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Charles Moore: "Boris Johnson vai conseguir o Brexit. É como Churchill, não tem outra hipótese"

Biógrafo de Thatcher e conhecedor do Partido Conservador, Moore não tem dúvidas sobre quem apoia na corrida à liderança dos tories. Mas admite: Boris é "uma personagem rara" e "não é de fiar".

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Estudou na prestigiada escola de Eton, a mesma por onde passaram vários primeiros-ministros conservadores como Anthony Eden e David Cameron. Tornou-se editor da também prestigiada revista conservadora Spectator aos 27 anos (de onde sairia para ir dirigir o Sunday Telegraph e, mais tarde, a edição diária), foi co-editor de uma obra sobre o intelectual do Partido Conservador T.E. Utley e defendeu nos seus editoriais no Telegraph ideias como o direito à caça às raposas e a oposição ao casamento gay. Não há dúvidas sobre o posicionamento deste britânico conservador e pró-Brexit. E também não há dúvidas de que é um dos analistas britânicos mais aptos a falar sobre o momento que o Partido Conservador atravessa. Basta lembrar que o Observer escreveu em tempos que “é difícil imaginar alguém mais Tory do que Charles Moore”.

Talvez tenha sido por isso que em 1997 foi convidado pela própria Margaret Thatcher para escrever a sua biografia, dando-lhe acesso total e impondo apenas uma condição: que o resultado desse trabalho fosse apenas publicado após a sua morte. Moore cumpriu a promessa e em 2013 saiu o primeiro volume da obra, Margaret Thatcher: The Authorized Biography (sem edição em português), a que se seguiu o segundo volume, três anos depois, Margaret Thatcher: Everything She Wants (também sem edição em português). A terceira e última parte deverá ser publicada ainda este ano.

Uma biografia “autorizada” e não “oficial”, é a distinção que Charles Moore faz questão de fazer no início da conversa com o Observador numa sala do luxuoso Hotel Palácio. A entrevista surgiu graças à passagem do jornalista por Portugal, a propósito da sua participação num painel do Estoril Political Forum, evento do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, para falar sobre o antigo primeiro-ministro britânico Winston Churchill. Na conversa com o Observador, Churchill foi um dos nomes mencionados, numa comparação “de certa forma ridícula, mas não totalmente”, com Boris Johnson — o favorito à liderança dos conservadores e ao cargo de primeiro-ministro. E Moore explica porquê, justificando a afirmação com a “psicologia” da liderança.

Charles Moore no Hotel Palácio, onde decorreu o Estoril Political Forum (OBSERVADOR)

Boris Johnson é mesmo o nome incontornável que dominou toda a conversa. Moore, que foi diretor de Boris no Telegraph, sabe bem como é o homem que pode vir a liderar os destinos do Reino Unido, com defeitos (“não é de fiar”) e qualidades (“ele quer mesmo isto”). E o escritor também tem opiniões sobre o recente escândalo doméstico que envolve o candidato, acusado por um vizinho de gritos violentos contra a mulher: para Moore, tudo não passa de um ataque das elites, da BBC, dos que não querem o Brexit e “não têm escrúpulos”. Mas não só. Na conversa de mais de meia hora com o Observador, Moore não evitou nenhuma pergunta: falou sobre David Cameron, sobre Theresa May e sobre o adversário de Boris, Jeremy Hunt, que considera “um homem completamente capaz”. E falou sobre Thatcher, é claro.

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Mas também falou de ideias e de tática negocial. Moore defende que um no deal é uma solução que tem de ser aceite como um cenário que “não faz mal”, desvaloriza a crise que os tories atravessam e considera que a vida dos conservadores e dos próprios britânicos acalmará assim que o Brexit for alcançado. “Uma das razões pelas quais isto tem sido tão amargo é porque as pessoas acham — e infelizmente têm razão — que isto ainda não está decidido. Por isso toda a gente continua a lutar, a lutar, a lutar”, declara, batendo com o punho fechado na mão, ao ritmo de cada palavra, para ajudar a ilustrar o seu ponto. Resolvido o impasse, a sociedade britânica fará as pazes com o Brexit, acredita. “É claro que o tempo passa e a certa altura a decisão caberá a outra geração, mas, por enquanto, quem tentar reabrir isto será impopular. Até entre os remainers“, sentencia.

