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Paddy Cosgrave entrou no tuk-tuk do Observador pelo meio-dia de sexta-feira, em frente ao VIP Executive Arts, no Parque das Nações. A boleia levou o fundador e presidente da Web Summit até ao Altice Arena e à FIL, onde de segunda a quinta-feira recebe as cerca de 70 mil pessoas que vão participar naquela que é a maior conferência de empreendedorismo e tecnologia da Europa. Ligeiramente ansioso com o evento, esteve sem tocar no telemóvel durante os 40 minutos que durou o passeio, reconhecendo que os smartphones são “como uma droga”, da qual precisamos de “fazer um detox volta e meia”. Sobre o acordo que fez com o Governo e a Câmara Municipal de Lisboa para a continuidade de mais 10 anos na capital portuguesa, diz que o mais importante era o espaço. E que depois de ter tido a garantia das obras da FIL, não teve dúvidas. “Lisboa foi a criança esquecida da Europa durante muito tempo, era o pequeno órfão da Europa“, justifica.
Para este casamento acabar em divórcio, só é preciso uma coisa: acabar-se o Wi-Fi. Enquanto isso não acontecer, tudo corre bem, apesar das crises habituais em qualquer relação. Paddy confessa que se soubesse que a reação dos portugueses ao jantar dos Founders no Panteão Nacional, o ano passado, e ao convite que fez a Marine Le Pen para ser oradora, este ano, seria tão negativa, não teria escolhido nem o local nem feito o desafio a Le Pen. “Tenho a certeza de que não foi o último orador que convidámos e com o qual as pessoas discordaram, por vários motivos, e espero estarmos sempre preparados para ouvir as críticas e objeções do público.”
A relação entre a política e a tecnologia é, aliás, uma das suas preocupações e se, no passado, a inovação tecnológica ajudou a levar pessoas como Barack Obama à Casa Branca, “isto também significa que estas tecnologias podem estar disponíveis a pessoas do outro lado do espectro político“. Das notícias falsas à inteligência artificial, o que preocupa o fundador da Web Summit — até como pai — é o que não estamos a fazer para proteger as crianças dos ecrãs.
Depois de chumbar no teste às expressões tipicamente portuguesas, Paddy preferiu não cantar no tuk-tuk do Observador, mas não saiu sem refletir sobre os rumores de que a Web Summit pode tornar-se em breve num unicórnio (empresa que vale mais de mil milhões de dólares): “Acho que estamos a fazer algo muito interessante. Quanto é que vale? Isso na verdade não interessa. Talvez venhamos a ser o quarto ou quinto unicórnio de Portugal, não sei.”
[Veja o vídeo do “Carpool” especial Web Summit:]
“Lisboa foi a criança esquecida da Europa durante muito tempo”
Vamos ter a Web Summit por mais 10 anos. Porquê manter este evento tanto tempo em Lisboa?
E porque não? Acho que se perguntares a qualquer pessoa em Lisboa hoje, essa pessoa teria muita dificuldade em dar-te motivos para não ser em Lisboa. Acho que é uma cidade muito especial, pode não ser a maior cidade na Europa, mas é a melhor cidade para a Web Summit. Há muitas razões.
Mas havia outras cidades, como Londres e Paris, que tinham infraestruturas que Lisboa não tinha. Não teria sido mais fácil escolher uma delas?
Claro. E essa era a grande razão que nos estava a empurrar para fora de Lisboa: não havia espaço suficiente e não havia nenhum plano para criar espaço. Durante o verão, quase no momento em que estávamos prestes a excluir Lisboa, o presidente da Câmara Municipal veio até nós com um grande plano para expandir o evento nos próximos anos. E agora mal podemos esperar. Estou entusiasmado. Espero que tudo corra bem.
Quais foram as contrapartidas envolvidas no acordo com o Governo e a Câmara Municipal de Lisboa? O que é que prometeram para que a Web Summit ficasse cá?
