esta assertividade.
Qualquer presidente do partido deve assumi-lo. Acredito que há, de facto, um dado novo: a base de partida. O CDS tem agora como ponto de partida o excelente resultado que teve em Lisboa. Isso eleva a fasquia. É um sinal da sua ambição máxima. Não me preocupa. O CDS deve ter essa ambição máxima e deve procurar ser um partido absolutamente marcante do espaço de centro-direita e o motor de uma mudança no Governo. Aquilo que é importante é mostrar ao país uma visão alternativa.
Assunção Cristas já o fez? Acusou a líder do CDS de ter apresentado uma moção demasiado vaga.
Nessa matéria, há muito trabalho a fazer e muita coisa a demonstrar. Gostaria muito que fosse possível termos, já neste Congresso, propostas muito concretas que pudessem ser já um sinal daquilo que o partido se propõe a apresentar como projeto político mobilizador para o espaço de centro-direita. Temos de ter noção que o mundo político mudou. A forma de conseguirmos atingir o objetivo de tirar o PS do Governo com um projeto mobilizador e agregador é algo com que o CDS se deve preocupar desde a primeira hora. Como dizia Adriano Moreira há instantes: “Não deixem para segunda-feira, o que podem começar a fazer já este sábado”.
Classificou a moção de Assunção Cristas de “relatório de atividades”. A líder do CDS esqueceu-se de falar nos passivos do partido?
A moção de Assunção Cristas tem duas páginas sobre o futuro. Não critico por criticar. É um bom balanço, um bom relatório de prestação de contas, mas o país precisa que o CDS se possa afirmar. E tem de se projetar para o futuro: o que pensamos sobre o país e como é que projetamos a nossa evolução económica e social a médio-longo prazo? Tem faltado isso.
Esta intervenção de Assunção Cristas reforça aquele aspeto que já criticou, de que este partido é muito centrado na figura da líder do CDS? O que é aliás um aspecto recorrente no CDS.
Isso é verdade e é um problema do CDS. Se queremos passar para a primeira liga, como afirmou e bem Assunção Cristas, temos de dar um passo em frente como partido, do ponto de vista da robustez e da solidez das suas estruturas. Parte deste balanço falha quando olhamos para dentro do partido e percebemos que o CDS andou muito preocupado em projetar a imagem da nova líder — e conseguiu-o. Faltou olhar para dentro do partido e percebê-lo do ponto de vista da convivência interna e do pluralismo. Há muito a fazer. Se queremos jogar na primeira liga, não podemos estar demasiado centrados na imagem de Assunção Cristas. Temos de ter um CDS que seja um verdadeiro partido em toda a linha.
Vai-se manter como deputado?
Não sei. [Minutos depois, Filipe Lobo d’Ávila subiria ao palco do Congresso para anunciar que ia deixar o Parlamento em breve]
Não sabe?
É muito provável que não cumpra o meu mandato até ao fim. Não estou agarrado ao lugar de deputado para continuar a ter intervenção política. Nunca estive. Faço uma avaliação permanente da minha mais-valia para o partido, se faz sentido continuar e se sou útil.
Isso depende das circunstâncias e não da direção do partido?
Depende de muitas circunstâncias. Depende da abertura da direção para ouvir propostas que já fizemos há dois anos…
Por exemplo?
Muitas delas. Em relação ao primeiro emprego, em relação à primeira habitação, em relação ao desemprego de trabalhadores com idades superiores a 45 anos, em relação à alterações na escolha de deputados que assegurassem uma maior representatividade local.
Mas essa já era a lógica de Paulo Portas.
Isso não quer dizer que seja bom. É certo que fui porta-voz do CDS liderado por Paulo Portas, com muito honra e muito orgulho. Mas o partido sempre viveu muito centrado na figura do líder. Se queremos dar o passo em frente, temos que abrir, mostrar um projeto, ideias e uma equipa. Temos de conseguir mobilizar o país e o povo do centro-direita. Isso é fundamental e o CDS tem hoje uma oportunidade face às circunstâncias que existem.
Vai criar uma alternativa à atual liderança?
O facto de ser ou não ser deputado tem que ver com a intervenção política que conseguimos fazer no Parlamento. Se a nossa intervenção é útil ou não a uma determinada orientação política. E, numa avaliação pessoal, perceber se concordamos com tudo o que o partido tem feito. Já tornei público que tenho muitas dúvidas e gostava que houvesse uma clarificação sobre alguns aspetos essenciais.
Mas estando fora do Parlamento sente-se mais livre para fazer oposição?
Não tenho como objetivo pessoal ser líder do CDS ou ser líder da oposição interna no CDS. Não fizemos este caminho numa lógica de oposição. Fizemos este caminho numa lógica de pluralidade, de diversidade. Tudo aquilo que converge numa lógica de uniformidade de pensamento é uma lógica castradora da liberdade e da criatividade dos próprios partidos. Aquilo que quisemos fazer há dois anos foi mostrar que havia quem, dentro do CDS, queria dar um contributo. Esse contributo teve a avaliação que teve por parte da atual direção. Ao longo destes dois anos, chegámos a ser acusados de não termos apresentado qualquer proposta. Nem sequer consideraram a moção que apresentámos.
Fará outra vez uma lista para o Conselho Nacional do CDS?
Um partido como o CDS, que quer jogar na primeira liga, deveria conviver muito bem com seis, sete, oito listas ao Conselho Nacional. Qualquer partido que joga na primeira liga tem em qualquer congresso, no mínimo, cinco ou seis diferentes ao Conselho Nacional. E, na maior parte das vezes, essas listas não são entendidas como listas de oposição. Também aí temos de dar esse salto de maturidade.
Portanto, vai fazer listas.
Não estou a dizer que vou fazer. É uma ponderação. Os congressos são dinâmicos. A questão não é saber se há uma lista ou não e qual é o resultado dessa lista. É saber se queremos ter um partido plural, com diversidade. Isso seria útil, independentemente de quem estiver nessas listas. Não posso garantir se estou na lista.
Há mesmo duas linhas muito diferenciadas no partido, uma mais liberal e cosmopolita, outra mais tradicionalista e de direta-conservadora?
Quero acreditar que não. Nós próprios no grupo que tenho acompanhado nos últimos dois anos e que fazia parte da moção “Juntos Pelo Futuro” temos pessoas com diferentes pensamentos. Essa diversidade existe. Essa liberdade de pensamento é algo que acontece na direção do partido. E isso é normal, é natural. Não distinguiria as coisas assim. Quando afirmamos o pragmatismo, e não fomos nós que o fizemos, assenta em algo de concreto. Assenta numa identidade, assenta num ADN. Essa identidade não é a mesma de 1975 — é uma identidade atualizada aos dias de hoje. Mas essa identidade existe. Não é nada de vago, nem de abstrato. É algo de concreto, que se vê nas propostas concretas. Tem de haver propostas concretas. Concordamos com a ambição máxima, com a ideia de estarmos na primeira liga. Mas não passamos cheques em branco.
[Veja no vídeo a entrevista integral no Carpool que transmitida em direto]