Estive no Reino Unido no final de março, a propósito da saída prevista para dia 29 que não chegou a acontecer, e recordo-me de que várias pessoas, sobretudo as que votaram pela saída, me disseram: “Se Margaret Thatcher fosse primeira-ministra, não estaríamos nesta situação”. Tem escrito sobre a vida dela, por isso pergunto-lhe isto: acha que Thatcher teria lidado com o Brexit de forma diferente do que fez Theresa May?
Nunca responderia à questão ‘O que faria a senhora Thatcher?’, porque aquilo que sei é apenas aquilo que ela fez e essa é a minha única capacidade. Mas posso dizer algo sobre como ela tratou esta questão.
Thatcher começou a sua carreira política como pró-europeia e apoiou a entrada da Grã-Bretanha. Também apoiou a manutenção na Comunidade Europeia no referendo de 1975, altura em que já se tinha tornado líder dos conservadores. Durante o seu período como primeira-ministra, de 1979 a 1990, tornou-se mais hostil à Comunidade Europeia, sobretudo devido ao plano Delors, que acabaria por levar ao euro. Uma união económica era suposto ser um dos aspetos de uma união política e não algo totalmente separado. A senhora Thatcher era muito, muito contra isto e foi daí que surgiu o conflito com Helmut Kohl e com [Jacques] Delors e com [François] Mitterrand, mas também com muitas pessoas dentro do seu próprio partido. Isso foi uma das causas da sua queda. E depois de ela ter saído do cargo, contra a sua vontade, desenvolveu a convicção de que deveríamos sair da Comunidade Europeia. Mas foi aconselhada a não o dizer em público, porque já era uma senhora de idade e isto era algo controverso…

E ela já tinha abandonado a política.
Já tinha abandonado e não ia voltar. Mas era difícil calá-la, por isso cada vez que me cruzava com ela numa festa ou algo do género ela dizia-me “quero sair” [da UE]. Nunca fez um discurso público a dizê-lo claramente. Continuou, no entanto, a fazer vários discursos críticos. Por isso a trajetória de Margaret Thatcher em tudo isto acabou por ser em direção à saída e ela acabou por liderar uma grande fatia da opinião pública. Sobretudo na questão do referendo à entrada no euro, que ela começou a defender publicamente ainda antes de abandonar o cargo. Os conselheiros séniores dela não concordavam com isto e daí surgiram vários conflitos. Mas ela conseguiu introduzir esta ideia na corrente sanguínea da política. E, gradualmente, os partidos começaram a perceber que iam ter de permitir um referendo à moeda única e daí surgiu a base para o referendo à permanência na União Europeia. Durante 20 anos tivemos uma espécie de compromisso dos partidos com um referendo. Foi por isso que David Cameron acabou por levar a cabo o referendo há três anos, porque sentiu que não tinha como escapar.

"Era difícil calar Margaret Thatcher, por isso cada vez que me cruzava com ela numa festa ou algo do género ela dizia-me 'quero sair' [da UE]. Nunca fez um discurso público a dizê-lo claramente. Continuou, no entanto, a fazer vários discursos críticos. Por isso a trajetória de Margaret Thatcher em tudo isto acabou por ser em direção à saída e ela acabou por liderar uma grande fatia da opinião pública."

Mas acha que ele o teria marcado se não fosse pela subida do UKIP?
A subida do UKIP foi parte da motivação para se dizer que era necessário um referendo. Ele queria dizer isso, mas não queria marcá-lo, por que era perigoso. Só que depois decidiu avançar porque pensou que conseguiria que o remain [ficar] vencesse. Ele tinha vencido o referendo à independência da Escócia quando toda a gente tinha dito que ele ia perder e tinha também vencido as eleições de 2015 quando toda a gente dizia que as ia perder.

Cameron foi arrogante?
Foi. E não se preparou o suficiente. E como não conhecia pessoas suficientes que iam votar pela saída, não compreendeu quão forte era esse sentimento por todo o país.