Bom, a parte mais importante era o espaço. Dissemos sempre isto, mas a nossa preferência era ficar em Lisboa, se o espaço existisse. Foi literalmente isto. Tornou-se na coisa mais importante. Claro que as cidades maiores… Se a tua economia for 10 vezes maior do que a de Portugal, podes oferecer o que quiseres que não interessa muito, estás sempre a competir com um país pequeno. Mas trata-se de termos diferentes ingredientes, é como fazeres um bolo: qual é a altura do ano? Novembro. Tempo? No Norte da Europa está uma porcaria. Em Lisboa, na minha opinião, está perfeito, porque venho da Irlanda e para mim, é como se fosse verão E isso é incrível. O zeitgeist, a atmosfera, o espírito da cidade… Talvez se fosse Lisboa há cinco anos, era uma cidade diferente num tempo diferente. Vi isto acontecer. Foi por isto que viemos inicialmente e agora está multiplicado ou magnificado.
Acho que as pessoas gostam de vir cá, vês todos estes jornalistas que chegam de vários sítios no mundo e lê as histórias que escrevem. Eles não escrevem que a Web Summit foi espetacular, mas que a cidade era um aborrecimento. Escrevem o oposto. Acho que Lisboa foi a criança esquecida da Europa durante muito tempo. Era o pequeno órfão da Europa. Do ponto de vista de turismo, moda, arte, startups, Lisboa está a ter um momento e estamos felizes por fazer parte.
Mas são precisas outras coisas: transportes públicos, Wi-Fi, etc. A Web Summit precisa de uma cidade com quartos de hotel suficientes para todas estas pessoas. Recebeu algum compromisso do Governo para assegurar isto?
Estudámos a capacidade dos hotéis com muito cuidado. Olhámos para a capacidade do aeroporto também. Se a Web Summit acontecesse entre junho e final de agosto, seria um desastre, porque há muitos turistas. O número de vagas nos aviões é limitado, o número de quartos de hotel é muito limitado, mas novembro é o mês mais calmo de Lisboa, o que significa que há muito mais quartos disponíveis e capacidade para as companhias aéreas, por isso, tivemos sorte. Se o evento fosse em junho, seria muito diferente. Lisboa teve sorte, do nosso ponto de vista. O Wi-Fi é o ingrediente mais crítico e no ano passado funcionou incrivelmente bem, com a Altice. E é muito difícil distribuir Wi-Fi e funcionou. Esperamos que funcione ainda melhor este ano.
Mas quer duplicar os participantes, certo?
Na verdade, o grande desafio não é o número de participantes, é a largura da banda. A forma como usamos os telefones está a mudar: o número de mebagbytes que estamos a descarregar está a aumentar. Na Web Summit, este números estão sempre a crescer, a largura da banda duplica de ano para ano, porque estamos a ver mais vídeos em alta definição (HD), em 4K, e por isso, isto é uma grande preocupação. Estou certo que não vai ser um problema.
Vamos ver. Mas porquê 10 anos? Faz sentido uma conferência tecnológica fazer um compromisso tão longo com uma cidade?
Acho que faz um sentido incrível. Três anos era mesmo muito pouco, criou muita incerteza. Abrimos um escritório há 18 meses para as pessoas que trabalhavam aqui, muitos portugueses perguntavam-nos se íamos ficar e o que é que ia acontecer com a sua carreira, etc. Para os portugueses que trabalhavam connosco, havia muita incerteza por ser um período de tempo tão curto. E nunca éramos capazes de fazer grandes planos. Agora, pela primeira vez, podemos planear. Para as pessoas que trabalham connosco, sobretudo para os portugueses, criou uma certeza que não existia. E isso permitiu-nos pensar no que podemos realmente criar nos próximos 10 anos.
A inovação nunca desaparece. Existia há 200 anos, mas noutros campos. Existe agora e sejam quais forem os campos em que vai existir daqui a 10 anos, vamos estar lá. Os carros não eram uma grande parte da Web Summit há quatro anos. Não existiam, nem sequer havia um palco para eles. E quatro anos depois, representa uma das maiores partes da Web Summit. Os empreendedores não vão desaparecer. A Web Summit é o evento do mundo que mais junta empreendedores. E não interessa de que área vêm.
Sobre Le Pen: “Temos a responsabilidade de pensar com muito cuidado sobre quem convidamos”
No ano passado, teve duas situações difíceis para gerir. O que aconteceu com o convite a Marine Le Pen?
