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A construção insere-se na linha arquitetónica romântica que caracterizou a vila em finais do século XIX
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A construção insere-se na linha arquitetónica romântica que caracterizou a vila em finais do século XIX

Assuncao Castello Branco

A construção insere-se na linha arquitetónica romântica que caracterizou a vila em finais do século XIX

Assuncao Castello Branco

Chalet Ficalho. A casa de veraneio do século XIX foi restaurada para se abrir aos hóspedes na vila de Cascais

Inserido na rota de arquitetura de veraneio da câmara, o chalet dos condes de Ficalho mantém-se na mesma família há várias gerações e começou agora a aceitar reservas, depois de quase 2 anos de obras.

“Foi uma transformação maior do que no ‘Querido Mudei a Casa’”, conta Francisco Franco de Sousa enquanto aponta para as duas portas de madeira à sua direita. Já nada aqui é como era. Estamos no terceiro piso da casa, na zona onde costumava estar o sótão, um sítio mágico carregado de memórias de infância. “Nós [os miúdos] vínhamos aqui muito de vez em quando às escondidas, porque era mais ou menos proibido. Vínhamos ver o que havia escondido dentro dos baús. Era uma espécie de caça ao tesouro.” De um período de obras que se prolongou por perto de dois anos, não sobra quase nada desse saudoso sótão. Aqui passaram a existir dois dos nove quartos do Chalet Ficalho, prontos para começarem a receber hóspedes na Avenida Emídio Navarro. Estamos no centro de Cascais, com a marina (quase) à porta, mas podíamos estar no meio do campo. “Não se ouve nada. É tranquilíssimo”, comenta Francisco.

O Chalet Ficalho foi mandado construir em 1887 para ser uma casa de veraneio. Fica na Avenida Emídio Navarro, em Cascais

Assuncao Castello Branco

Na sua essência, o chalet mantém-se o mesmo que foi mandado construir em 1887 por António da Costa e Silva e a mulher, Maria Josefa de Mello — então futuros condes de Ficalho — para a filha, Helena Maria Luísa, depois de o médico lhe receitar “ares do mar” como forma de tratamento para os males de saúde. “A minha bisavó era fraquinha dos pulmões”, explica-nos o anfitrião. Durante o século XIX, a família já tinha o hábito de passar as férias de verão em Cascais com a família real. Os condes de Ficalho eram próximos do Rei D. Luís e, mais tarde, de D. Carlos. Depois do regicídio, a trisavó e a bisavó de Francisco foram exiladas e o chalet esteve fechado durante vários anos, mas manteve-se na família como casa de veraneio ao longo das gerações. Depois do 25 de abril, os avós de Francisco mudaram-se permanentemente para lá. Quando morreram, os 8 filhos iniciaram um processo de partilhas que se prolongou por mais de uma década, sendo sempre mantida por Ana e Maria — a mãe e a tia de quem nos mostra agora o espaço — atuais proprietárias e sócias-gerentes do alojamento.

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“Sou daqui e sei o que é viver aqui. E é espetacular”, conta Francisco de sorriso rasgado, enquanto explica que, no mesmo jardim onde mora o chalet, há uma outra casa recatada onde cresceu e viveu com a mãe até aos 26 anos, altura em que o avaliador de antiguidades se mudou para Lisboa por causa do trabalho numa leiloeira.

A sala e o escritório estão à disposição dos hóspedes. Todos os móveis e retratos já pertenciam à casa

Assuncao Castello Branco

O jardim é — vamos passar a expressão — uma das joias desta coroa. Foi idealizado pelo pai de Maria Josefa de Mello, Francisco Manuel de Mello Breyner, 4.º conde de Ficalho, botânico, professor e fundador do Jardim Botânico do Príncipe Real. Foi mordomo-mor do Reino. Tinha um cargo no Paço e era um dos grandes amigos do Rei D. Carlos. Quando morreu, o Rei ainda era vivo. “Dizia: ‘Faz-me falta o Francisco, que era muito bom para mostrar lá fora’”, cita o quadrineto homónimo. “Foi diplomata, foi botânico, foi um homem com imensas valências. Era pintor, escreveu livros, era um homem das artes.” Foi também presidente dos Vencidos da Vida, grupo de intelectuais do qual fizeram parte Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão e Oliveira Martins.