Porque vivia dentro da bolha de Londres?
Sim. Quer dizer, para ser justo com Cameron, ele sempre teve uma boa intuição para perceber como pensam as outras pessoas. Mas apesar disso, quando se é um primeiro-ministro muito ocupado e se está rodeado de pessoas que pensam da mesma forma, há uma tendência para desvalorizar a ideia de que, pelo menos no Reino Unido, quando há um referendo — e eles são raros — as pessoas têm tendência a causar problemas ao governo.

É uma espécie de voto de protesto?
Sim, [as pessoas sentem que] têm ali uma oportunidade.

“É preciso estar preparado para um no deal e é preciso ficar satisfeito com um no deal

Passando para Theresa May: como acha que ela lidou com este tema, tendo em conta que era a favor da manutenção e depois decidiu que iria conseguir o Brexit, como ela própria definiu? Acabou por não o conseguir, o que pode provocar alguns sentimentos contraditórios.
Ela era uma remainer, mas não tenho a certeza se… Ninguém sabe ao certo o que ela pensa, na verdade. A minha sensação é que ela era parecida à senhora Thatcher dos primeiros tempos. Era uma remainer, mas não era apaixonada. A senhora Thatcher nunca foi uma europeísta entusiasta e é isso que sinto por parte da senhora May. E quando ela se tornou líder pensei que isso poderia ser bom, ter uma primeira-ministra remainer que nos levasse à saída, porque isso uniria as pessoas. Ao início, parecia ser esse o caso. Mas houve dois problemas: o primeiro é que ela se deu muito mal na eleição de 2017, porque não conseguiu explicar-se; o outro é que as negociações [para o Brexit] são tão difíceis que penso que é preciso ter um líder que quer mesmo aquele resultado. É preciso investir tanto naquilo e combater os poderes na Europa… E acho que ela não sabia o que queria e portanto não conseguiu negociar. Para além disso, creio que estava assustada e Bruxelas conseguiu pressentir isso, portanto podiam estabelecer condições e fizeram-no.

"Para ser justo com Cameron, ele sempre teve uma boa intuição para perceber como pensam as outras pessoas. Mas apesar disso, quando se é um primeiro-ministro muito ocupado e se está rodeado de pessoas que pensam da mesma forma, há uma tendência para desvalorizar a ideia de que, pelo menos no Reino Unido, quando há um referendo — e eles são raros — as pessoas têm tendência a causar problemas ao governo."

Ou seja, para si, hoje em dia, é melhor ter um primeiro-ministro que seja apaixonadamente a favor da saída?
Temo bem que sim. Não é ideal, mas acho que é o melhor, porque acho que May pensava que estava a fazer o melhor possível numa situação má. Ela achava que o Brexit era mau, mas… “O meu trabalho é torná-lo melhor.” Em vez de pensar “é algo bom, por isso vamos lá consegui-lo”.

Mas o próprio partido não lhe facilitou a vida. Ela conseguiu de facto um acordo e mesmo assim…
[Interrompe] Mas isso é porque era um acordo impossível de aceitar para… Bem, talvez não impossível, mas muito difícil de aceitar de um ponto de vista pró-Brexit. Por várias razões, mas sobretudo devido ao backstop das Irlandas. Acho que ela, erradamente, tinha esta ideia de que era possível separar a Irlanda do Norte do resto do Reino Unido. E houve ainda aqueles disparates sobre o Acordo de Sexta-Feira Santa estar em risco, o que é totalmente absurdo. Mas era isso que eles tinham na cabeça.

E acha que um novo líder conservador conseguiria renegociar essa parte? A UE tem dito frequentemente que o backstop não é negociável…
É claro que é impossível ter a certeza, mas acho que devemos tentar. E a forma de tentar é dizer que iremos sair, mesmo que não consigamos um acordo, a 31 de outubro. A UE tem de saber isso. Caso contrário, se eles não acharem que nós vamos sair aconteça o que acontecer, não têm nenhum incentivo para nos dar alguma coisa.

Mas então isso é apenas uma tática negocial.
Sim, mas também tem de ser real. Caso contrário, não é uma boa tática.