Deixa-me dizer que todas as empresas, todos os líderes, têm de estar em aprendizagem e abertos a cometerem erros e a receberem conselhos. O que aconteceu com a Le Pen foi um bom exemplo daquilo que muito provavelmente é um dos aspetos mais positivos das sociedades europeias ou das sociedades democráticas ocidentais. Em primeiro lugar, as pessoas têm uma voz, não a têm só de quatro em quatro anos, quando há eleições. As pessoas podem falar contra as coisas com as quais discordam. No passado, acho que as empresas estavam muito relutantes em ouvir as pessoas que rejeitavam um produto, como o uso do plástico. Para mim, é o exemplo perfeito para ouvirmos — ouvimos muitas pessoas em Portugal que não estavam felizes e cancelámos o convite. E acho que temos de ser abertos no futuro e fazer o mesmo. Acho que se nos fecharmos às opiniões de outras pessoas, às suas vozes, às vozes de pessoas que se interessam pela Web Summit e pela imagem de Portugal, isso não é uma coisa boa.
Web Summit recua e cancela o convite que fez a Marine Le Pen
Mas arrepende-se de ter feito o convite? Ou foi necessário para pensar sobre este tipo de assunto?
Claro que preferia que nunca tivesse acontecido, mas também acho que tens de ver o que é positivo num dos maiores desafios para nós, enquanto organização. Acho que somos relativamente jovens, temos sete anos, há seis anos contratámos os nossos primeiros colaboradores a tempo inteiro. E também tivemos de crescer, é uma empresa muito jovem, as coisas estão a crescer muito rapidamente, cometemos erros e temos de estar sempre preparados para aprender com os nossos erros. Não gosto de algumas destas grandes empresas que simplesmente ignoram as coisas más que acontecem e mandam os assessores de media para resolverem o assunto. Tenho a certeza de que não foi o último orador que convidámos e com o qual as pessoas discordaram, por vários motivos, e espero estarmos sempre preparados para ouvir as críticas e objeções do público.
Recebeu feedback da equipa da Le Pen depois do cancelamento?
Da nossa equipa dentro da empresa? Sim, claro. Tivemos uma reunião, discutimos e a coisa mais importante é que desenvolvemos um quadro imperfeito, mas que não existia antes, e que diz: não podemos esperar que podemos convidar qualquer pessoa, as pessoas interessam-se realmente pela Web Summit e é uma grande plataforma. E temos a responsabilidade de pensar com muito cuidado sobre quem convidamos para ser orador.
Estava a falar da equipa da Le Pen.
Claro. Qualquer pessoa que desconvidas — e nós desconvidamos muitos oradores por várias razões — a verdade é que as suas equipas nunca vão ficar felizes. E isso faz parte da vida.
Sobre o Panteão: “Mostraram-nos fotografias de jantares que existiam lá. Não encontramos estes sítios por acidente”
Antes disso, teve outro momento difícil por causa do jantar dos Founders, no Panteão Nacional. Estava à espera do impacto nos media e das vozes que se manifestaram publicamente contra?
Acho que isso é outro exemplo muito bom. Mostraram-nos fotografias de jantares que existiam lá. Não encontramos estes sítios por acidente, não vamos a um evento sem termos permissão, não usamos sítios que sejam ilegais. E vimos algumas fotografias de bonitos jantares que ocorreram lá naquele ano, cerca de três. É um sítio verdadeiramente bonito e tivemos um feedback muito positivo de portugueses que tinham organizado jantares lá. Achámos que seria um evento maravilhoso. Sabíamos que a reação seria o que acabou por ser? Foi uma situação infeliz e mais uma vez gostava que nunca tivesse acontecido. Há outros sítios tão bonitos em Lisboa, teria sido muito fácil fazer o jantar noutro sítio.
Mas sabia que era o sítio onde recordamos os heróis portugueses?
Sim, não tenho dúvidas. Pergunto-me quantos jantares terão existido lá sem as pessoas saberem. Em última instância, acho que provavelmente até foi bom termos cometido este erro e agora é dado ao Panteão o respeito que lhe é devido. E que não se façam lá mais jantares.
Onde vai ser o jantar dos Founders este ano?
Não sei, mas não vai ser no Panteão. Isso posso confirmar. Acho que é num sítio histórico mais apropriado, porque Lisboa está cheia de edifícios muito bonitos e quando as pessoas viajam de todo o lado do mundo, a última coisa que querem fazer é jantar em hotéis, que é uma coisa que há em todo o lado. Nós queremos mostrar às pessoas a história de Lisboa.
