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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Carpool com José Manuel Pureza. "Porque não me hei de ver nas funções de ministro?"

O deputado bloquista José Manuel Pureza diz que o partido está mais maduro e pronto para ir para o Governo. Não se exclui da solução e nega que seja sinónimo de perda "da rebeldia do Bloco".

José Manuel Pureza não é um fundador do Bloco, mas é uma figura histórica do partido. Foi à boleia do Observador que o deputado bloquista chegou ao segundo e último dia da XI Convenção do BE. Pelo caminho, fez o raio-x ao partido, com elogios, um mea culpa e uma certeza: “O Bloco não se amansou”.

O Bloco de Esquerda já fala abertamente da possibilidade de vir a integrar o Governo e José Manuel Pureza assume-o nesta entrevista. Diz-se com capacidade para vir a ser ministro, embora coloque essa discussão num segundo plano. O que é necessário, diz, é que haja “vontade firme de contribuir para que se criem condições para que haja mudança à esquerda no país”.

Começo com uma pequena provocação: queixou-se de que, num artigo, o catalogámos erradamente de trotskista católico. Como é que se definiria, afinal?
Nunca fui trotskista, por isso não me revi aí. Tenho relações de amizade e companheirismo com muitos homens e mulheres que são trotskistas. É verdade que sou católico, é sabido, não tenho nada a esconder aí. Ideologicamente, sou um tipo de esquerda. Muito forte no plano da intervenção reguladora e distribuidora do Estado no plano económico, muito libertário no plano dos direitos civis e políticos, portanto, combinando duas tradições de esquerda: uma de presença forte do Estado como garante dos direitos de todos, e, por outro lado, uma grande liberdade das escolhas pessoais na vida de cada um.

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Sabemos que o Bloco de Esquerda é um partido que se formou a partir de várias correntes e tendências, não se enquadra em nenhuma delas?
Eu não fiz parte da fundação do Bloco, cheguei um ano, um ano e meio depois. Vim, se quiser, pela mão do Paulo Varela Gomes, um querido amigo que infelizmente já morreu. Não fazia parte, nessa altura, de nenhuma das correntes fundadoras: nem do PSR, nem da UDP nem da Política XXI, mas aproximei-me muito, e cheguei a ter funções de responsabilidade, na Política XXI (depois Fórum Manifesto) porque a minha proximidade nas posições defendidas pelo Miguel Portas era clara. Com o decorrer do tempo ficou claro para mim que essa inserção em frações tinha deixado de fazer sentido. O Bloco tinha crescido muito, tinha incluído muita gente que não tinha trajetória nessas correntes fundadoras, por isso foi com muita naturalidade que não me inseri em nenhuma das correntes originárias.

"Estão errados aqueles que hoje dizem que o Bloco de Esquerda amansou, se encostou ao poder, que está instalado. Não, de todo."

Acabámos de passar pelo Largo do Rato, sede do Partido Socialista. Se há coisa que sai desta convenção é o facto de o BE se apresentar como um partido que não tem medo de ir a jogo, e de eventualmente ser chamado para o Governo. É um tema que já não faz comichão. O BE atingiu a maioridade? Deixou de ser o partido rebelde de antigamente?
Não, não deixou. Há um pensamento que eu sigo muito que exige que formemos rebeldes competentes. O que está a acontecer no BE é, julgo eu, não a perda da rebeldia, não a perda da capacidade de indignação e de expressão clara dessa indignação perante as injustiças profundas da sociedade, não é isso: é claramente a exigência para nós próprios de um rigor muito fundo na maneira como somos consequentes com essa expressão da indignação. Para lá da proclamação, da verbalização dos nossos juízos críticos, estamos cada vez mais a ser capazes e a ter responsabilidades de, na realidade, intervir para que essas injustiças acabem. Ou para que essas injustiças sejam corrigidas.

Recusa as críticas de que o Bloco amansou com a proximidade ao PS.
Eu creio que estavam tão erradas as pessoas que diziam, anteriormente, que o Bloco era um mero partido de protesto, como se partido de protesto fosse uma coisa negativa (claro que o BE é um partido de protesto), como se expressar o protesto das pessoas fosse uma coisa marginal; e estão errados aqueles que hoje dizem que o Bloco de Esquerda amansou, se encostou ao poder, que está instalado. Não, de todo. É até curioso que as pessoas que fazem a crítica da mansidão sejam as mesmas que criticam o PS por estar dominado pelo Bloco, encostado a posições extremas e, enfim, outros delírios dessa natureza. Não faz nenhum sentido. O que há é um partido que tem hoje uma responsabilidade de articular duas dimensões.

Então se não foi o BE que se amansou, acredita que o PS acabou por virar à esquerda dada a influência do Bloco de Esquerda?
Não, o que houve não foi uma coisa nem outra. O que houve, e está a haver, é uma quebra de um tabu que estava estabelecido na sociedade portuguesa que dizia que o PS estava condenado a associar-se ao lado direito do espectro partidário. Isso quebrou-se. E quebrou-se, não só pelas vontades pessoais dos dirigentes, que também têm importância, mas também porque houve um retrato eleitoral das várias forças políticas que tornou possível, naquela conjuntura de 2015, a quebra desse tabu.