Charles Moore foi o biógrafo escolhido por Thatcher. Como condição, impôs-lhe que obra só poderia ser publicada depois da sua morte (Leon Neal/Getty Images)

Mas digamos que Boris Johnson vence a corrida à liderança, como parece provável. Acha que ele irá arriscar sair a 31 de outubro porque acha que um no deal não é assim tão mau ou porque acha que é um risco que se tem de correr?
Acho que para fazer isto é preciso acreditar que um no deal não faz mal. E acho que é isso que ele pensa. Não quer dizer que seja o ideal, porque o ideal seria se tudo isto tivesse sido iniciado de outra forma e não tivéssemos aceitado as pré-condições da UE como o dinheiro [que o Reino Unido terá de pagar à UE], a Irlanda, etc. Mas tendo em conta a dificuldade política, tendo em conta que é preciso cumprir a promessa do referendo e tendo em conta o calendário, é preciso estar preparado para um no deal e é preciso ficar satisfeito com um no deal.

“Boris Johnson é muito descontraído, mas é uma pessoa muito difícil de dirigir ou controlar”

Fala-se muito sobre a instabilidade de Boris Johnson e sobre como ninguém sabe ao certo aquilo em que acredita. Acha que ele é o homem que pode conseguir o Brexit?
Sim. Conheço-o há 30 anos e fui chefe dele. Acho que ele é uma personagem rara e, em muitos aspetos, não é de fiar. Quer dizer, acho até que se pode dizer que se há algo em que podemos confiar é no facto de ele ser pouco confiável. Sabíamos sempre, por exemplo, que ele se ia atrasar.

A entregar os seus artigos?
Sim ou para ir fazer um discurso ou… Em tudo! E sabíamos que se fosse um evento social ele diria que sim e depois diria que não. Ele é muito descontraído, mas é uma pessoa muito difícil de dirigir ou controlar. Mas há duas coisas que destaco: uma é que ele quer mesmo isto, acha mesmo que é a coisa certa a fazer; a outra é que, politicamente, tem de fazê-lo, caso contrário está acabado. Ele só pode ser primeiro-ministro e continuar a ser primeiro-ministro se conseguir o Brexit.

"Conheço [Boris] há 30 anos e fui chefe dele. Acho que ele é uma personagem rara e, em muitos aspetos, não é de fiar. Quer dizer, acho até que se pode dizer que se há algo em que podemos confiar é em que ele é pouco confiável. Sabíamos sempre, por exemplo, que ele se ia atrasar."

E se Boris pedir outro adiamento, acha que o partido ou os britânicos…
[Interrompe] Seria ridículo. É claro que a data em si não é importante, mas é importante por uma questão de confiança. É óbvio que se ele conseguir rapidamente um acordo para se alterar o backstop ou algo do género e eles disserem “desculpem, acham que podemos acabar antes a 10 de novembro?” isso não seria problema. Mas isso só pode acontecer se houver um acordo.

Mas Boris Johnson não diz isso…
Não, não pode dizer isso agora, caso contrário pareceria um cata-vento.

Mas Michael Gove e Jeremy Hunt, por exemplo, têm dito isso. Que se for só por questões técnicas, poderiam pedir um adiamento curto.
Mas acho que isso é um erro da parte deles, do ponto de vista tático, porque dá a ideia de que estão prontos a ceder. Sobretudo Hunt, porque era contra o Brexit. A mim preocupa-me a ideia de nos fixarmos numa única data, porque isso pode fazer de alguém um alvo. Mas acho que tem de ser assim porque já se quebrou tanto a confiança com os apoiantes do Brexit, quer no Partido Conservador, quer no país, que tem de ser desta maneira.

Acha que Hunt tem alguma hipótese de vencer esta corrida?
Acho que ele tem hipóteses, sim, mas está muito atrás. É um homem completamente capaz e é preciso lembrarmo-nos de que tem com ele o establishment, as elites e a BBC e todos aqueles que estão contra o Brexit e não têm escrúpulos e que vão tentar tudo para o travar. Vemos que isso está a acontecer agora, com isto do Boris Johnson e da namorada a meio da noite, com alguém a escutar através das paredes. Vão fazer tudo o que conseguirem. Todos os dias até 22 de julho vai surgir alguém a tentar destruí-lo, por isso Hunt pode ter hipóteses. Para além disso, acho que ele vai fazer uma boa campanha. Mas não acho que vá ganhar porque esta votação é para os membros do partido e esses querem o Brexit por grande margem, 75%-35% ou 70%-30%. Portanto, vão preferir o candidato que está mais determinado em consegui-lo.