Já vive em Lisboa?
Sinto que vivo em Lisboa, sim, porque passo aqui tanto tempo. Passei o Natal e a passagem de ano com a minha mulher e o meu filho. O meu irmão vive aqui e há estes laços com Lisboa que crescem todo os dias. Se pudéssemos mudar os meus pais e os pais da minha mulher para Lisboa e algumas das suas oito irmãs… É que a minha mulher tem oito irmãs. Antes de teres filhos, pensas “oh, os meus pais, tenho de ir vê-los ao fim de semana”, mas depois tens filhos e percebes que os avós são a maior invenção de sempre. Eu e a Faye pensámos em mudarmo-nos para cá, mas depois tivemos o nosso primeiro filho e percebemos que é difícil. De repente, os nossos pais tornaram-se na maior invenção de sempre. Eles sabem tudo, são tão prestáveis, fazem comida, arrumam coisas.
Não há nenhuma app para isso.
Não há. Talvez nos próximos anos, mas passo metade da minha vida aqui.
O presidente Marcelo Rebelo de Sousa disse uma coisa interessante: que seria boa ideia o Paddy ter cidadania portuguesa. Pensa nessa hipótese?
Ele é fantástico. Fez a intervenção final na Web Summit no ano passado e nós nunca convidámos a mesma pessoa duas vezes para fazer a intervenção final, mas este ano vai ser ele outra vez. A do ano passado foi incrível. Não tenho ideia de como vai fazer, mas ele é um orador com muita força e um político impressionante, ótimo comunicador. Estamos ansiosos por saber o que ele tem para dizer.
Mas não respondeu à pergunta. Pensa nisso?
[risos] Claro, mas não sei se podes ter dois passaportes, se na Irlanda tenho de entregar o meu passaporte para aceitar o português ou qual será o procedimento. Mas vou seguir as regras normais para me tornar um cidadão com o tempo.
É um investimento de 10 anos. Sente que as responsabilidades em relação ao nosso país são maiores agora?
Acho que sim, nem que seja para com as próximas gerações. Estive com estudantes das universidades hoje e falámos do impacto positivo da Web Summit em ajudar os estudantes a pensar que o futuro está nas suas mãos. Mas a grande questão é como é que podemos fazer mais e não apenas durante três ou quatro dias. Então e os outros 362 dias? O que podemos fazer? Podemos trazer alguns dos melhores e mais iluminados estudantes de Portugal para outros eventos no mundo? Para que possam ver e aprender com outros empreendedores e investidores de todas as partes do mundo? Acho que há muita coisa que podemos fazer para a próxima geração e uma vez que esta Web Summit estiver fora do caminho, isso vai ser um dos nossos maiores focos.
“Os telemóveis são como uma droga. É bom fazer um detox”
No ano passado, contou-me que fica offline muitas vezes. Ainda se desconecta muitas vezes?
Sim, na semana passada deixei o telefone no quarto de hotel durante o dia todo.
E não ficou ansioso?
Um bocadinho, mas trabalho no meu computador. As pessoas podem apanhar-me pelo WhatsApp ou no Slack, mas acho que às vezes os telemóveis são como uma droga. Apenas temos de… E tu podes ver-me no telefone, estou constantemente a ver coisas. É bom fazer um detox volta e meia.
Estamos a viver momentos complicados. Um dos assuntos que mais vai ser falado na Web Summit são as notícias falsas. Como podemos resolver este problema?
Essa é talvez a pergunta mais importante ou uma das mais importantes. A propaganda, o marketing e as relações públicas existem há centenas de anos. Acho que o que mudou foi que as ferramentas disponíveis para aqueles que usam a propaganda para manipular… Encontrámos soluções no passado para alguns dos maiores problemas? Estamos a guiar numa estrada agora, os carros não existiam há 200 anos, mas hoje existem e são muito perigosos, matam pessoas, mas tomámos a decisão de — se vamos viver com carros, construir cidades com carros — criar novas regras para mitigar os efeitos. Não havia cintos de segurança nem airbags, nem licenças e introduzimos as estruturas que tornaram os carros melhores.