Durante a construção, o 4.º conde de Ficalho levou para o chalet as plantas do Jardim Botânico, com o qual a família retomou recentemente uma relação “de amizade” para fazer um intercâmbio. “Tínhamos aqui uns agaves [espécie de cacto] que eles já não tinham, porque tiveram uma epidemia e morreram todos. E este caminho todo tinha palmeiras”, conta enquanto aponta para uma das apenas duas que sobraram. “Morreram por causa de um escaravelho e de outras doenças. Tivemos de tirá-las quase todas, mas eles vão oferecer-nos a quantidade que tirámos.” Quantas serão, ao certo? “Muitas”, ri-se. Este intercâmbio só é possível graças ao viveiro de palmeiras do Jardim Botânico, onde a espécie é reproduzida. “Vão-nas espalhando por vários sítios porque, se acontecer alguma coisa às espécies do jardim, têm onde ir buscar sementes para as levarem de volta para lá.”

As platas originais do jardim vieram do Jardim Botânico do Príncipe Real. A piscina foi construída durante as obras

Assuncao Castello Branco

O espaço exterior está à disposição das visitas, que podem apreciar as plantas e canteiros cuidados, esticar-se nas espreguiçadeiras e tomar banhos na piscina estilo tanque, revestida numa tela azul escura e construída de propósito para o alojamento.

Os chalets e a arquitetura romântica em Cascais

No século XIX, o romântico em Portugal, e em Cascais em particular, seguiu uma linha arquitetónica na qual se inserem os chalets de veraneio. Há dois que são icónicos e facilmente identificáveis por quem passa de carro na marginal, junto à estação de comboio de Cascais, ambos mandados construir pelos Duques de Palmela nos finais do século XIX. São o primeiro e o segundo pontos de paragem da rota de arquitetura de veraneio da Câmara Municipal de Cascais, um percurso de 4,5 quilómetros que acompanha a história da própria vila através da arquitetura, marcada a partir de 1870 pelo gosto que D. Luís tinha pelo mar, tendo-se até instalado no Palácio da Cidadela para estar mais próximo destes ares. O roteiro — que pode ser consultado no site da câmara — tem 36 paragens. O chalet Ficalho é o número 19.

O chão do hall de entrada é uma réplica do que está no Palácio Nacional de Sintra

Assuncao Castello Branco

“Até ao século XIX, existia uma rigidez arquitetónica. A partir daí, passou a poder fazer-se o que se quisesse e eles imaginaram esta casa para eles.” No hall de entrada, por exemplo, o chão é uma réplica do que está no Palácio Nacional de Sintra. “Foram buscar elementos a sítios diferentes.” As madeiras restauradas são todas originais. Ainda na mesma divisão, escondido atrás de uma cortina com o brasão dos condes de Ficalho, está um elevador que mandaram fazer durante as obras para tornar a estadia mais confortável aos hóspedes. O interior foi forrado com uma fotografia onde se pode ver a trisavó que mandou construir a casa com um cão de água português, raça que se foi mantendo na família ao longo de várias gerações. Quem passar por lá pode mesmo cruzar-se o simpático Cheeky, cão da tia de Francisco que só é solto se os hóspedes se sentirem confortáveis com a companhia de quatro patas.

Todos os nove quartos disponíveis para estadia são originais, como o antigo quarto principal, agora denominado superior king para efeitos do alojamento. Mas os quartos mais pequenos transformaram-se em casas de banho de apoio aos quartos grandes, novas em folha. Enquanto nos mostra o resultado dessa obra, Francisco recorda como costumava existir apenas uma casa de banho para toda a casa. “A minha avó ainda se lembra dos dias em que se levava uma tina até ao quarto e se tomava banho ali.” As casas de banho têm duches espaçosos e apenas uma tem banheira. “A minha tia adora banheiras e queria pô-las em todas as casas de banho. Mas os engenheiros e o arquiteto disseram que nem pensar, porque a casa não ia aguentar o peso.” Já o chão desses antigos quartos pequenos foi levantado, substituído por cerâmica e reaproveitado para construir as cabeceiras das camas, trabalho feito por um marceneiro que criou pequenos espaços de arrumação nas laterais.