Ou seja, mesmo que surjam mais escândalos com Boris Johnson durante a campanha, o seu efeito será provavelmente nulo?
Provavelmente. Quer dizer, é claro que tudo pode acontecer, mas a forma de pensar dos militantes conservadores é “a BBC está contra nós, o sistema está contra nós, o Banco de Inglaterra está contra nós, a UE está contra nós, portanto não vamos ouvir nada destas coisas sobre o Boris em que eles querem que nós acreditemos”.

“As pessoas da UE são geralmente muito mais razoáveis na vida real do que na teoria. É como a distinção católica entre a doutrina e a pastoral”

Mas mesmo que Boris Johnson vença, como pode o Partido Conservador estancar a perda de votos e de apoios para Nigel Farage e para o seu Partido do Brexit? Vimos os resultados nestas Europeias, foi uma derrota histórica…
Sim, mas acho que 90% disso só acontece porque ainda não tivemos Brexit. Antes de Farage fundar o Partido do Brexit, o UKIP desceu para os 5%, porque as pessoas acreditavam que a senhora May estava a conseguir o Brexit. Acho que vai acontecer o mesmo agora, talvez até mais, porque Boris é mais eloquente do que a senhora May e mais credível neste papel. Se o conseguir, acho que o Partido do Brexit tornar-se-á muito pequeno. O maior perigo é o problema parlamentar, quando há esta margem tão curta [para conseguir maioria], mas acho que é tudo uma questão de liderança. Seria muito difícil para os deputados conservadores deitarem abaixo este líder novo, porque seriam afastados do partido se o fizessem. Digamos que há cinco que o fazem — com uma margem tão curta, é possível. Ora, aí acho que alguns deputados trabalhistas irão votar a favor do Brexit, porque é o que os seus eleitores querem.

"A forma de pensar dos militantes conservadores é 'a BBC está contra nós, o sistema está contra nós, o Banco de Inglaterra está contra nós, a UE está contra nós, portanto não vamos ouvir nada destas coisas sobre o Boris em que eles querem que nós acreditemos'."

E a verdade é esta: o Partido Trabalhista tem de dizer que quer novas eleições, mas na realidade não as quer. Porque acham que a esta altura podem não as conseguir ganhar, devido às divisões internas, a Jeremy Corbyn e tudo o mais. A verdade é que não há muitas pessoas na Câmara dos Comuns que queiram eleições antecipadas a esta altura. Contudo, se Boris fosse derrotado no Parlamento e tivesse de haver eleições antecipadas, ele teria um bom mandato para vencer a eleição. Bastava-lhe dizer “Oiçam, eu cumpri a vontade do povo, consegui isto e agora eles querem travar-me, por isso teremos eleições.”

Então ele pode convocar eleições só para conseguir ter uma margem maior na Câmara?
Bem, terá de o fazer se perder a moção de confiança. Mas, caso contrário, não tem de o fazer e duvido que o faça, porque provavelmente preferirá simplesmente comandar o navio.

Nos últimos meses, em relação ao Brexit, temos dito tantas vezes “isto vai ser assim” ou “isto vai ser assado” e depois as coisas mudam. Acredita que ainda vamos ter surpresas?
É claro que há sempre outros fatores. Imagine, por exemplo, que há um crash repentino nos mercados, não por causa do Brexit, mas devido ao sobreaquecimento das economias ocidentais e de Wall Street. De repente, toda a gente se iria sentir muito negativa e muito assustada. Pode acontecer, algumas pessoas até estão à espera disso, e isso mudaria as coisas — não sei certamente em que sentido, mas… Acho que é claro que o Brexit é algo que precisa de ser resolvido e a pessoa que o resolver ficará em vantagem. E portanto acho que isso provavelmente significa que tem de ser alguém que seja a favor do Brexit. Se fosse alguém contra, é claro que havia gente que ficaria satisfeita, mas também teríamos um escândalo, porque de repente seria preciso recuar em tudo. O mais provável é que a pessoa que diga “Vamos conseguir o Brexit” e depois o consiga se torne no líder político mais bem sucedido. E creio que é isso que vai acontecer.