Acho que um dos maiores desafios do jornalismo é fazer esta pergunta: precisamos de novas regras? Este sistema operativo precisa de ser atualizado? Acho que muitas pessoas vão responder que sim, a pergunta é: quais vão ser as novas regras? E isso não é uma coisa que devo ser eu a chegar lá, isto é para os jornalistas que estão a trabalhar, órgãos de comunicação social, académicos. São eles que devem escrever as novas regras.
A nova regulação europeia para a proteção dos dados também é um tema que tem sido bastante discutido. O que acha do RGPD?
É muito importante, não gosto da ideia de as empresas grandes ou os governos poderem usar mal os meus dados. Os meus dados devem pertencer-me a mim e quando são usados por terceiros, estes têm de aderir a regras restritas. Essas regras podem ser duras, podem ser corrompidas intencionalmente ou não, mas isso não significa que as regras não devem existir. Acho que o RGPD tem uma direção muito positiva e é bom ver a Europa a liderar o mundo neste âmbito. Muitos outros países não europeus estão agora a adotar estruturas e ideias que foram criadas pela União Europeia.
No ano passado, ouvimos o CEO da Cambridge Analytica na Web Summit e alguns meses depois rebentou o escândalo com o Facebook. Ouviu o que Mark Zuckerberg disse no Congresso dos EUA e no Parlamento Europeu?
Sim.
Foi suficiente o que ele disse?
Há diferentes correntes de pensamento e, às vezes, as grandes empresas fazem a sua própria regulação, mas acho que quando se trata de assuntos tão importantes para a sociedade e para a forma como todos vivemos e trabalhamos, a responsabilidade pela regulação recai no governo. Acho que nos próximos anos vai haver um debate enorme, precisam de emergir novos filósofos para ajudar e dar-nos as ideias e ferramentas para pensarmos como devemos reorganizar a sociedade e introduzir um novo contexto e um novo conjunto de regras para esta nova era. Quando os gregos começaram a criar os estados das cidades, precisavam de ideias sobre como governar os estados e houve esta explosão de filósofos. Quando nos começámos a movimentar em direção à industrialização e à emergência da democracia, houve uma explosão de novos pensamentos, porque precisávamos de novas ideias. Acho que estamos num desses momentos, uma vez mais, no qual precisamos de novas ideias, que alimentem a discussão. E esperamos desenvolver uma nova constituição ou uma nova estrutura sobre como podemos viver.
“Temos de discutir imediatamente sobre como podemos proteger as crianças destas tecnologias”
Temos visto cada vez mais os políticos e a tecnologia numa relação que não é transparente, não é clara, como por exemplo o que aconteceu nas eleições do Brasil. O que acha disto?
Em toda a história, cada vez que surge um novo meio que ajude ou permite que os políticos de qualquer lado possam subir ao poder, eles são muito rápidos a adotá-lo. Obama utilizou muitas destas plataformas há 13, 14 anos para chegar ao poder nos Estados Unidos. Bernie Sanders foi impulsionado por muitas destas novas tecnologias. Mas isto também significa que estas tecnologias podem estar disponíveis a pessoas do outro lado do espectro político. Sabes, não tenho a resposta, mas acho que muita gente está preocupada e essa é a razão para que, na Web Summit, muitas das grandes discussões e debates nos palcos principais estejam relacionados com estas novas ferramentas e o seu uso negativo.
Em relação a estas eleições, já pensou em quem votaria?
Não sei nada sobre os políticos no Brasil, mas não sou fã do presidente eleito, para não dizer mais. Não sou fã, de todo. Mas, não tenho o direito de interferir com a vontade democrática das pessoas do Brasil e tenho de respeitá-la. Sou livre de dizer que não sou fã dele, mas não sou livre de interferir com os direitos democráticos deles.
As pessoas estão assustadas com a inteligência artificial, com a relação entre políticos e tecnologia, com as fake news, com muita coisa. Na sua opinião, o que é mais assustador?