À esquerda, o quarto superior king com a cabeceira de madeira reaproveitada. À direita, a única suite do Chalet Ficalho tem uma pequena sala

Assuncao Castello Branco

A casa chegou a estar a céu aberto para mudarem o telhado, que voltou a ter telhas pretas, tal como na construção original. Essas tinham sido substituídas por telhas de Marselha, cor de tijolo — “aquelas que existem em todo o lado” — depois de um grande vendaval, um episódio que aconteceu durante a infância da avó. Agora, por causa das infiltrações de vários anos que foram apodrecendo a madeira, trocaram a estrutura e recuperaram a configuração de origem. “Tivemos o cuidado de manter tudo na mesma no processo de remodelação”, reforça. Todos os móveis da casa já lá estavam. Alguns foram recuperados e os quadros foram restaurados.

“Tivemos muitas propostas indecentes”

Antes de as obras começarem, abriram uma página de Facebook que foi sendo alimentada com imagens das obras e histórias sobre a casa, para se aproximarem das pessoas. “Foi assoberbante ver as mensagens que recebemos, tanto de quem sempre morou aqui à volta como de gente que não conhecemos”, recorda Francisco. O entusiasmo em torno da remodelação teve uma envergadura especial entre uma comunidade de vizinhos que morou sempre naquela zona de Cascais. “Hoje em dia é muito fácil simplesmente vender estas casas.” Houve interesse por parte investidores estrangeiros? “Tivemos muitas propostas indecentes, mas dissemos que não. O intuito era mesmo manter a casa na família e podermos continuar a usufruir dela, ainda que seja noutras condições.”

A sala de refeições fica no piso térreo. As portas com vista para o jardim deixam entrar muita luz

Assuncao Castello Branco

A família Chaves, apelido partilhado pela geração atual, dividiu tarefas entre os seus vários elementos. “Vamos tendo imensos pelouros. Cada um vai fazendo o que pode fazer.” Maria e Ana, as sócias-gerentes, contaram com o apoio dos filhos e sobrinhos. Miguel ajudou com a parte financeira. Maria, irmã de Francisco, faz filmes para casamentos e preparou um vídeo promocional para o chalet. A prima fotógrafa tirou as fotografias. Já aquele que nos fala ficou a cargo, entre outras coisas, da imprensa e das redes sociais. “Pessoas que são da casa”, descreve sobre esta equipa maravilha. “Continuam a ser donas, mesmo que não o sejam. Todos se envolveram bastante neste ânimo da reconstrução porque, no fundo, é a casa da família. Quando os meus avós saíram de Lisboa e vieram para cá viver [a seguir ao 25 de abril], tornou-se a casa de todos os dias, de vir ter com os avós.”

O Chalet Ficalho funciona como bed and breakfast. Só servem pequeno-almoço, mas não faltam restaurantes nas redondezas. A Rua Amarela fica a 5 minutos a pé. A Marina de Cascais também. Mas quem quiser tomar as refeições numa das divisões da casa, pode sempre pedir com antecedência e o staff trata de encomendar almoço ou jantar.

O Chalet Ficalho funciona como bed and breakfast e o pequeno-almoço está incluído no valor da reserva

Assuncao Castello Branco

Falta pouco para receberem os primeiros hóspedes. As reservas abriram na passada segunda-feira e, sem qualquer esforço de comunicação, já têm dez marcações. Os primeiros visitantes entram a 22 de julho. O que idealizaram aqui para eles foi um lar temporário. “Não queríamos que fosse um hotel ou uma coisa séria. É uma casa onde vamos receber convidados e onde queremos que se sintam em casa.” Passaram 136 anos desde que o Chalet Ficalho foi imaginado pelos trisavós de Francisco para ser uma casa de veraneio. Longe dos costumes do século XIX, a família conseguiu trazer esse mesmo espírito para a realidade de 2023, onde os “ares do mar” se mantêm uma receita especial para todos os males.

O Chalet Ficalho fica na Avenida Emídio Navarro, em Cascais. As reservas podem ser feitas através do Booking.com. Os preços começam nos 250€ e vão até aos 450€ para duas pessoas, com pequeno-almoco incluído. Nos quartos grandes, pode pedir-se uma cama extra para crianças até aos 12 anos.

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