Então e se a UE decidir dizer simplesmente “Bem, não vamos mudar nada no acordo e portanto têm de sair com um no deal.” Acha que esse é um cenário provável ou Bruxelas quererá negociar até ao fim?
Na verdade não sei o suficiente sobre o funcionamento interno da Bruxelas. A minha intuição é que provavelmente eles vão querer dar qualquer coisa, porque estão preocupados com temas como a indústria automóvel alemã ou a relação comercial com França. Acho que vão arranjar uma forma de pressionar a Irlanda, porque o governo irlandês abusou da sorte. Pensou que tinha o apoio de Bruxelas e tinha, mas imagino que tenha havido algum barulho quando a senhora Merkel veio dizer “se calhar conseguimos encontrar uma solução para o backstop“.

Mas ao mesmo tempo temos Emmanuel Macron a dizer “nem pensar”…
É claro. Acho que tudo é possível. Mas do ponto de vista britânico, não devemos preocupar-nos demasiado com isso. Isso é problema deles. Devemos apenas decidir para onde vamos e ser firmes, mas educados. Devemos dizer “gostávamos de ter um acordo que segue estas linhas e, se não der, OK.”

Muita gente, inclusive dentro do Reino Unido, afirma que um no deal seria muito mais duro para a economia britânica do que uma saída com acordo.
Sim, mas não acho que isso seja verdade. Ou então pelo menos só é verdade no curto-prazo. E a gravidade nesse curto-prazo depende de quão bem preparados estamos e do trabalho que foi feito nisso.

E o governo preparou-se?
Preparou-se bastante, na verdade. Mas provavelmente não o suficiente, porque sempre foi contra isto. Quando uma pessoa se prepara para algo que não quer, pensa de forma diferente sobre isso do que se for algo que quer. E o nosso ministro das Finanças, Philippe Hammond, foi o [ministro] mais negativo e o mais difícil de todos. Está sempre a tentar travar um no deal. A partir de 23 de julho tudo isto mudará e poderemos dizer “aqui vamos nós, o mais rápido que pudermos”.

"A verdade é esta: o Partido Trabalhista tem de dizer que quer novas eleições, mas na realidade não as quer. Porque acham que a esta altura podiam não as conseguir ganhar, devido às divisões internas, a Jeremy Corbyn e tudo o mais. A verdade é que não há muitas pessoas na Câmara dos Comuns que queiram eleições antecipadas a esta altura."

Mas é uma janela de tempo muito curta…
É, mas os instrumentos básicos, a legislação e a organização estão lá. A parte imponderável é o que os franceses, em particular, irão fazer, e também os alemães e os holandeses, até certo ponto. A minha sensação é que as pessoas da UE são geralmente muito mais razoáveis na vida real do que na teoria. É como a distinção católica entre a doutrina e a pastoral [risos]. Arranja-se uma forma de fazer as coisas, se for preciso fazê-las.

“Isto tem sido tão amargo porque as pessoas acham — e infelizmente têm razão — que o Brexit ainda não está decidido”

Tem havido muita discussão sobre se o Brexit está a afetar a política britânica de uma forma mais profunda, com a subida do Partido do Brexit, com o bom resultado dos Liberais Democratas nas Europeias… Acha que os tories alguma vez recuperarão o domínio que já tiveram?
Sim. O Partido Conservador é um conceito vago, de certa forma. Se tivéssemos de definir aquilo que defende numa única frase diríamos que é o partido da Nação — o que não é o mesmo que dizer que é nacionalista. Portanto poderemos dizer que é o partido que resgatou o país do controlo externo, que restaurou a independência britânica. Esse é um argumento forte. Percebo que também há um argumento em sentido contrário que também é forte, mas acho que , apesar de tudo , isto traz vantagem aos conservadores. Tem razão quando diz que tem havido muito movimento na política britânica e, até certo ponto, isto é uma questão de classe: os conservadores irão tornar-se mais fortes entre as classes trabalhadora e média-baixa e menos fortes entre as classes mais altas. Mas já houve um precedente, porque parte da força histórica dos conservadores em tempos foi com a classe trabalhadora. Sobretudo no norte, na Escócia e na Irlanda do Norte.