Num lado tecnológico, as armas nucleares são uma forma de tecnologia e o facto de os Estados Unidos se quererem afastar de um tratado internacional que é incrivelmente importante para ajudar a manter o mundo seguro é bastante assustador. Outra coisa que me preocupa é que tenho um filho de 2 anos e muitos dos meus amigos têm filhos pequenos e vejo este vício nos telemóveis. Fico a pensar que estamos a começar a chegar a um ponto em que, só porque esta tecnologia é poderosa e pode fazer coisas incríveis, isso não a torna perfeita. O New York Times tinha uma história que dizia que em Silicon Valley, quase todos os executivos das grandes empresas de tecnologia não deixam que os filhos olhem para os ecrãs e acho que deveríamos encarar isso de forma muito séria. Estou preocupado que talvez não estejamos a discutir suficientemente sobre os riscos que os ecrãs representam para o bem estar dos mais indefesos, os mais jovens na nossa sociedade. Acho que temos de discutir e debater imediatamente sobre as medidas que temos de tomar para proteger as crianças destas tecnologias.
No ano passado, Stephen Hawking apareceu num vídeo surpresa na Web Summit. Foi a última presença pública que ele fez antes de morrer. O que gostaria de lhe ter dito se tivesse tido essa oportunidade?
“Obrigada”, não só pela Web Summit mas também por uma vida de pensamento e partilha do conhecimento com o mundo. Os últimos 500 anos de progresso no mundo foram impulsionados, na maioria, por cientistas e académicos e pessoas que tiveram a liberdade e o tempo para pensar profundamente sobre como o mundo funciona e como o mundo deveria funcionar. Para mim, uma das maiores preocupações que tenho é quando vejo universidades sem fundos, quando vejo os salários de professores de todos os níveis serem reduzidos. Preocupo-me que isso não seja compatível com o tipo de mundo onde queremos viver. A educação é a pedra angular mais profunda da nossa sociedade e cada tentativa de reduzir os fundos da educação, minar o trabalho de professores e investigadores deveria ser evitada a todos os custos.
Colocaria o seu filho numa escola portuguesa? Conhece as escolas portuguesas?
Não, não conheço. Ele fala melhor português do que eu, por isso safava-se melhor do que eu me safo. Mas, tenho a certeza que ele iria adorar. Ele é muito amigável e tagarela, mas tem apenas dois anos, por isso ainda é muito jovem.
É uma boa idade para começar a praticar a nossa língua. No ano passado disse-me que a Web Summit e Portugal eram como um casamento feito no céu. O que é preciso acontecer para este casamento passar a divórcio?
Não há nada, a sério. Acho engraçado quando alguns políticos dizem que dez anos é o casamento perfeito. Dez anos é um casamento perfeito? Um casamento perfeito é para sempre. Espero que possamos continuar a desenvolver a Web Summit, torná-la melhor para os nossos participantes, que são o nosso foco. Temos sempre de ser criativos e estar focados em melhorar a experiência, temos de ouvir e estar abertos e aceitar as críticas. Não há nada na minha mente, neste momento.
Não há nada que o faça pensar: “Se eles fizerem isto, vou-me embora”?
Só se trocassem a Wi-Fi por três dias, acho que isso seria o fim. Sem Wi-Fi não há Web Summit.
Unicórnio? “O nosso foco é apenas no produto, não queremos saber quanto é que as pessoas acham que vale”
Mas para os próximos 10 anos pode ter governos diferentes. Não tem medo que talvez eles se apaixonem por outros eventos ou que se desapaixonem pela Web Summit?
Claro. As melhores relações são saudáveis não porque são estáticas, mas porque há sempre uma vontade e um desejo de melhorar. Acho que a resposta está na Web Summit mais do que em qualquer outra pessoa. Estamos a ser recebidos em Portugal e as honras estão em nós para tentar evoluir sempre. Quanto a quem está no poder, não acredito que isso importe muito. Viemos para aqui por causa de um governo e continuamos aqui por causa de outro governo e acredito que dos dois lados políticos eles foram e continuam a ser muito favoráveis à Web Summit. Depende de nós para continuar a garantir que esse é o caso.
Tal como em todas as relações, há sempre alguma coisa com que reclamar. Nada é perfeito. Que queixas faz de Lisboa?
Beber café depois das 18 horas. Isso é simplesmente louco. Vou jantar com as pessoas às 22 horas e eles perguntam-me “não quer café?”. E eu respondo: “Não podem beber café à noite!”. Não percebo isso. Não percebo como é que as pessoas conseguem dormir.