Porque é que essa convergência à esquerda não aconteceu antes de 2015?
Não aconteceu antes por duas razões, no meu ponto de vista. Primeiro, por falta de capacidade de resposta de dirigentes, onde me incluo…

Faz uma espécie de mea culpa?
Com certeza, não vale a pena dizer que não temos culpa nenhuma: claro que há responsabilidades que temos de assumir em tudo isso. Mas o que houve no passado foi uma relação de forças entre as várias forças à esquerda, e da esquerda com a direita, que não tornava isso possível nem exegível.

No seu discurso acabou por estabelecer um barómetro do ideal da atuação à esquerda com o exemplo da eutanásia: se o PS atuasse mais vezes como atuou naquele caso seria possível alcançar outros patamares. Porquê esse tema para fazer a comparação?
Justamente porque nessa batalha pela ampliação dos direitos e pela resposta a um problema concreto da sociedade portuguesa, pude testemunhar que a esmagadora maioria dos deputados do PS e a esmagadora maioria dos seus militantes tiveram uma posição clara de que era exigível uma articulação do PS com quem estava a pretender ampliar esse campo das liberdades. Creio que é um bom exemplo também pelo envolvimento de figuras e militantes do PS no movimento social que se criou, exigindo que houvesse uma resposta parlamentar. Foi um bom exemplo. E também escolhi esta situação porque isso me permitiu, diante da Convenção do Bloco, lembrar de uma maneira sentida e calorosa a memória de um queridíssimo amigo que era o João Semedo e que teve nisto um papel exemplar do lado do BE. Mostrou-nos como havíamos de atuar em situações desta natureza, com grande abertura e capacidade de inclusão. Não fosse essa vontade e determinação do João Semedo e esta resposta do PS não teria sido a mesma.

E a resposta — que deve considerar negativa — do PCP?
Neste caso concreto, a posição do PCP foi de ausência da formação de uma maioria para este efeito usando argumentos que não se distinguiam dos argumentos mais conservadores usados neste debate.

Mas também usou este exemplo para dizer que o BE está mais à frente do que o PCP.
Não, não há aqui nenhuma competição. O que eu quis dizer é que, para mudar a sociedade portuguesa num sentido mais justo e democrático, é exigível que o povo de esquerda e as forças progressistas se unam. Quando essa unidade não acontece, a possibilidade de mudar fica muito limitada. Quando uma das forças falha, a mudança torna-se impossível.

"[Num Governo,] certamente não me sentiria confortável na área da agricultura, das infraestruturas e planeamento, mas sim na aplicação de um programa em áreas em que tenho trabalhado, e que são conhecidas, mais próximas das questões dos direitos humanos e da justiça."

Considera-se ministeriável, vê-se em alguma função de governo?
Com toda a franqueza, nunca pensei nisso, acho que nenhum responsável do BE se pode eximir de dar as respostas que têm de ser dadas e exercer as responsabilidades que têm de ser exercidas. Nenhum. Portanto, também não me ponho de fora de qualquer responsabilidade que me seja colocada, porque acho que tenho esse dever. Agora, com toda a franqueza, creio que o mais importante nesta altura é contribuir com aquilo que sou capaz para que se forme um programa que seja de resposta às questões fundamentais da sociedade portuguesa e criar condições para que o BE tenha força para exercer todas as suas responsabilidades.

Estava a falar da possibilidade de chegar a ministro…
Não tenho essa característica, não faz parte do meu ADN. Não vejo, nem deixo de ver. Se isso acontecer por criação de condições de responsabilidade do BE, os militantes terão de estar à altura das suas responsabilidades.

Ou seja, não diria que não mas não se vê nas funções?
Não diria que não — e porque é que não me hei de ver a mim, ou a qualquer outro dirigente do Bloco, nessas funções? Quando o Bloco faz negociação com o Governo, fá-la a partir da minúcia dos problemas, para lhes dar uma resposta política certa. Se tem hoje essa responsabilidade, porque é que não hão de ser chamados numa situação muito concreta que é a de podermos aplicar efetivamente um programa de mudança?

E em que área se sentiria mais confortável?
Ai isso… Certamente não me sentiria confortável na área da agricultura, das infraestruturas e planeamento, mas sim na aplicação de um programa em áreas em que tenho trabalhado, e que são conhecidas, mais próximas das questões dos direitos humanos e da justiça. Mas não há aqui nenhuma candidatura a qualquer tipo de função, apenas a vontade firme de contribuir para que se criem condições para que haja mudança à esquerda no país. Saber quem são os protagonistas é coisa de segundo grau.

Gostava de ver o Bloco no Governo?
Gostava que houvesse condições para que isso fosse possível.

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