Charles Moore editou Boris Johnson quando este era jornalista no Telegraph (CARL DE SOUZA/AFP/Getty Images)

Mas está a perder esse apoio na Escócia, pelo menos.
É difícil perceber. Os conservadores têm tido resultados muito melhores na Escócia nos últimos anos do que já chegaram a ter antes, quando eram mesmo maus. Mas tem razão num sentido mais lato, os principais ganhos para os conservadores nisto tudo estão é em Inglaterra. Sobretudo no norte e no leste e no oeste da Inglaterra, não tanto no sul e em Londres.

E o Reino Unido enquanto nação conseguirá recuperar do Brexit? Falou em divisões de classe, em oposição entre Escócia e Inglaterra… É possível sarar as divisões que se tornaram mais evidentes com o Brexit?
Sim, porque uma das razões pelas quais isto tem sido tão amargo é porque as pessoas acham — e infelizmente têm razão — que isto ainda não está decidido. Por isso toda a gente continua a lutar, a lutar, a lutar. Se estiver mesmo decidido e alguém tentar reabrir a discussão, a maioria das pessoas vai dizer “parem com isso, já decidimos”. Como sou velho o suficiente para me lembrar da última vez, sei que foi isso que aconteceu durante muito tempo a seguir ao referendo de 1975 [à entrada do Reino Unido na Comunidade Europeia]. É claro que o tempo passa e a certa altura a decisão caberá a outra geração, mas, por enquanto, quem tentar reabrir isto será impopular. Até entre os remainers. E há um assunto secundário, embora também muito importante, que é este: se quisermos voltar a entrar, quais serão os termos? Podem ser melhores do que já foram? De certeza que serão piores, teríamos de nos juntar ao euro e tudo o mais.

E as pessoas já só querem que isto acabe?
Cerca de um quarto da população quer muito ficar, mas é apenas um quarto. Diria que metade é pró-remain, mas apenas um quarto se preocupa a sério com isso. A percentagem dos que querem sair também não é uma maioria clara, mas estes são uma maioria mais forte e vão sentir-se muito melhor assim que isto estiver feito.

"O Partido Conservador é um conceito vago, de certa forma. Se tivéssemos de definir aquilo que defende numa única frase diríamos que é o partido da Nação — o que não é o mesmo que dizer que é nacionalista. Portanto poderemos dizer que é o partido que resgatou o país do controlo externo, que restaurou a independência britânica. (...) Tem havido muito movimento na política britânica e, até certo ponto, isto é uma questão de classe: os conservadores irão tornar-se mais fortes entre as classes trabalhadora e média-baixa e menos fortes entre as classes mais altas." 

E os políticos tory conseguirão sobreviver a este processo? Theresa May já caiu. Boris Johnson conseguirá manter-se de pé?
Se ele conseguir, ficará numa posição muito forte.

E se não conseguir?
Será afastado. É por isso que acho que irá fazê-lo, não tem outra hipótese. É como Churchill. Eu sei, é uma comparação de certa forma ridícula, mas não totalmente ridícula em termos políticos. Churchill tornou-se primeiro-ministro em 1940 porque teve de ser. Porque todos os outros estavam errados e ele tinha estado certo. Churchill não teria sobrevivido enquanto primeiro-ministro se não tivesse conseguido impedir a invasão da Grã-Bretanha. E foi isso que fez.

Boris Johnson provavelmente gostaria dessa comparação.
Gostaria, sim [risos]. E claro que já pensou nela, até porque escreveu um livro sobre Churchill [O Fator Churchill, ed. Dom Quixote]. É claro que Boris não é Churchill, mas a psicologia é a mesma. E toda a gente também disse que Churchill não era de fiar, que era um egocêntrico, um egoísta, que tomava más decisões, tudo isso. Tenho a certeza que ele também gritava com a mulher dele à uma da manhã [risos]. A psicologia é a mesma.

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