Mas temos o melhor café na Europa, certo?
Sim, têm uma cultura bastante enraizada no café, mas os italianos podem não concordar com ela.
Conhece mais alguma canção portuguesa sem ser fado?
Venho de um país com menos de metade do tamanho de Portugal e é talvez o país mais musical no mundo, dentro do seu tamanho. Temos os U2, tivemos Sinéad O’Connor, The Cranberries, e Hozier mais recentemente. A lista continua. No que toca a música, crescemos numa entrega constante de música incrível. Tenho de dizer que se há uma crítica a Portugal é que, a nível mundial produzem grandes futebolistas e nós, na Irlanda, nem por isso. Não tivemos um Luís Figo ou um Ronaldo. Temos o Roy Keane, que foi capitão do Manchester United. Portugal produz futebolistas incríveis, boa comida, boa moda, bons sapatos, boas pessoas…a música comparativamente à Irlanda…
Alguma vez esteve num festival de música português?
Não, mas tenho a certeza que é ótimo.
Veio à Expo ’98?
Não, tinha 14 anos e não consegui vir. Os meus professores não me teriam deixado sair da escola, tenho a certeza.
20 anos depois, a Web Summit chega a um acordo para mais 10 anos em Lisboa, no mesmo sítio onde se realizou a Expo ’98.
É um espaço excelente. A Altice Arena é tão perfeita.
A Feira Internacional de Lisboa (FIL) vai ter o dobro do tamanho. Para onde vai crescer?
Tenho visto muitos dos desenhos. Se olharmos para o lado do corredor 4, há um espaço que é maior do que todos os corredores. Em grande parte da Europa, as arenas têm dois ou três andares, e por isso, podem facilmente fazer uma arena com dois andares. Há muito mais espaço para expandir e muitas opções diferentes e não tenho dúvida de que vamos escolher a melhor opção.
Mas no próximo ano já vão ter a capacidade para 100 mil pessoas?
É uma boa pergunta. Não tenho bem a certeza, mas há expansão no plano para o próximo ano que aumenta maioritariamente o espaço das exibições. Não é necessariamente espaço para aumentar o número de pessoas. Do meu ponto de vista, já é tão grande quanto precisa de ser. E tenho estado preocupado com o facto de se a tornarmos substancialmente grande, a experiência fica deteriorada para os nossos participantes. E mesmo uma conferência de 100 mil pessoas seria suficiente para mim. Acho que a escala do evento é tão grande.
Há sempre uma questão quando o assunto é Web Summit: como é que a Web Summit faz dinheiro?
É através dos bilhetes e de parcerias. Podem ver os grandes cartazes da Mercedes e da BMW nas ruas, que são nossos parceiros. E é isso. Não há mais nada. Não vendemos café, não vendemos t-shirts (ainda).
Li na imprensa internacional que talvez a Web Summit se torne num unicórnio (empresa avaliada em mil milhões de dólares) em breve. É verdade?
Não sei, não posso dizer isso. Tem havido muita especulação, especialmente este ano. As pessoas focam-se sempre no evento, mas muito pouco na empresa por detrás do evento. Talvez nos últimos meses tenha sido primeira vez em que as pessoas disseram “Espera um pouco, como é que este grupo louco de irlandeses criou este enorme evento mais rápido do que qualquer criação de uma grande conferência?” E é uma pergunta interessante. O nosso foco é apenas no produto, não queremos muito saber quanto é que as pessoas acham que vale. Não nos afeta muito. Algumas pessoas no Twitter acho que só querem chegar e falar e dizem: “Definitivamente vale dois mil milhões. Pelo menos mil milhões. Talvez quatro.”.
O que acha destas avaliações?
Acho que as pessoas só querem que as convide para serem oradores. É do tipo: “Deixa-me dizer coisas incríveis sobre a Web Summit e o Paddy convida-me a ir lá falar”. É ótimo para a equipa que trabalha tanto há tantos anos, porque nunca tivemos uma validação externa. Nunca ninguém disse “esta é uma empresa ótima” ou “uau, esta empresa está a fazer algo muito interessante”, mas acho que estamos a fazer algo muito interessante. Quanto é que vale? Isso na verdade não interessa. Talvez venhamos a ser o quarto ou quinto unicórnio de Portugal, não sei.